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OPINIÃO ECONÔMICA
Compaixão
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Hoje, leitor , vou abusar
um pouco das citações. Começo com o grande Schopenhauer. Para o meu gosto e temperamento, foi quem melhor expressou o que ele chamava de
"mistério da compaixão". Kant
quis fundar a moral no imperativo categórico, em um princípio
racional e abstrato. Schopenhauer rejeitou esse caminho e
ensinou que a vivência da compaixão deveria ser a base da ética.
A compaixão entendida como
um sentimento, como uma espécie de intuição direta de que somos todos de uma mesma e única
essência. O indivíduo é apenas a
expressão transitória e ilusória
dessa essência que nos une.
A compaixão é algo raro e frágil, mas irrompe às vezes com
uma força surpreendente. Central
na tradição cristã, a palavra tem
sido evitada pelo pensamento social laico, não-religioso, de tendência socialista, social-democrata ou progressista. Preferem falar
em solidariedade, coesão social,
equidade e outros termos menos,
digamos, passionais. É o que
acontece, com frequência, mesmo
no PT, partido em que sempre foi
significativa a influência da Igreja Católica.
Mas, sem compaixão, como sustentar a solidariedade? Fundada
exclusivamente em um cálculo
racional, será que a solidariedade
consegue respirar e sobreviver?
Bem sei que, na vida prática e
cotidiana, essas teorias podem
valer pouco ou nada. O egoísmo
brutal e a luta de todos contra todos são a regra geral.
Mas há exceções. Dei toda essa
volta para falar de uma delas: um
homem bom, realmente bom, que
também é (por incrível que pareça) um político profissional. Refiro-me ao Eduardo Suplicy. Só
Deus sabe como ele consegue sobreviver na selva que é a política.
Agora que o PT chegou à Presidência, Suplicy terá mais oportunidades de ajudar a colocar em
prática algumas idéias pelas
quais vem se batendo há anos e
anos. Não há político brasileiro
que tenha lutado mais pela distribuição da renda e pela erradicação da miséria.
Outro dia, telefonei para ele:
"Eduardo, fiz uma descoberta
sensacional! O Nelson Rodrigues
(outra vez essa figura fatal!) também era a favor da renda mínima". E li a passagem: "Esse mundo, absolutamente nivelado, não
seria justo. Porque o melhor, o
mais inteligente, o mais capaz,
merece mais. Deve ganhar mais.
Agora, deve haver o mínimo compatível com a dignidade humana
para todos, rigorosamente para
todos".
O Suplicy deu imediatamente
os célebres "arrancos triunfais de
cachorro atropelado". Vai incorporar o escritor carioca à imensa
lista de filósofos, artistas, teólogos,
economistas, sociólogos etc. que
defenderam ou defendem a renda
mínima e idéias aparentadas.
Lista que ele costuma desfiar, entusiasmado, em suas pregações.
Como ninguém ignora, o Suplicy é um obsessivo. Tão obsessivo quanto era o Nelson Rodrigues. Talvez mais. Os seus amigos,
parentes e correligionários sabem
do que estou falando. Vários deles
começam a suar frio quando o
Suplicy desanda a dissertar sobre
distribuição de renda e renda mínima. Alguns tentam sair de fininho.
Mas, sendo amigo do Suplicy há
mais de dez anos, posso dar testemunho de que na base da sua
pregação obsessiva existe não só
conhecimento de causa, estudo e
dedicação, mas uma compaixão
autêntica, entranhada no seu
temperamento mais profundo.
Nós todos sabemos como é difícil ser bom. Pois bem. A bondade
do Suplicy é daquelas que humilha os circunstantes. Provoca até
ressentimentos.
O governo Lula terá como um
dos seus objetivos principais combater a pobreza e melhorar a vergonhosa distribuição da renda
neste país. Os obstáculos e resistências serão grandes. Não serão
vencidos sem esforços monumentais e a busca obsessiva de resultados.
Os recursos governamentais
costumam ser escassos. O legado
fiscal e financeiro deixado pelo
governo Fernando Henrique Cardoso tornou aguda essa escassez.
Lula não pode destinar os poucos
recursos de que dispõe a programas sociais mal pensados e pouco
eficazes.
Programas tradicionais como a
distribuição de leite, cestas básicas ou cupons de alimentação podem representar uma má aplicação desses recursos. Ao enfatizar
demais esse tipo de programa, o
governo Lula não estaria correndo, por exemplo, o risco de criar
ou ampliar burocracias que poderiam ser simplificadas?
A literatura especializada e a
experiência brasileira e internacional tendem a indicar que os
programas mais eficazes são
aqueles que se baseiam nas transferências em dinheiro. Essa modalidade de programa social, seja
na forma de renda mínima, imposto de renda negativo, bolsa-escola ou renda de cidadania, dá ao
beneficiário o direito de escolher
em que produtos gastar a renda
recebida. Normalmente, a própria pessoa sabe melhor do que
ninguém -e certamente melhor
do que um burocrata instalado
em algum ministério ou em alguma secretaria- quais são as suas
necessidades mais relevantes e urgentes (um detalhamento desse
argumento pode ser encontrado
no livro mais recente de Eduardo
Suplicy: "Renda de Cidadania",
Cortez e Perseu Abramo, 2002,
páginas 140 a 147).
"Um dia cai a telha, começa a
chover em casa. Comprar a telha
será uma necessidade tão premente quanto a do alimento. Outro dia começa o frio e se fazem
necessários o agasalho e o cobertor para as crianças". São as palavras sábias do Suplicy, ditas com
a simplicidade que o caracteriza.
Escutem o Suplicy! Ele sabe do
que está falando.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial,
3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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