São Paulo, sábado, 07 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Economia pirata

GESNER OLIVEIRA

O brasil precisa se equipar contra a economia pirata, sob pena de não tirar vantagem da globalização dos mercados. Mas a tarefa não é fácil. Foi-se o tempo em que a pirataria era apenas negócio de muambeiros que atravessam a ponte da Amizade. A tecnologia pirata inclui, além da tradicional sacola, tecnologias sofisticadas de falsificação e contrabando.
Os "piratas" atuam em três frentes principais: contrabando, falsificação e desrespeito às normas técnicas. Frequentemente tais ilícitos aparecem juntos. Os campeões da ilegalidade entram no país por meio de contrabando, falsificam marcas famosas e desrespeitam os padrões técnicos.
A pirataria implica concorrência desleal, tanto no comércio interno quanto no internacional. No plano interno, formam-se mercados duais, nos quais os "piratas" conseguem vender a um preço muito inferior ao das empresas formais. Isso constitui estímulo à sonegação de impostos como forma de sobrevivência diante da concorrência do mercado informal. O pesadelo burocrático e contábil que representa pagar o sem-número de tributos no país agrava o problema.
No plano externo, a ausência de controles rigorosos sobre a qualidade dos produtos estrangeiros torna o país uma presa fácil dos piratas internacionais, permitindo que entrem no país bens que violam normas técnicas elementares.
Os consumidores acabam pagando um preço mais alto do que pareceria à primeira vista. Comprar gato por lebre não apenas pode frustar as expectativas do comprador como causar prejuízos irreparáveis. Brinquedos que não seguem as normas de segurança ou remédios para câncer e antibióticos que não passam de placebo são exemplos de como o barato pode sair caro.
A prática da pirataria encerra um círculo vicioso difícil de ser rompido. Sua ocorrência retira mercado dos produtores legais. Isso faz com que eles pratiquem preços elevados para compensar a pequena quantidade vendida, abrindo ainda mais espaço para o negócio informal.
Tome-se o caso dos CDs. Na maioria das cidades brasileiras é possível comprar um CD pirata em bancas ou mesmo em lojas a um custo de quatro a seis vezes menor do que o produto regular. Estima-se que a cada CD vendido no Brasil de forma legal uma outra venda seja realizada na ilegalidade.
Segundo a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o Estado deixa de arrecadar R$ 10 bilhões anuais e de gerar 1,5 milhão de empregos devido à pirataria em um conjunto de segmentos. Somente a pirataria nos segmentos de roupas, discos, brinquedos, cigarros e farmacêuticos representaria perda de R$ 6 bilhões em receitas públicas.
A superação desses problemas requer o aparelhamento do Estado regulador e uma mudança cultural. Do ponto de vista da máquina pública, são particularmente importantes as instituições de metrologia, de normas técnicas e de propriedade intelectual.
A superação de barreiras técnicas ao comércio exige produtos de qualidade, que respeitem os padrões internacionais. Esse é um mecanismo cada vez mais utilizado pelos países para a defesa contra a concorrência desleal dos produtos de baixa qualidade.
O Brasil só será competitivo no comércio internacional se estiver bem equipado em uma área como a da metrologia industrial. O fortalecimento do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia) é fundamental não somente para a penetração dos produtos brasileiros em mercados protegidos por barreiras como também para evitar a invasão dos piratas mediante barreiras técnicas quando necessário.
Da mesma maneira, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) dissemina normas técnicas atualizadas, necessárias ao enquadramento dos processos produtivos e na certificação. O caso da ABNT é tão irônico quanto ilustrativo das atuais dificuldades. Conforme descrito na página na internet da ABNT (www.abnt.org.br), a instituição está sendo vítima de piratas que vendem normas e certificados falsos!
A luta contra os piratas também depende de uma mudança cultural. Ainda não há uma consciência generalizada dos danos causados pela economia pirata. As distorções produzidas no funcionamento dos mercados prejudicam não apenas as empresas do setor formal mas também o conjunto de consumidores e contribuintes.
Não bastasse isso, o combate à pirataria abre novas oportunidades. Se bem aparelhado nas áreas de metrologia industrial, normas e propriedade intelectual, o Brasil estará capacitado a enfrentar a batalha feroz do comércio internacional, para a qual as barreiras técnicas têm se revelado uma das armas mais importantes.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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