São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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ENTREVISTA

Presidente do Bradesco e da Febraban afirma que só equipe econômica vai bem e apóia acordo governo-empresário-trabalhador

"Governo tem de governar", diz Cypriano

SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE DINHEIRO

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O resultado das eleições deve ser encarado como um sinal amarelo para o governo. As derrotas do PT nos municípios de Porto Alegre e São Paulo deveriam ser sentidas como um alerta. A opinião é de Márcio Cypriano, 60, presidente do Bradesco e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
Para Cypriano, agora, que já passaram as eleições, o governo deveria começar uma nova fase, o segundo tempo do jogo, com o lançamento de um novo projeto de reformas para garantir estabilidade e crescimento. Caso contrário, o país, a seu ver, continuará só a discutir as decisões do Copom (Comitê de Política Monetária). "O governo tem de governar."
Segundo ele, o governo ainda está muito lento ao tomar algumas decisões. Ele poupou a equipe econômica, mas nas outras áreas ele enxerga algumas deficiências. Entre outros exemplos, citou o fato de o governo estar adiando, desde o ano passado, o reajuste dos planos de saúde.
Cypriano defendeu também, em entrevista à Folha na sede do Bradesco, em Osasco, um amplo acordo nacional envolvendo todos os setores da sociedade para poder criar condições de baixar os juros. Para ele, o acordo deveria começar com o governo baixando os 45% de compulsório sobre os depósitos à vista. Isso, segundo ele, abriria o caminho para os bancos poderem reduzir os juros. A seguir, a entrevista:
 

Folha - Como o sr. viu o resultado das eleições? O sr. acha que foi uma derrota do governo?
Márcio Cypriano -
Eu acho que essa eleição teve uma característica um pouco diferente. Eu não diria que essa tenha sido uma eleição anti-Lula, antigoverno federal, nem antipolítica do governo, mas eu acho que foi um alerta. Acho que serve para o governo como alerta. Perder no Rio Grande do Sul, por exemplo, depois de 16 anos do PT na prefeitura, perder São Paulo, com uma gestão que recebeu 48% de aprovação, acho que serve como alerta.

Folha - Um alerta para quê?
Cypriano -
Para mostrar que o poder tem um pouco de limites. Acho esse negócio de que "tudo pode" um pouco preocupante.

Folha - A sociedade optou por um equilíbrio de poder?
Cypriano -
Eu acho que sim. Houve, realmente, um equilíbrio importante em capitais importantes. Isso acende uma luz amarela para o governo.

Folha - O que o governo tem de fazer?
Cypriano -
Eu acho que fazer o país se mexer um pouco mais. Quer dizer, tomar decisões e medidas que você possa conduzir para uma redução do nível de desemprego. Que você possa ter uma economia crescendo. Que você possa fazer as pessoas terem poder aquisitivo para poder consumir, tirar essa demanda reprimida que existe. Enfim, eu acho que tem de governar.

Folha - O que significa ter de governar?
Cypriano -
Essas eleições foram as primeiras do governo Lula. Agora o governo deve começar uma nova fase, o segundo tempo do jogo, com o lançamento de um novo projeto de reformas para garantir estabilidade e crescimento. Caso contrário, continuaremos discutindo as decisões de 0,25 ponto ou de meio ponto de aumento de juro do Copom sem aprofundarmos o debate para as causas que impedem o crescimento sustentado. A economia precisa crescer sem ameaças de inflação. O foco é fazer aumentar os investimentos produtivos das empresas, que é o que faz a economia crescer de forma sustentada. O investimento em infra-estrutura é fundamental e não vem sendo discutido como prioridade. Faltam prazos, valores, onde investir, como investir, de onde virá o dinheiro, além de regras claras das agências reguladoras. Na iniciativa privada também faltam projetos, planos de negócios etc. Os bancos, fundos de pensão e o capital estrangeiro estão com recursos e prontos para apoiar o processo. O mais importante é que as eleições aqui e nos Estados Unidos já terminaram. É hora de o Congresso retomar a pauta de votações, destravar a agenda, começando pela Lei de Falências, um tema fundamental para a redução dos juros. Essa paralisação de quatro, cinco meses das eleições foi muito ruim para o país.

Folha - O sr. acha que o governo está devagar?
Cypriano -
A área econômica atua bem. No restante, a gente vê mais deficiências. E é isso o que está acontecendo. A gente sente que, de um modo geral, o governo está um pouco lento nas decisões mais importantes.

Folha - O problema seria a gestão?
Cypriano -
De gestão, de definição de uma série de coisas. A gente sente um pouco de receio, às vezes, na tomada de decisões.

Folha - O sr. pode citar alguns exemplos?
Cypriano -
Tudo o que o governo está fazendo hoje está olhando para a parte política. Quer dizer, como é que você pode afetar a população. Nós estivemos aí durante quatro ou cinco meses brigando pelos reajustes dos planos de saúde e não conseguimos. É uma medida que é totalmente absurda. Deveria ter tido reajuste. O governo já vem adiando desde o ano passado esse reajuste para poder melhorar essa deficiência de 86% nos planos. Essa é uma delas. E, enfim, o INSS, por exemplo. Para assinar um convênio para fazer um financiamento dos aposentados, demorou um tempo enorme também. As coisas caminham com muita lentidão.

Folha - O sr. tem falado com o presidente Lula?
Cypriano -
Não, a última vez em que falei com ele foi na reunião do Conselho de Desenvolvimento há uns dois meses mais ou menos.

Folha - E a questão do acordo nacional? O sr. chegou a manifestar uma simpatia pela idéia.
Cypriano -
Hoje, a culpa dos juros altos é dos bancos.

