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São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Me engana que eu gosto

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Finalmente o governo Lula anunciou o tão esperado acordo com o FMI! Tal como a famosa e deliciosa peça de propaganda do sutiã feminino, digo: "O primeiro acordo com o Fundo a gente nunca esquece!".
O PT sempre acusou essa instituição, criada sob inspiração do grande Keynes, de ser um verdadeiro bicho-papão dos interesses do povo brasileiro e o representante máximo do capitalismo internacional. Quem tiver alguma dúvida sobre essa minha afirmação pode rever algumas aparições de Lula durante a campanha eleitoral do ano passado.
O acordo atual entre o Brasil e o FMI sempre foi considerado pelo governo -e vendido assim para a opinião pública- como parte de uma pretensa herança maldita dos anos FHC. Mas o novo programa anunciado ontem é uma decisão voluntária do governo do PT e, portanto, de sua inteira responsabilidade política.
Tomada a decisão de fazer o acordo com o Fundo, o governo passou a enfrentar o problema de como vendê-la a seus militantes e à opinião pública. Não podia alegar, sob o risco de uma desmoralização perigosa, que seus ataques ao FMI eram apenas bravatas eleitorais. Os riscos de tal explicação seriam grandes demais. Também estava fora de questão o caminho de deixar a decisão para o vice-presidente da República, enquanto Lula viaja, como aconteceu no caso dos transgênicos. "Óbvio demais" deve ter sido a posição dos líderes do PT!
"O que fazer, então?" Essa pergunta deve ter permeado longas madrugadas no Palácio da Alvorada até que a cúpula petista tenha decidido o que fazer. O resultado de mais uma engenharia de marketing do governo ficou claro na última quarta-feira. O ministro Palocci anunciou a decisão de assinar um acordo com o Fundo, em Brasília, enquanto o presidente da República declarava, na África, que a decisão só seria tomada quando da sua volta ao país. Reafirmou ainda o velho discurso contra a eficácia das políticas exigidas pelo antigo demônio.
Com essa posição ambígua, o governo procura atender aos desejos de seus dois amores atuais: o povão e os mercados. Para os primeiros, fica a velha imagem de crítica a esse instrumento de dominação do capitalismo internacional e a firme posição de independência do novo governo, feita pelo presidente. Para os mercados, é passada pelo ministro Palocci a mensagem de um compromisso eterno com a ortodoxia econômica e com os valores do pensamento liberal.
Sobre os resultados práticos dessa política de dois discursos antagônicos, só o tempo tem a resposta. Alguns são otimistas e citam a China como um exemplo exitoso dessa política. Também no país de Mao opera-se com êxito a mistura de socialismo retórico com economia de mercado. As massas estão exultando com o "boom" de consumo e a melhoria nas condições de vida que o acelerado crescimento econômico dos últimos anos possibilitou. Já os investidores internacionais despejam várias dezenas de bilhões de dólares na economia chinesa atraídos pela política econômica pró-mercado.
Mas as diferenças entre a China e o Brasil de hoje são abissais! E o FMI é uma das mais importantes. Na China, a política econômica não está sujeita a nenhuma das amarras que um acordo com o Fundo cria. Os bancos são públicos e podem emprestar livremente -e como emprestam!- ao setor público. As estatais podem investir e não precisam gerar saldos de caixa para aumentar o superávit primário do governo. A taxa de câmbio é rigidamente controlada pelo Banco Central e, "last but not least", a polícia do Estado está presente para coibir qualquer excesso dos mercados.
Por isso o modelo operado pelo governo Lula, para ter sucesso, precisa desesperadamente do crescimento econômico acelerado. Somente o deslanche da economia vai permitir a felicidade das massas via aumento de salários e aumento do consumo.
Por outro lado, para chegar ao crescimento sustentado, é preciso interromper o processo de aumento da carga fiscal. Ele está inviabilizando os investimentos privados e reduzindo a capacidade de consumo da quase extinta classe média. Mas o governo precisa de novos recursos para manter o gasto público em um patamar mínimo e, com isso, pagar seus compromissos com sua base política no Congresso. Alguns analistas calculam em mais de R$ 20 bilhões os recursos necessários, em 2004, para que o governo cumpra suas promessas de investimento nas áreas ditas sociais e da infra-estrutura econômica.
Esse será o grande desafio do próximo ano. Equilibrar os compromissos com o FMI e as demandas políticas em um ano de crescimento ainda medíocre. A conferir.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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