São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Suflê, torta de climão e abacaxis


BC colocou os juros no forno e deve servi-los quentes, mas política econômica fica mais confusa que caso do dossiê

1. SE A GENTE abre a porta do forno antes de o suflê estar pronto, ele esfria e murcha. Em setembro de 2007, o Banco Central colocou seu suflê de juros no forno, em banho-maria. Foi aumentando a temperatura até chegar ao termostato 8, com o último Relatório de Inflação. A tortinha monetária cresceu, subiram os juros na praça e os da dívida pública. O BC vinha fazendo política monetária "no grito". Se o BC não elevar os juros agora, se abrir o forno, a receita desanda e seu suflê murcha. Isto é, os sinais da autoridade monetária ficarão confusos, haverá ruído na "coordenação das expectativas", os juros podem baixar no mercado. Tende a haver certa confusão (com algumas perdas e danos adicionais nessas semanas de incerteza, em que investidores grandes têm perdido bom dinheiro com apostas em dólar e juros).
2. A seguir a receita, o BC não pode apenas elevar os juros em 0,25 ponto e parar por aí, ainda que a inflação fique pela meta. O BC não pode dizer "desculpe, foi engano". Na conta de pelo menos três ex-diretores do BC, ora no mercado, os juros sobem dois pontos neste ano, para 13,25%, o que já "está no preço" da praça.
3. Se tivermos um suflê inflado, a sobremesa será mais "torta de climão" na equipe econômica. "Torta de climão" é o clima de novo bem azedo e ruim entre BC e Fazenda. O pessoal da Fazenda ainda quer mudar o cardápio previsto pelo BC. Isto é, pode-se somar uma confusão a uma precipitação, o provável aumento de juros. O BC quer assustar o consumidor "na margem", um cadinho, e manter o real forte. A Fazenda não sabe muito bem o que quer, mas acha que pode influenciar no curto prazo a balança comercial. E quer fazê-lo na contramão do BC. Isso é política econômica trôpega, cada perna indo para um lado.
4. Há outros abacaxis verdes e maduros. Além da incerteza doméstica sobre a inflação, a incerteza externa não ficou menor apesar da calmaria suspeita. Ainda está quente e disparatado o debate sobre preço de commodities (produtos básicos que pesam muito nas exportações brasileiras). Seguem altos e inflacionistas ou vão cair e piorar rapidamente o déficit externo? Se a crise americana esfriar, muito especulador sai de commodities. O preço cai? Se a crise piorar muito, o consumo global cai a ponto de dar folga à escassez e o preço também cai? Faz três semanas, houve o sensacionalismo do "colapso das commodities". Agora, volta o alarmismo da grande inflação.
5. O resultado do primeiro trimestre da balança comercial é um abacaxi verde. Foi ruim, mas permite prever muito pouco sobre o resto do ano. Na produção, há gente que já vê ligeiro desaquecimento na indústria e alguma folga na capacidade produtiva a partir da metade do ano. Se os juros sobem, o real se fortalece, exportações caem etc, vamos ter desaquecimento inútil da economia? Há muitas possibilidades abertas.
Dada a falta de dados de peso, no curto prazo não há nada tão relevante, eficiente e certeiro a fazer sobre inflação, câmbio, balança, demanda etc. Isto é, nada a não ser o velho e prudente caixa para dias difíceis: economia de recursos públicos, melhorias fiscais. A confusão na tenda dos milagres na política econômica parece politiquice ainda mais contraproducente do que de costume.

vinit@uol.com.br


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