Folha - E não é?
Cypriano -
O sistema financeiro, hoje, tem R$ 400 bilhões em empréstimos. O sistema financeiro hoje dá, grosso modo, R$ 20 bilhões de lucro por ano. Se você dividir R$ 20 bilhões de lucro pelos R$ 400 bilhões de crédito que os bancos têm, você tem uma taxa de juros de 5% ao ano. É alta? Se você for ao banco e pedir um empréstimo de R$ 100, e o banco decide não cobrar nada de lucro, vocês sabem quanto vai custar essa operação? Serão 29,4%, sem juro nenhum. Isso porque você tem 45% de compulsório, tem PIS/Cofins, Imposto de Renda, IOF e CPMF. O leigo entende que o "spread" é a diferença entre o custo de captação e o dinheiro que ele pega e pensar que isso é o lucro do banco. Na verdade, não é lucro.

Folha - Mas os lucros dos grandes bancos têm sido bastante altos.
Cypriano -
Você acha? Qual foi o resultado da Gerdau? Foi de R$ 2,8 bilhões nos primeiros nove meses. O da Natura, quanto? Qual foi o lucro da Acesita? Qual foi o resultado de Tubarão ? A Vale do Rio Doce, quanto vai dar? A Petrobras, então. A Petrobras sozinha vai dar o lucro de todo sistema financeiro.

Folha - O sr. acha que há um problema de imagem dos bancos?
Cypriano -
Claro, total.

Folha - A Febraban pensa em fazer alguma coisa?
Cypriano -
Pensa, mas é muito difícil. O banco tem uma imagem de vilão.

Folha - Voltando à idéia do acordo nacional. Qual a sua proposta?
Cypriano -
O governo teria de começar a abrir mão do compulsório: 45% de compulsório sobre os depósitos é altamente punitivo. Os bancos poderiam pegar esses recursos do compulsório e aplicá-los um pouco mais barato para o tomador, desde que ele tenha projetos que possam gerar empregos. Os sindicatos eventualmente deixariam de ter uma fiscalização muito severa em termos de hora extra, em termos de jornada de trabalho.

Folha - E o setor produtivo?
Cypriano -
O setor produtivo vai ter de gerar emprego. Vai ter de fazer investimento com os recursos que vai pegar mais barato e gerar emprego.

Folha - Não seria inflacionário diminuir o compulsório, já que irrigaria a economia com mais dinheiro?
Cypriano -
Na minha avaliação, a queda do compulsório não afetaria o combate à inflação. A própria Selic, o tamanho do ajuste fiscal e também o compulsório, que continuará existindo apenas a uma alíquota menor, serão suficientes do ponto de vista da eficiência da política monetária. Nossa proposta, aliás, incentiva o investimento, o que gerará mais capacidade de produção e ampliará a oferta de produtos, equilibrando demanda e oferta.

Folha - Mas seria possível, num país tão grande como o Brasil, conseguir que todos os atores da economia se sentem à mesma mesa?
Cypriano -
As federações e confederações poderiam fazer isso.

Folha - O sr. já apresentou essa idéia a alguém?
Cypriano -
Não, é bom deixar claro que a proposta é minha. Não foi apresentada a ninguém nem tem a pretensão de ser uma verdade absoluta. Ela deve ser encarada como uma forma de contribuição para que o debate no Brasil tenha foco no crescimento econômico, criação de empregos e geração de renda. É importante esclarecer que a proposta não prevê controle de preços ou outro tipo de administração de preços por parte dos empresários.

Folha - Qual seria o papel dos bancos no acordo?
Cypriano -
O banco baixaria os juros para empréstimos a empresas que gerem empregos. E aí você, então, vai dar dinheiro para essa empresa, a uma taxa um pouco mais baixa para que ela possa contratar trabalhadores.

Folha - E de quanto seria essa queda dos juros?
Cypriano -
Depende da proporção que o governo vai baixar o compulsório: 5%, 10% ou 15%. Hoje, os bancos depositam 45% de compulsório e não recebem nenhum centavo por isso. Se o governo baixa 10% do compulsório, nós estamos falando de coisa mais ou menos de R$ 1 bilhão a mais de recursos na economia. Já seria um bom volume de dinheiro para a pequena e média empresa.

Folha - O sr. acha que existe esse temor todo que o Copom está vendo em relação à inflação?
Cypriano -
Desde agosto, o país está crescendo a uma taxa de 1% ao mês. Onde vai parar isso? Por que a China aumentou o juro? Porque há receio da inflação, que já está começando a crescer. O excesso de crescimento é inflacionário. Você tem de medir as duas coisas. Tem de crescer para resolver o problema social da desigualdade e tem de segurar a inflação com as ferramentas que tem e, infelizmente, o juro é uma das poucas ferramentas que o governo tem para poder segurá-la. Acho que não tinha condição. Acho que ele foi, realmente, cauteloso já pensando no ano que vem, porque para este ano a inflação está contida, está dentro das metas. O Copom está sendo cauteloso com os juros.

Folha - Qual a aposta do sr. para a próxima reunião do Copom?
Cypriano -
Não me estranha se agora em novembro, no próximo Copom, ele aumentar mais 0,25 ponto ou até 0,5 ponto percentual os juros.

Folha - Um dos outros pontos é a questão da concentração bancária, que no Brasil é considerada muito alta.
Cypriano -
Eu também acho. O setor é muito concentrado no BB e na CEF: 50% do sistema está nas mãos do setor público. No restante, 30% do setor está nas mãos dos bancos privados nacionais, e 20%, na dos estrangeiros.


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