São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

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Governo petista admite "bagunça" sindical

Após quatro anos no poder, sindicalistas são incapazes de brecar proliferação de sindicatos, o que sempre criticaram

No ano passado, foram liberados 307 registros para novos sindicatos, quase um por dia; número é 24% maior do que o de 2005


FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL

O governo Lula, comandado por sindicalistas, não foi capaz de modificar em quatro anos a "bagunça" que caracteriza o movimento sindical no Brasil.
Alvo de críticas da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PT no passado, o sindicalismo se mantém com regras que resultam na proliferação de entidades sem representação e de fachada, com interesses apenas no dinheiro dos trabalhadores.
Estima-se a existência de 25 mil sindicatos (patronais e de trabalhadores) no país, segundo informa o Ministério do Trabalho, a partir de arquivos da década de 30. Entre 2003 e 2006, o ministério concedeu 1.064 registros para novos sindicatos. Somente em 2006, foram 307 registros liberados, quase um por dia -número 24% maior do que o de 2005.
Com os registros, esses sindicatos ficaram autorizados a receber parte do imposto sindical (equivale a um dia de salário). Em 2006, a arrecadação desse imposto foi de R$ 1,073 bilhão.
A expansão dos sindicatos resultou numa espécie de "canibalismo" no meio sindical, segundo advogados, líderes sindicais e membros do governo.
Há 20 dias, o ministro Luiz Marinho (então no Trabalho) disse a uma platéia de sindicalistas do comércio: "Com essa estrutura sindical, continuarão ocorrendo aberrações, pois não é preciso comprovar representatividade. Basta ter lá o registro em cartório. O ministério nega, vem lá o juiz e manda conceder o registro. Então, virou uma bagunça danada. Só se muda isso com nova lei com base na representatividade."

Disputa
A disputa para representar uma categoria profissional em uma base territorial (município ou região) resulta em milhares de ações judiciais, em troca de acusações entre sindicalistas e em afirmações de que o setor responsável pela concessão de registros se transformou num "balcão de negócios".
Amadeu Roberto Garrido de Paula, advogado que assessora sindicatos, especialmente na constituição dessas entidades, sugere uma investigação do Ministério Público, uma espécie de CPI no departamento de registros sindicais do MTE.
"O regime que existe lá é antidemocrático. O poder deles é, na prática, maior do que o da Justiça na liberação de registros", afirma o advogado, que tem uma dúzia de pedidos para abertura de sindicatos.
Desde a Constituição de 88, o ministério está obrigado a conceder registro ao sindicato que foi criado numa assembléia, respeita a unicidade (uma categoria em uma região) e não sofreu pedido de impugnação por outra entidade. Só que, em muitos casos, há dúvidas sobre o cumprimento das exigências.
Resultado: sindicatos acabam nascendo exclusivamente para ocupar o espaço de outras entidades, sem considerar os interesses dos trabalhadores. Há sindicatos sérios, mas estão na casa das "centenas", reconhecem os sindicalistas.
Quatro meses após assumir o governo, o presidente Lula admitia: "Vamos parar de brincar. A reforma sindical é necessária porque temos apenas 20% dos sindicatos com representatividade. Os outros 80% atendem a interesses." O projeto de lei de reforma sindical -que não refletiu consenso entre trabalhadores, empresários e governo- emperrou no Congresso.
"Continuam as facilidades para os sindicatos que são de interesse do governo", afirma Luiz Carlos Prates, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (filiado à Conlutas), que, desde 2005 enfrenta outro sindicato na sua base: o Sindiaeroespacial, que representa os trabalhadores em empresas de aviação (a principal é a Embraer).

Registro
"Impugnamos esse sindicato, mesmo assim o Ministério do Trabalho concedeu o registro após dois meses do pedido."
Elias Jorge da Cruz, secretário-geral do Sindiaeroespacial (ligado à CUT), que surgiu em 2005, informa que os trabalhadores do setor não se sentiam representados pela categoria metalúrgica. "Vamos devolver aos sócios o imposto sindical que cabe ao sindicato", afirma Cruz. O Sindiaeroespacial já tem 1.500 sócios.
Há inúmeros exemplos de disputa por base de trabalhadores que se transformaram em trocas de acusações. Em Capivari (SP), o Sindicato dos Comerciários (filiado à CUT) informa que o Sindicato dos Comerciários de Piracicaba teria surgido com base em um documento falso -ambos disputam comerciários da região . A denúncia foi parar na Polícia Federal, que arquivou o caso.
O Sindicato de Piracicaba informa que, como o documento que seria falso é de 1963, cabe à PF a decisão sobre o caso. "Tinha 14 anos naquela época", diz Antonio Roberto Previde, presidente do sindicato de Piracicaba (filiado à Força).
Se a reforma sindical não sair, o país corre o risco de ter um sindicato de categoria por município -o que seria o limite para o setor, na avaliação de Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese. A fragmentação dos sindicatos prejudica o trabalhador, na sua opinião, porque ele perde força nas negociações com os patrões.


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