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ENTREVISTA - EDEMAR CID FERREIRA
Condenado, ex-banqueiro nega os crimes e ataca BC
Ex-dono do Banco Santos contesta proposta de acordo feita pelo administrador da massa falida da instituição, Vânio Aguiar, de até 75% de desconto a devedores
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
No dia 11 de novembro de 2004, o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira viu o seu mundo cair. Na noite daquele dia, o Banco Santos, de sua propriedade, sofreria
intervenção do Banco Central. Quase um ano depois,
no dia 21 de setembro de 2005, seria decretada a falência do banco.
Nesses quase dois anos e
meio, Edemar foi acusado de
lavagem de dinheiro, desvio de
recursos, evasão de divisas,
ocultação de obras de arte e
contabilidade paralela, entre
outras denúncias. Foi condenado em primeira instância a 21
anos de prisão e ficou detido
duas vezes em presídio.
Durante todo esse tempo,
optou pelo silêncio. Na semana
passada, o ex-dono do Banco
Santos decidiu conceder à Folha sua primeira grande entrevista desde a falência do banco
com o objetivo de contestar a
proposta de acordo feita aos devedores da instituição pelo administrador da massa falida,
Vânio Aguiar.
A proposta consiste em desconto de até 75% nos créditos
tomados no Banco Santos em
reciprocidade na compra de debêntures para aqueles que quitarem a dívida à vista. "Essa
proposta é uma maluquice e extremamente danosa aos credores do banco", diz Edemar.
Trabalhando numa ala improvisada de sua faraônica casa
no Morumbi, onde recebeu a
reportagem da Folha, Edemar
não perde a esperança de sair
ileso do processo. Ele acusa, na
entrevista, o Banco Central de
ter agido deliberadamente contra ele e nega ter praticado
qualquer desvio no banco para
a construção da casa ou para a
compra de obras de arte, hoje
espalhadas por diversos museus na cidade. "O Banco Central errou e espero que um dia
esse erro seja reparado", diz.
Apesar do que passou e das
denúncias contra ele, Edemar
não demonstra sinais de abalo,
tampouco perdeu o estilo formal e a mania de grandeza de
quando presidia o Banco Santos e era conhecido como "mecenas das artes" do país.
Seu escritório improvisado,
onde trabalham só ele e a secretária, ocupa o mesmo espaço de um apartamento de alto
luxo num bairro nobre de São
Paulo. Na sua sala, tem à disposição três mesas independentes, três computadores para cada um dos clientes que assessora, uma TV de plasma pregada
na parede e uma pequena bandeirinha do Santos, time do coração, escondida entre uma
montanha de papéis, além de
um banheiro de mármore.
Geminiano, 63, espera viver
pelo menos mais uns 30 anos
para, de novo, poder curtir a vida. Tem até uma explicação para o momento que está vivendo. "Estou pagando o preço da
demasia." Seus planos imediatos incluem uma ONG para a
re-socialização de presos, a
partir da sua experiência na
prisão, e um site para dar sua
versão dos fatos.
FOLHA - Por que o sr. decidiu falar?
EDEMAR CID FERREIRA - O momento agora é crucial. Está acontecendo uma barbaridade. Enquanto ele [o administrador da
massa falida, Vânio Aguiar] estava me punindo, me xingando,
dizendo que deixei um furo no
banco, eu estava deixando. Era
uma estratégia da defesa me
manifestar apenas nos autos do
processo e deixar eles errarem,
principalmente o Banco Central. Mas o que está ocorrendo
agora não depende da Justiça, e
sim dos credores do Banco Santos. Os credores correm o risco
de receber só 25% do que têm a
receber se não contestarem a
proposta de acordo apresentada pelo administrador da massa falida do banco e aprovada
pelo representante dos credores, Jorge Queiroz. Esse acordo
é danoso para os credores.
FOLHA - Mas a proposta foi aprovada pelo representante dos credores
e autorizada pela Justiça.
EDEMAR - O juiz não tinha outra
alternativa se não a de autorizar, já que a proposta foi emanada pelo administrador da
massa falida do Banco Santos e
aprovada pelo representante
dos credores, Jorge Queiroz.
