São Paulo, sábado, 08 de abril de 2006

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ENTRETENIMENTO

Estúdios filmam em idiomas de vários países ou procuram parcerias para escapar da estagnação nos EUA

Hollywood investe em produções locais

LAURA M. HOLSON
DO "NEW YORK TIMES"

Se produzir um filme em Hollywood é complicado, considerem as negociações para "Kung-Fusão", a comédia de ação chinesa dirigida pelo ator Stephen Chow.
Gareth Wigan, executivo de filmes internacionais na Sony Picture Entertainment, foi apresentado a Chow em 2002, quando eles começaram a discutir o financiamento de "Kung-Fusão".
Desde 1998, a Sony Pictures, controlada pela Sony, vinha produzindo filmes para audiências locais no exterior -um mercado ainda pequeno, mas visto por muitos executivos como dotado de grande potencial para o futuro.
Wigan estava entusiasmado com o filme até que Chow, conhecido por improvisar cenas e diálogos, entregou a ele uma folha de papel com uma sinopse de duas frases e explicou que estava pronto para começar as filmagens. "Eu disse que ele teria de escrever um roteiro de verdade", disse Wigan.
O diretor concordou. Foram necessárias quatro versões, mas mesmo assim Wigan teve que aceitar um arranjo incomum. Embora Chow tivesse em seu poder uma cópia do roteiro, nenhum dos atores era obrigado a memorizá-lo.
"O que queríamos era ter uma estrutura clara e firme para o filme", disse Wigan. Quando ela foi desenvolvida, acrescentou, "demos a Stephen liberdade para manipular o roteiro como quisesse".
E a aposta deu certo. "Kung-Fusão" foi grande sucesso na Ásia em 2004, arrecadando US$ 67 milhões na região e mais US$ 34 milhões em outros países, entre os quais os Estados Unidos.
Com a nova queda nas vendas de ingressos de cinema registrada em 2005 no mercado norte-americano e o debate cada vez mais intenso sobre a forma e data de lançamento de novos filmes, mais estúdios de Hollywood começam a prestar atenção ao florescente mercado para filmes em idiomas locais, como um segmento relativamente próspero em meio a um mercado fraco.

Sucesso brasileiro
No ano passado, a Walt Disney formou uma parceria para lançar seu primeiro filme falado em chinês, que sai este ano. Em janeiro, a Twentieth Century Fox, divisão da News Corp., conquistou um sucesso no Brasil com uma comédia em português sobre troca de identidades entre um homem e uma mulher, "Se Eu Fosse Você".
A Sony, junto com a Warner Brothers, é líder no mercado de produções em idiomas locais, e está realizando filmes na Índia, Rússia e México em 2006.
Um dos motivos para que os estúdios procurem oportunidades no exterior é que as audiências crescem mais em outros países do que nos Estados Unidos.
Em 2005, as bilheterias mundiais de cinema arrecadaram US$ 23,24 bilhões, queda de 7,9% ante 2004, mas ainda assim 46% a mais do que o total de 2000, de acordo com a MPAA (Motion Picture Association of America), a organização setorial dos estúdios. Em contraste, as bilheterias norte-americanas, que representavam US$ 8,99 bilhões, ou 39%, do total mundial, registraram alta de apenas 17% com relação a 2000.
"O modelo para a cultura popular vem de Hollywood, mas os interesses estão se tornando mais locais", disse Tomas Jegeus, co-presidente da divisão de distribuição cinematográfica internacional da Twentieth Century Fox.

Inicialmente, os estúdios de Hollywood tentavam adquirir direitos de distribuição de filmes estrangeiros, a fim de ocupar suas vastas estruturas de distribuição, cuja manutenção é dispendiosa. Mas, a despeito do influxo de dinheiro e do crescente interesse, o mercado continua pequeno.
A maioria dos estúdios, na verdade, não financia projetos a não ser que eles tenham chance de recuperar custos nas bilheterias.
Considerem esse dado: no ano passado, 549 filmes foram lançados nos Estados Unidos, de acordo com a MPAA. Em contraste, o número de filmes em idioma local produzidos pelos grandes estúdios de Hollywood desde 2000 (sozinhos ou em parceria) atinge mal e mal um terço disso.
Os lucros também são mínimos. Faturar entre US$ 3 milhões e US$ 5 milhões com um filme cuja produção tenha custado US$ 1 milhão é "excelente", disse Richard Fox, vice-presidente executivo da divisão internacional da Warner Brothers, divisão da Time Warner. O estúdio dele produziu ou co-produziu 30 filmes em idiomas locais, entre os quais "A Very Long Engagement" (Um Noivado Muito Longo], rodado na França e lançado em 2004. "Comparar a maioria dos mercados ao dos Estados Unidos é uma distorção."

Salas de cinema
Mas o que pode representar o maior obstáculo para os estúdios é aquilo sobre o qual eles têm menos controle: as salas de exibição. Muitos países, entre os quais Rússia, Brasil e Coréia do Sul, têm número limitado de salas de exibição, o que dificulta um lançamento à maneira norte-americana.
"Se Eu Fosse Você", da Fox, por exemplo, teve lançamento amplo no Brasil. Estreou em 200 salas e, até agora, arrecadou US$ 11,5 milhões nas bilheterias. Em contraste, um grande filme norte-americano estréia em até 3.700 salas e pode arrecadar US$ 65 milhões em seu primeiro final de semana de exibição no país.

Ainda assim, o que a maioria dos executivos espera poder encontrar é aquela rara pérola que atravessa fronteiras e se torna sucesso também nos EUA ou, melhor ainda, em todo o mundo.
"O que faço ao conversar com cineastas é dizer que estou lá para aprender", afirma Wigan, que é vice-presidente do conselho da Columbia TriStar, subsidiária da Sony Pictures. "Estou lá em grande parte para fazer perguntas".
"O Tigre e o Dragão", dirigido pelo taiwanês Ang Lee em 2000, foi um desses raros sucessos para a Sony. Foi distribuído pela Sony Pictures Classics nos Estados Unidos e arrecadou US$ 128 milhões nas bilheterias norte-americanas. O filme arrecadou US$ 209 milhões no mundo.
A Sony produziu ou co-produziu 27 filmes em idiomas estrangeiros desde 1998, diz Wigan, dos quais 8 na China, 4 em Hong Kong e Taiwan, 14 no Reino Unido e Europa e 1 no México.
A empresa, como a Warner Brothers e a Fox, esteve ativa no Brasil em larga medida devido aos incentivos fiscais. Os incentivos referentes a impostos recolhidos sobre a distribuição de filmes no Brasil tornam vantajoso para os estúdios investir no país, ou teriam de se contentar em ter mais dinheiro retido.
Embora muitas empresas prevejam que a Índia será o próximo mercado quente, a maior parte dos estúdios tem a China na mira, no momento. Uma razão para o investimento nesse país é que o governo chinês restringe a importação de filmes estrangeiros a 20 por ano (a lista incluía "Harry Potter e o Cálice de Fogo" e "Crônicas de Nárnia" no ano passado).
Mas os analistas do setor dizem que, ao estimular a produção local de filmes na China, os estúdios podem procurar termos mais favoráveis ao negociar com as autoridades regulatórias chinesas, que controlam não apenas que filmes estrangeiros podem ser importados mas também os títulos que passam na televisão e chegam às lojas em DVD.


Tradução de Paulo Migliacci

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