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ENTREVISTA
Presidente do Bradesco e da Febraban afirma que só equipe econômica vai bem e apóia acordo governo-empresário-trabalhador
"Governo tem de governar", diz Cypriano
SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE DINHEIRO
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O resultado das eleições deve ser
encarado como um sinal amarelo
para o governo. As derrotas do PT
nos municípios de Porto Alegre e
São Paulo deveriam ser sentidas
como um alerta. A opinião é de
Márcio Cypriano, 60, presidente
do Bradesco e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
Para Cypriano, agora, que já
passaram as eleições, o governo
deveria começar uma nova fase, o
segundo tempo do jogo, com o
lançamento de um novo projeto
de reformas para garantir estabilidade e crescimento. Caso contrário, o país, a seu ver, continuará só
a discutir as decisões do Copom
(Comitê de Política Monetária).
"O governo tem de governar."
Segundo ele, o governo ainda
está muito lento ao tomar algumas decisões. Ele poupou a equipe econômica, mas nas outras
áreas ele enxerga algumas deficiências. Entre outros exemplos,
citou o fato de o governo estar
adiando, desde o ano passado, o
reajuste dos planos de saúde.
Cypriano defendeu também,
em entrevista à Folha na sede do
Bradesco, em Osasco, um amplo
acordo nacional envolvendo todos os setores da sociedade para
poder criar condições de baixar os
juros. Para ele, o acordo deveria
começar com o governo baixando
os 45% de compulsório sobre os
depósitos à vista. Isso, segundo
ele, abriria o caminho para os
bancos poderem reduzir os juros.
A seguir, a entrevista:
Folha - Como o sr. viu o resultado
das eleições? O sr. acha que foi uma
derrota do governo?
Márcio Cypriano - Eu acho que
essa eleição teve uma característica um pouco diferente. Eu não diria que essa tenha sido uma eleição anti-Lula, antigoverno federal, nem antipolítica do governo,
mas eu acho que foi um alerta.
Acho que serve para o governo
como alerta. Perder no Rio Grande do Sul, por exemplo, depois de
16 anos do PT na prefeitura, perder São Paulo, com uma gestão
que recebeu 48% de aprovação,
acho que serve como alerta.
Folha - Um alerta para quê?
Cypriano - Para mostrar que o
poder tem um pouco de limites.
Acho esse negócio de que "tudo
pode" um pouco preocupante.
Folha - A sociedade optou por um
equilíbrio de poder?
Cypriano - Eu acho que sim.
Houve, realmente, um equilíbrio
importante em capitais importantes. Isso acende uma luz amarela para o governo.
Folha - O que o governo tem de
fazer?
Cypriano - Eu acho que fazer o
país se mexer um pouco mais.
Quer dizer, tomar decisões e medidas que você possa conduzir para uma redução do nível de desemprego. Que você possa ter
uma economia crescendo. Que
você possa fazer as pessoas terem
poder aquisitivo para poder consumir, tirar essa demanda reprimida que existe. Enfim, eu acho
que tem de governar.
Folha - O que significa ter de governar?
Cypriano - Essas eleições foram
as primeiras do governo Lula.
Agora o governo deve começar
uma nova fase, o segundo tempo
do jogo, com o lançamento de um
novo projeto de reformas para garantir estabilidade e crescimento.
Caso contrário, continuaremos
discutindo as decisões de 0,25
ponto ou de meio ponto de aumento de juro do Copom sem
aprofundarmos o debate para as
causas que impedem o crescimento sustentado. A economia
precisa crescer sem ameaças de
inflação. O foco é fazer aumentar
os investimentos produtivos das
empresas, que é o que faz a economia crescer de forma sustentada.