O juiz agiu corretamente. O
que não consigo entender é como o representante dos credores aceitou essa maluquice.
Creio que outros credores vão
se opor também. Essa proposta
não tem pé nem cabeça.
FOLHA - Por que o sr. considera esse acordo uma "maluquice'?
EDEMAR - Ele [Vânio Aguiar]
propõe esse desconto porque
acha difícil receber esse dinheiro das empresas que devem aos
bancos. Ocorre que essas empresas entraram na Justiça
com o objetivo de pedir uma
compensação para não pagarem a parte do empréstimo que
foi usada na compra de debêntures e estão perdendo.
A Justiça está mandando todos os devedores pagarem ao
Banco Santos o que devem e
depois cobrarem das empresas
que elas tomaram as debêntures. Na opinião dos juízes, esses
devedores têm experiência no
mercado, não são ingênuos e
não foram enganados quando
compraram as debêntures.
Eles compraram as debêntures porque tinham interesse,
achavam que poderiam ganhar
mais. Já há mais de 50 ações ganhas pelo banco contra esses
devedores, inclusive umas quatro ou cinco no Tribunal de
Justiça [segunda instância].
FOLHA - Mas eles têm pago essas
dívidas?
EDEMAR - Vão ter que pagar, senão vão à falência. O juiz pode
decretar a falência deles se desacatarem a decisão judicial. E
vão ter que pagar com juros e
correção monetária. O mesmo
está acontecendo na Santos Asset Management, cuja gestão e
administração foram segregadas do Banco Santos. Os mais
de 950 credores da Asset não
aceitaram que a gestão e a administração ficassem não mãos
do interventor [Vânio Aguiar] e
nomearam para essas funções a
Mellon Global Investments
Brasil e a BES Ativos Financeiros [Besaf]. Os quatro principais fundos da Asset reuniam
um patrimônio de R$ 831 milhões. O Banco Central tinha
reduzido essa cifra para R$ 19,5
milhões após o reconhecimento das perdas. Hoje já foram recuperados na Justiça R$ 210
milhões, sendo que R$ 102 milhões já foram distribuídos aos
cotistas. Estão sendo discutidos na Justiça mais R$ 543 milhões. Assim como o Banco
Central disse que a Asset só
conseguiria receber R$ 19,5 milhões dos R$ 831 milhões, o
mesmo erro está sendo cometido no Banco Santos ao propor
esse desconto de 75% aos devedores. Os credores do banco
vão receber apenas 25% do que
têm a receber, quando poderiam receber até 100%. O meu
objetivo é evitar que ocorra esse mal para os credores do banco. Pelo menos estou fazendo
esse alerta.
FOLHA - O banco terá condições de
restituir os credores, caso os pagamentos sejam feitos?
EDEMAR - Quando o Vânio
Aguiar apresentou a proposta
de desconto da dívida, em 21 de
novembro do ano passado, ao
Juiz da 2ª Vara de Falências de
São Paulo, ele acabou revelando os números do banco, coisa
que ele não tinha feito desde a
intervenção. O que se conclui,
ao analisar os números, é que o
Banco Santos tem um saldo a
receber de R$ 279 milhões se
todos os devedores pagarem o
que devem. E esses devedores
estão sendo intimados pela
Justiça a pagar o que devem.
FOLHA - Mas os devedores teriam
condições para fazer o pagamento?
EDEMAR - Nessa mesma proposta de renegociação dos ativos de crédito do Banco Santos,
o administrador da massa falida cita alguns desses devedores
que estão brigando na Justiça
para não pagarem suas dívidas.
Entre eles, a Caoa, que é o
maior revendedor Ford do Brasil e está fazendo um investimento numa fábrica de automóveis de R$ 200 milhões em
Goiânia, a AES Eletropaulo, o
grupo Veríssimo, a Remaza,
que é uma das maiores empresas de construção hospitalar do
país, a Metalnave, a Multigran,
a Hering, a Via Veneto, a francesa Sodexho, e assim por diante. O problema é que o administrador da massa falida não está
cobrando essas dívidas. Ele tem
que cobrar, ser mais diligente.
