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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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BOLHA HOTELEIRA

Com superoferta de quartos, cidade tem taxa média de ocupação de 47%, uma das mais baixas do mundo

Só Jerusalém tem hotéis vazios como os de SP

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A cidade de São Paulo "hospeda" uma das mais graves crises do setor hoteleiro mundial.
Levantamento da consultoria Deloitte & Touche mostra que, nos 12 meses terminados em abril, a taxa média de ocupação dos hotéis paulistanos era de 47% -o segundo pior desempenho numa lista de quase 30 importantes cidades no mundo. São Paulo só ganha de Jerusalém (31,5%). E perde até de cidades que mais sofreram com a Sars (síndrome respiratória aguda grave) -como Hong Kong, com ocupação de 73,5%, e Pequim, 70,3%.
Na Argentina, que só agora começa a se recuperar de uma grave crise econômica, o desempenho dos hotéis foi melhor no período -Buenos Aires teve taxa de ocupação de 49,5%. Também tiveram melhor desempenho os hotéis de outras cidades latinas, como Cidade do México (66,4%) e Santiago (51,9%). Esse levantamento considerou somente hotéis das categorias quatro e cinco estrelas.
A crise dos hotéis paulistanos foi causada principalmente pela superoferta de hotéis e de flats.
A receita por apartamento disponível (ocupado ou não), outro termômetro de desempenho, também revelou a falta de fôlego do mercado hoteleiro em São Paulo. Nos hotéis paulistanos, era de US$ 36. De novo, só ganhou de Jerusalém (US$ 23). O valor mais alto, US$ 151, foi o de Tóquio -também o líder mundial em taxa de ocupação (76,6%).
Em São Paulo, onde os hotéis historicamente operavam com taxa de ocupação superior a 60%, os percentuais deste ano colocaram hotéis e flats em pé de guerra. A falta de hóspedes e o excesso de quartos derrubaram os preços das diárias pela metade.
No levantamento da Deloitte, a diária média cobrada dos hotéis em São Paulo foi de US$ 77, só mais alta do que a de Quito (US$ 75) e a de Jerusalém (US$ 73).
"O que ocorre no setor hoteleiro hoje é um descalabro. A maioria dos hotéis de São Paulo opera com prejuízo", diz Nelson Baeta Neves, presidente da Abih (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis). "São Paulo tem uma das mais baixas taxas de ocupação do mundo porque faltou planejamento dos operadores", completa Luiz Paulo Pompéia, diretor da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio).
A crise do setor começou a se delinear a partir do final dos anos 90, quando grupos estrangeiros, animados com o déficit de quartos que havia na cidade e com a estabilidade provocada pelo Plano Real, intensificaram seus investimentos no país. "O problema é que todo mundo investiu de uma vez só, o que resultou numa superoferta de hotéis, sobretudo nas categorias quatro e cinco estrelas", diz Pompéia.
Ao mesmo tempo, os flats passaram a ganhar espaço e a concorrer com os antigos e os novos hotéis. De 2000 a 2003, por exemplo, foram inaugurados 57 flats em São Paulo, o que significou a oferta de 12.055 quartos, segundo levantamento da Asmussen & Associados. No mesmo período, foram inaugurados 35 hotéis (6.642 apartamentos).
Alguns hotéis em São Paulo operam com taxa de ocupação menor ainda do que a média registrada pela Deloitte. Levantamento da BSH International, realizado de janeiro a julho deste ano, mostra que a ocupação média dos hotéis de quatro e cinco estrelas era de 34%. "A indústria hoteleira paulistana enfrenta a sua maior crise, mas não chega a perder dinheiro. Também não ganha", diz José Ernesto Marino Neto, presidente da BSH.
A rede Hilton, que investiu US$ 97 milhões na instalação de um hotel no Morumbi, inaugurado há 11 meses, informa que a sua taxa de ocupação no país (que inclui outro hotel em SP e um em Belém), na média, é de 30%.
"Há mais oferta do que procura por apartamentos em todas as categorias de hotéis", afirma Tom Potter, diretor da rede para a região do Mercosul. "Nosso desejo era estar operando hoje com 55% de ocupação", afirma.
A superoferta de quartos levou o grupo mexicano Caesar Park a reduzir a diária pela metade. Com três hotéis só em São Paulo, a rede cobra R$ 220 a diária, quando deveria cobrar R$ 480, diz Luis Eduardo Calle, diretor para a América do Sul do grupo Posadas, dono da marca Caesar Park.
"É difícil manter um hotel nessa situação, mas estamos enxugando custos para tornar a operação cada vez mais eficiente", afirma. Segundo ele, a taxa de ocupação dos três hotéis em São Paulo é de 50%, em média. Na Argentina, diz, é da ordem de 55%.
"A indústria hoteleira em São Paulo também foi duramente afetada com a retração de negócios na América Latina, sobretudo na Argentina e nos Estados Unidos. As companhias economizaram nas viagens", afirma Rui Manuel Oliveira, vice-presidente do grupo Meliá para a América do Sul.
A cadeia norte-americana Hyatt, presente em 40 países, opera seu primeiro hotel em São Paulo com taxa de ocupação de 30% a 35%, a mesma registrada na Índia e em Israel. Na rede, as taxas de ocupação estão, em média, acima de 70%. "Em São Paulo, a nossa taxa de ocupação é uma das mais baixas do mundo", afirma Myles McGourty, diretor-geral do Grand Hyatt São Paulo.
Para o diretor-geral do Accor Hotels no Brasil, Roland de Bonadona, o que ocorreu no mercado hoteleiro não é diferente do que aconteceu em outros setores da economia -como o da indústria automotiva. "Eles têm capacidade para 3,2 milhões de veículos ao ano, mas não vendem isso", diz. Há 26 anos no país, o grupo francês administra seis marcas, que reúnem 116 hotéis e flats.
Apesar da superoferta, o paulistano não vai deixar de ver novos hotéis. Amanhã, será inaugurado o hotel Fasano, para concorrer na categoria dos hotéis especiais -mais do que cinco estrelas.
Em outubro, é a vez de a cadeia norte-americana Howard Johnson abrir o seu primeiro hotel no país, em São Paulo. Até o final do ano entra em operação o hotel Kempinski. Em 2004, já estão previstas inaugurações de dez novos projetos, com investimentos somados de R$ 650 milhões.


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