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OPINIÃO ECONÔMICA
Economia pirata
GESNER OLIVEIRA
O brasil precisa se equipar contra a economia pirata, sob pena de não tirar vantagem da globalização dos mercados. Mas a tarefa não é fácil. Foi-se o
tempo em que a pirataria era apenas negócio de muambeiros que atravessam a ponte da Amizade. A tecnologia pirata inclui, além da tradicional sacola, tecnologias sofisticadas de falsificação e contrabando.
Os "piratas" atuam em três frentes principais: contrabando, falsificação e desrespeito às normas técnicas. Frequentemente tais ilícitos aparecem juntos. Os
campeões da ilegalidade entram no país por meio de contrabando,
falsificam marcas famosas e desrespeitam os padrões técnicos.
A pirataria implica concorrência desleal, tanto no comércio interno quanto no internacional.
No plano interno, formam-se
mercados duais, nos quais os "piratas" conseguem vender a um
preço muito inferior ao das empresas formais. Isso constitui estímulo à sonegação de impostos como forma de sobrevivência diante da concorrência do mercado
informal. O pesadelo burocrático
e contábil que representa pagar o
sem-número de tributos no país
agrava o problema.
No plano externo, a ausência de
controles rigorosos sobre a qualidade dos produtos estrangeiros
torna o país uma presa fácil dos
piratas internacionais, permitindo que entrem no país bens que
violam normas técnicas elementares.
Os consumidores acabam pagando um preço mais alto do que
pareceria à primeira vista. Comprar gato por lebre não apenas
pode frustar as expectativas do
comprador como causar prejuízos irreparáveis. Brinquedos que
não seguem as normas de segurança ou remédios para câncer e
antibióticos que não passam de
placebo são exemplos de como o
barato pode sair caro.
A prática da pirataria encerra
um círculo vicioso difícil de ser
rompido. Sua ocorrência retira
mercado dos produtores legais. Isso faz com que eles pratiquem
preços elevados para compensar a
pequena quantidade vendida,
abrindo ainda mais espaço para
o negócio informal.
Tome-se o caso dos CDs. Na
maioria das cidades brasileiras é
possível comprar um CD pirata
em bancas ou mesmo em lojas a
um custo de quatro a seis vezes
menor do que o produto regular.
Estima-se que a cada CD vendido
no Brasil de forma legal uma outra venda seja realizada na ilegalidade.
Segundo a CNI (Confederação
Nacional da Indústria), o Estado
deixa de arrecadar R$ 10 bilhões
anuais e de gerar 1,5 milhão de
empregos devido à pirataria em
um conjunto de segmentos. Somente a pirataria nos segmentos
de roupas, discos, brinquedos, cigarros e farmacêuticos representaria perda de R$ 6 bilhões em receitas públicas.
A superação desses problemas
requer o aparelhamento do Estado regulador e uma mudança
cultural. Do ponto de vista da
máquina pública, são particularmente importantes as instituições
de metrologia, de normas técnicas e de propriedade intelectual.
A superação de barreiras técnicas ao comércio exige produtos de
qualidade, que respeitem os padrões internacionais. Esse é um
mecanismo cada vez mais utilizado pelos países para a defesa contra a concorrência desleal dos
produtos de baixa qualidade.
O Brasil só será competitivo no
comércio internacional se estiver
bem equipado em uma área como a da metrologia industrial. O
fortalecimento do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia) é
fundamental não somente para a
penetração dos produtos brasileiros em mercados protegidos por
barreiras como também para evitar a invasão dos piratas mediante barreiras técnicas quando necessário.
Da mesma maneira, a ABNT
(Associação Brasileira de Normas
Técnicas) dissemina normas técnicas atualizadas, necessárias ao
enquadramento dos processos
produtivos e na certificação. O caso da ABNT é tão irônico quanto
ilustrativo das atuais dificuldades. Conforme descrito na página
na internet da ABNT (www.abnt.org.br), a instituição está sendo
vítima de piratas que vendem
normas e certificados falsos!
A luta contra os piratas também depende de uma mudança
cultural. Ainda não há uma
consciência generalizada dos danos causados pela economia pirata. As distorções produzidas no
funcionamento dos mercados
prejudicam não apenas as empresas do setor formal mas também o conjunto de consumidores
e contribuintes.
Não bastasse isso, o combate à
pirataria abre novas oportunidades. Se bem aparelhado nas áreas
de metrologia industrial, normas
e propriedade intelectual, o Brasil
estará capacitado a enfrentar a
batalha feroz do comércio internacional, para a qual as barreiras técnicas têm se revelado uma
das armas mais importantes.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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