FOLHA - Mas o banco não tem um
rombo de R$ 2,6 bilhões?
EDEMAR - O banco não tem esse
furo anunciado pelo Vânio
Aguiar. O banco tem patrimônio líquido positivo, como os
números do próprio Vânio
mostram isso. A intervenção foi
um erro do Banco Central. Desde a sua criação até a intervenção, o Banco Santos foi o banco
que mais cresceu no país. Eu tenho um estudo que mostra isso
e vou publicá-lo no site que estou fazendo e deve entrar no ar
no final do mês. Até três meses
antes da intervenção, o banco
tinha apresentado uma excepcional performance.
FOLHA - Por que, então, realizar a
intervenção?
EDEMAR - No final de 2002, o
Banco Central baixou uma portaria dizendo que, a partir daquele momento, não iria financiar mais os bancos no carregamento dos títulos públicos. Os
bancos teriam que se financiar
no próprio mercado. O mercado, no entanto, cobra um
"spread" para esses financiamentos, e isso geraria prejuízo
ao sistema. Eu procurei então o
Banco Central para avisar que o
Banco Santos e todos os outros
bancos iriam quebrar se fosse
mantida essa norma. O Banco
Central revogou a decisão, mas
antes colocou o Banco Santos
em evidência. Ou seja, sob monitoramento do Banco Central.
FOLHA - O que o BC alegou?
EDEMAR - Não ficou claro para
mim. O que alegaram foi problema estrutural. Até hoje não
entendo direito o que aconteceu. Mas, mesmo nesse regime
de evidência, o banco continuava crescendo. De uma hora para outra, em 2004, a partir de
março, o Banco Central aumenta o número de fiscais dentro do banco. Chegou a ter 30
fiscais. Nesse momento, começam a se espalharem os boatos
sobre a saúde do banco e, junto
com isso, os saques. Em novembro, o nosso caixa era de
pouco mais de R$ 100 milhões.
Foi quando pedi ao Banco Central um empréstimo de R$ 700
milhões no redesconto e ofereci como garantia toda a minha
carteira de crédito, que correspondia a R$ 3,2 bilhões. Também assinei uma carta me comprometendo a vender o banco.
Numa quinta-feira, dia 10 de
novembro, o Banco Central nega o pedido de redesconto, e, no
dia seguinte, ocorre a intervenção. Naquele momento, o Banco Santos tinha uns R$ 30 milhões em caixa. O banco não estava quebrado. O BC errou.
FOLHA - O sr. tirou o dinheiro do
banco para a construção da sua casa
e para comprar obras de arte?
EDEMAR - Nunca retirei dinheiro do banco para comprar nada.
Na verdade, de 1994 a 2004, recebi de dividendos do banco a
quantia de US$ 120 milhões,
mas nunca usei esse dinheiro.
Devolvi ao banco. Poderia ter
usado esse dinheiro para a casa,
as obras de arte e até para comprar um avião, mas não usei.
FOLHA - De onde saiu o dinheiro da
casa e das obras de arte?
EDEMAR - Foi dinheiro da minha família, das empresas que
temos para isso. Está tudo registrado nos documentos do
banco. Se tinha dinheiro líquido, os US$ 120 milhões, por que
iria recorrer a malabarismos de
lavagem de dinheiro, por que
cometeria um crime se não precisava? Seria coisa de maluco.
FOLHA - O sr. pretende se desfazer
da casa?
EDEMAR - Só tenho esta casa para morar. Não tenho outra.
Nunca tive casa de veraneio.
Trabalho aqui. Sou eu e minha
secretária Alice, que me ajuda
desde sempre.
FOLHA - O sr. se acha perseguido
pelo Banco Central?
EDEMAR - O Banco Central é o
culpado. Se há um culpado, é o
Banco Central. Agora, por que
ele fez isso? Não sei. Tenho minhas desconfianças, mas, como
não tenho certeza, não posso
falar nada. O Banco Central errou e espero um dia que esse erro seja reparado.
FOLHA - O que o sr. faz hoje?
EDEMAR - Assessoro três empresas, inclusive uma financeira. As empresas me pagam em
dinheiro, já que não posso ter
conta bancária.
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