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OPINIÃO ECONÔMICA
Me engana que eu gosto
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Finalmente o governo Lula
anunciou o tão esperado
acordo com o FMI! Tal como a famosa e deliciosa peça de propaganda do sutiã feminino, digo: "O
primeiro acordo com o Fundo a
gente nunca esquece!".
O PT sempre acusou essa instituição, criada sob inspiração do
grande Keynes, de ser um verdadeiro bicho-papão dos interesses
do povo brasileiro e o representante máximo do capitalismo internacional. Quem tiver alguma
dúvida sobre essa minha afirmação pode rever algumas aparições
de Lula durante a campanha eleitoral do ano passado.
O acordo atual entre o Brasil e o
FMI sempre foi considerado pelo
governo -e vendido assim para
a opinião pública- como parte
de uma pretensa herança maldita
dos anos FHC. Mas o novo programa anunciado ontem é uma
decisão voluntária do governo do
PT e, portanto, de sua inteira responsabilidade política.
Tomada a decisão de fazer o
acordo com o Fundo, o governo
passou a enfrentar o problema de
como vendê-la a seus militantes e
à opinião pública. Não podia alegar, sob o risco de uma desmoralização perigosa, que seus ataques
ao FMI eram apenas bravatas
eleitorais. Os riscos de tal explicação seriam grandes demais. Também estava fora de questão o caminho de deixar a decisão para o
vice-presidente da República, enquanto Lula viaja, como aconteceu no caso dos transgênicos.
"Óbvio demais" deve ter sido a
posição dos líderes do PT!
"O que fazer, então?" Essa pergunta deve ter permeado longas
madrugadas no Palácio da Alvorada até que a cúpula petista tenha decidido o que fazer. O resultado de mais uma engenharia de
marketing do governo ficou claro
na última quarta-feira. O ministro Palocci anunciou a decisão de
assinar um acordo com o Fundo,
em Brasília, enquanto o presidente da República declarava, na
África, que a decisão só seria tomada quando da sua volta ao
país. Reafirmou ainda o velho
discurso contra a eficácia das políticas exigidas pelo antigo demônio.
Com essa posição ambígua, o
governo procura atender aos desejos de seus dois amores atuais: o
povão e os mercados. Para os primeiros, fica a velha imagem de
crítica a esse instrumento de dominação do capitalismo internacional e a firme posição de independência do novo governo, feita
pelo presidente. Para os mercados, é passada pelo ministro Palocci a mensagem de um compromisso eterno com a ortodoxia
econômica e com os valores do
pensamento liberal.
Sobre os resultados práticos dessa política de dois discursos antagônicos, só o tempo tem a resposta. Alguns são otimistas e citam a
China como um exemplo exitoso
dessa política. Também no país
de Mao opera-se com êxito a mistura de socialismo retórico com
economia de mercado. As massas
estão exultando com o "boom" de
consumo e a melhoria nas condições de vida que o acelerado crescimento econômico dos últimos
anos possibilitou. Já os investidores internacionais despejam várias dezenas de bilhões de dólares
na economia chinesa atraídos pela política econômica pró-mercado.
Mas as diferenças entre a China
e o Brasil de hoje são abissais! E o
FMI é uma das mais importantes.
Na China, a política econômica
não está sujeita a nenhuma das
amarras que um acordo com o
Fundo cria. Os bancos são públicos e podem emprestar livremente
-e como emprestam!- ao setor
público. As estatais podem investir e não precisam gerar saldos de
caixa para aumentar o superávit
primário do governo. A taxa de
câmbio é rigidamente controlada
pelo Banco Central e, "last but not
least", a polícia do Estado está
presente para coibir qualquer excesso dos mercados.
Por isso o modelo operado pelo
governo Lula, para ter sucesso,
precisa desesperadamente do
crescimento econômico acelerado. Somente o deslanche da economia vai permitir a felicidade
das massas via aumento de salários e aumento do consumo.
Por outro lado, para chegar ao
crescimento sustentado, é preciso
interromper o processo de aumento da carga fiscal. Ele está inviabilizando os investimentos privados e reduzindo a capacidade
de consumo da quase extinta
classe média. Mas o governo precisa de novos recursos para manter o gasto público em um patamar mínimo e, com isso, pagar
seus compromissos com sua base
política no Congresso. Alguns
analistas calculam em mais de R$
20 bilhões os recursos necessários,
em 2004, para que o governo
cumpra suas promessas de investimento nas áreas ditas sociais e
da infra-estrutura econômica.
Esse será o grande desafio do
próximo ano. Equilibrar os compromissos com o FMI e as demandas políticas em um ano de crescimento ainda medíocre. A conferir.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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