O investimento em infra-estrutura é fundamental e não vem sendo
discutido como prioridade. Faltam prazos, valores, onde investir,
como investir, de onde virá o dinheiro, além de regras claras das
agências reguladoras. Na iniciativa privada também faltam projetos, planos de negócios etc. Os
bancos, fundos de pensão e o capital estrangeiro estão com recursos e prontos para apoiar o processo. O mais importante é que as
eleições aqui e nos Estados Unidos já terminaram. É hora de o
Congresso retomar a pauta de votações, destravar a agenda, começando pela Lei de Falências, um
tema fundamental para a redução
dos juros. Essa paralisação de
quatro, cinco meses das eleições
foi muito ruim para o país.
Folha - O sr. acha que o governo
está devagar?
Cypriano - A área econômica
atua bem. No restante, a gente vê
mais deficiências. E é isso o que
está acontecendo. A gente sente
que, de um modo geral, o governo
está um pouco lento nas decisões
mais importantes.
Folha - O problema seria a gestão?
Cypriano - De gestão, de definição de uma série de coisas. A gente sente um pouco de receio, às
vezes, na tomada de decisões.
Folha - O sr. pode citar alguns
exemplos?
Cypriano - Tudo o que o governo
está fazendo hoje está olhando
para a parte política. Quer dizer,
como é que você pode afetar a população. Nós estivemos aí durante quatro ou cinco meses brigando pelos reajustes dos planos de
saúde e não conseguimos. É uma
medida que é totalmente absurda.
Deveria ter tido reajuste. O governo já vem adiando desde o ano
passado esse reajuste para poder
melhorar essa deficiência de 86%
nos planos. Essa é uma delas. E,
enfim, o INSS, por exemplo. Para
assinar um convênio para fazer
um financiamento dos aposentados, demorou um tempo enorme
também. As coisas caminham
com muita lentidão.
Folha - O sr. tem falado com o presidente Lula?
Cypriano - Não, a última vez em
que falei com ele foi na reunião do
Conselho de Desenvolvimento há
uns dois meses mais ou menos.
Folha - E a questão do acordo nacional? O sr. chegou a manifestar
uma simpatia pela idéia.
Cypriano - Hoje, a culpa dos juros altos é dos bancos.
Folha - E não é?
Cypriano - O sistema financeiro,
hoje, tem R$ 400 bilhões em empréstimos. O sistema financeiro
hoje dá, grosso modo, R$ 20 bilhões de lucro por ano. Se você dividir R$ 20 bilhões de lucro pelos
R$ 400 bilhões de crédito que os
bancos têm, você tem uma taxa de
juros de 5% ao ano. É alta? Se você
for ao banco e pedir um empréstimo de R$ 100, e o banco decide
não cobrar nada de lucro, vocês
sabem quanto vai custar essa operação? Serão 29,4%, sem juro nenhum. Isso porque você tem 45%
de compulsório, tem PIS/Cofins,
Imposto de Renda, IOF e CPMF.
O leigo entende que o "spread" é a
diferença entre o custo de captação e o dinheiro que ele pega e
pensar que isso é o lucro do banco. Na verdade, não é lucro.
Folha - Mas os lucros dos grandes
bancos têm sido bastante altos.
Cypriano - Você acha? Qual foi o
resultado da Gerdau? Foi de R$
2,8 bilhões nos primeiros nove
meses. O da Natura, quanto? Qual
foi o lucro da Acesita? Qual foi o
resultado de Tubarão ? A Vale do
Rio Doce, quanto vai dar? A Petrobras, então. A Petrobras sozinha vai dar o lucro de todo sistema financeiro.
Folha - O sr. acha que há um problema de imagem dos bancos?
Cypriano - Claro, total.
Folha - A Febraban pensa em fazer alguma coisa?
Cypriano - Pensa, mas é muito
difícil. O banco tem uma imagem
de vilão.
Folha - Voltando à idéia do acordo nacional. Qual a sua proposta?
Cypriano - O governo teria de começar a abrir mão do compulsório: 45% de compulsório sobre os
depósitos é altamente punitivo.
