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Morales e a teoria dos jogos
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Pela terceira vez em 70
anos, a Bolívia nacionalizou
suas reservas de petróleo e gás natural. Diferentemente das duas primeiras ocasiões, em que os principais alvos foram empresas norte-americanas, desta vez a maior vítima foi a Petrobras.
A decisão da Petrobras de suspender, por enquanto, novos projetos na Bolívia é sensata. Mais ainda, é o único procedimento que
protege os interesses dos seus acionistas, em particular dos minoritários, no Brasil e no exterior. A Petrobras tem ADRs listadas na Bolsa de Nova York e, por lei, seus diretores têm a obrigação de defender o patrimônio da empresa.
Essa é uma boa notícia para todos os brasileiros. Se o presidente
Lula quiser subsidiar a política de
Evo Morales, terá que fazê-lo com
recursos do Orçamento e não poderá esconder e dividir os custos,
obrigando a Petrobras a pagar a
conta. E, como os políticos relutam
mais a gastar quando as despesas
são transparentes, o preço final da
atual política externa vai ser menor.
Além de expropriar a propriedade das empresas estrangeiras, o governo de Morales quer renegociar
o contrato vigente para o fornecimento de gás. Segundo esta Folha,
autoridades bolivianas sugeriram
elevar o preço em 45%. No médio
prazo, seria muito danoso para o
Brasil perder o acesso ao gás boliviano, que constitui 50% do consumo nacional. Por outro lado, a exportação de gás natural representa
18% do PIB da Bolívia, e a sua suspensão, mesmo que temporária,
arrisca jogar o país numa crise econômica profunda.
Situações dessa natureza em que
as diferentes partes barganham
para chegar a um acordo são estudadas sob diversas óticas. Os economistas utilizam a teoria dos jogos para tentar entender as forças
que influenciam o resultado final.
O estudo da barganha utilizando
a teoria dos jogos foi iniciado na
metade do século passado pelo futuro Prêmio Nobel e personagem
do filme "Uma Mente Brilhante",
John Nash. Os trabalhos mais recentes nesta literatura enfatizam
que cada parte na negociação tem
conhecimento imperfeito dos objetivos e custos do adversário. Por isso, é do interesse de cada participante enviar um sinal exagerado
do seu custo de aceitar um pacto
menos favorável. Da mesma forma, é também do interesse das
partes passar a impressão de que
possuem alternativas relativamente boas a um acordo. Em muitos
casos, vale a pena tomar medidas
que dificultem fazer certas concessões no futuro.
Nesse contexto, entende-se o espetáculo midiático da ocupação
militar das instalações petrolíferas,
que tornou muito difícil qualquer
recuo na expropriação. As referências assíduas das autoridades bolivianas a promessas de campanha
também fortalecem a sua posição
de barganha. O mesmo ocorre
quando o presidente Morales aparece com o "irmão maior" Chávez
-nesta quinta feira passada, por
cortesia do presidente Lula-, porque a Venezuela possui os recursos
técnicos e financeiros para ajudar
a Bolívia se, ao contrário do esperado, houver rompimento com o
Brasil. O presidente da Petrobras
também emite os sinais adequados
quando lembra as obrigações da
empresa com seus acionistas e com
as distribuidoras.
Infelizmente, não pode se dizer o
mesmo sobre as afirmações do presidente Lula ou de seus auxiliares
em política externa, que dão a impressão de desejar uma composição a qualquer preço. Sem optar
para o confronto inútil, os nossos
dirigentes precisam dar declarações públicas que prometam que os
detalhes do acordo determinarão o
futuro das relações entre os dois
países.
É surpreendente, mas os bolivianos parecem compreender melhor
como conduzir essa negociação.
José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos
domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com
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