Os bancos poderiam pegar esses
recursos do compulsório e aplicá-los um pouco mais barato para o
tomador, desde que ele tenha projetos que possam gerar empregos.
Os sindicatos eventualmente deixariam de ter uma fiscalização
muito severa em termos de hora
extra, em termos de jornada de
trabalho.
Folha - E o setor produtivo?
Cypriano - O setor produtivo vai
ter de gerar emprego. Vai ter de
fazer investimento com os recursos que vai pegar mais barato e
gerar emprego.
Folha - Não seria inflacionário diminuir o compulsório, já que irrigaria a economia com mais dinheiro?
Cypriano - Na minha avaliação, a
queda do compulsório não afetaria o combate à inflação. A própria Selic, o tamanho do ajuste fiscal e também o compulsório, que
continuará existindo apenas a
uma alíquota menor, serão suficientes do ponto de vista da eficiência da política monetária.
Nossa proposta, aliás, incentiva o
investimento, o que gerará mais
capacidade de produção e ampliará a oferta de produtos, equilibrando demanda e oferta.
Folha - Mas seria possível, num
país tão grande como o Brasil, conseguir que todos os atores da economia se sentem à mesma mesa?
Cypriano - As federações e confederações poderiam fazer isso.
Folha - O sr. já apresentou essa
idéia a alguém?
Cypriano - Não, é bom deixar
claro que a proposta é minha. Não
foi apresentada a ninguém nem
tem a pretensão de ser uma verdade absoluta. Ela deve ser encarada
como uma forma de contribuição
para que o debate no Brasil tenha
foco no crescimento econômico,
criação de empregos e geração de
renda. É importante esclarecer
que a proposta não prevê controle
de preços ou outro tipo de administração de preços por parte dos
empresários.
Folha - Qual seria o papel dos
bancos no acordo?
Cypriano - O banco baixaria os
juros para empréstimos a empresas que gerem empregos. E aí você, então, vai dar dinheiro para essa empresa, a uma taxa um pouco
mais baixa para que ela possa
contratar trabalhadores.
Folha - E de quanto seria essa
queda dos juros?
Cypriano - Depende da proporção que o governo vai baixar o
compulsório: 5%, 10% ou 15%.
Hoje, os bancos depositam 45%
de compulsório e não recebem
nenhum centavo por isso. Se o governo baixa 10% do compulsório,
nós estamos falando de coisa mais
ou menos de R$ 1 bilhão a mais de
recursos na economia. Já seria um
bom volume de dinheiro para a
pequena e média empresa.
Folha - O sr. acha que existe esse
temor todo que o Copom está vendo em relação à inflação?
Cypriano - Desde agosto, o país
está crescendo a uma taxa de 1%
ao mês. Onde vai parar isso? Por
que a China aumentou o juro?
Porque há receio da inflação, que
já está começando a crescer. O excesso de crescimento é inflacionário. Você tem de medir as duas
coisas. Tem de crescer para resolver o problema social da desigualdade e tem de segurar a inflação
com as ferramentas que tem e, infelizmente, o juro é uma das poucas ferramentas que o governo
tem para poder segurá-la. Acho
que não tinha condição. Acho que
ele foi, realmente, cauteloso já
pensando no ano que vem, porque para este ano a inflação está
contida, está dentro das metas. O
Copom está sendo cauteloso com
os juros.
Folha - Qual a aposta do sr. para a
próxima reunião do Copom?
Cypriano - Não me estranha se
agora em novembro, no próximo
Copom, ele aumentar mais 0,25
ponto ou até 0,5 ponto percentual
os juros.
Folha - Um dos outros pontos é a
questão da concentração bancária,
que no Brasil é considerada muito
alta.
Cypriano - Eu também acho. O
setor é muito concentrado no BB
e na CEF: 50% do sistema está nas
mãos do setor público. No restante, 30% do setor está nas mãos dos
bancos privados nacionais, e 20%,
na dos estrangeiros.
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