São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Auto-emprego é alternativa à crise do emprego?

JOÃO BATISTA PAMPLONA

Com a recente crise do emprego, muito se tem especulado em torno do auto-emprego como "solução para os males do mercado de trabalho". Nas bancas de jornais são comuns as publicações que explicam "como enriquecer com o seu próprio negócio". Por outro lado o auto-emprego também tem sido visto como "manifestação dos males do mercado de trabalho". Não são raros os autores que vêem no auto-emprego "uma nítida demonstração da precarização do trabalho". Afinal, o que representa o auto-emprego?
O auto-emprego é uma condição de trabalho na qual o trabalhador independente controla seu processo de trabalho, fornece a si próprio seu equipamento e participa diretamente da atividade produtiva. Seu objetivo primordial é prover seu próprio trabalho -e não valorizar seu capital. É uma forma de produzir que não está baseada no assalariamento. Nessa situação estão os pequenos empregadores e os por conta própria, além dos membros de cooperativas de produtores.
Até meados dos anos 70 existia uma tendência claramente observada em diversos países: declínio contínuo da proporção de auto-empregados urbanos no total da ocupação. No entanto, após esse período, essa tendência cessou ou se inverteu na maioria dos países avançados e também em países em desenvolvimento, como o Brasil. Assim, o auto-emprego urbano começou a ganhar importância crescente. Na região metropolitana de São Paulo, os auto-empregados, que representavam cerca de 18% da ocupação no biênio 1988-89, passaram a representar 24% em 2001. Foram 600 mil pessoas a mais, elevando o contingente estimado de auto-empregados em 2001 para algo como 1,8 milhão de pessoas (PED/Seade).
O crescimento recente do auto-emprego decorre de diversas causas que podem ser classificadas em dois grupos. As causas que "empurram" (obrigam) as pessoas para o auto-emprego, como a queda da qualidade do emprego assalariado, o aumento do desemprego e a flexibilização das relações trabalhistas, e as causas que "puxam" (atraem) as pessoas para o auto-emprego, como as novas tecnologias associadas à informática, a expansão da demanda por produtos diferenciados e o crescimento de valores individualistas do tipo "quem trabalha para os outros não melhora de vida".
O crescimento do auto-emprego faz surgir a seguinte pergunta: seria o auto-emprego uma alternativa promissora de trabalho ou simplesmente uma alternativa precária, uma manifestação contemporânea da precarização do trabalho? Diante das situações muito heterogêneas observadas entre os auto-empregados, a resposta não é simples. A esperança de obter rendimentos maiores e a independência estimula as pessoas a entrarem no auto-emprego. No entanto nem todos obtêm êxito. Alguns têm no auto-emprego tão-somente uma forma de obter renda para a sobrevivência e a manutenção da auto-estima. Outros, ao contrário, podem conseguir ascensão social e econômica. A estratégia para desenvolver pequenos negócios não é viável para qualquer pessoa. A experiência no auto-emprego tende a ser bem-sucedida para aqueles que podem desviar menos excedente gerado pelo negócio para consumo familiar; que possuem mais qualificações técnicas e profissionais; que têm mais capital inicial; que dispõem de "nicho de mercado"; e cujos relacionamentos sociais estão inseridos em setores de renda mais alta.
As possibilidades do auto-emprego promover desenvolvimento socioeconômico são limitadas. O crescimento do auto-emprego não parece ser o caminho alternativo para gerar trabalho, renda, estancar a miséria e construir uma "democracia econômica". Não é atributo das unidades de auto-empregados, numa economia capitalista, serem o principal mecanismo criador de emprego e de renda. Elas são subordinadas; ajustam-se à dinâmica capitalista; são um espaço limitado; exigem capital e/ou qualificações/ habilidades específicas não-disponíveis para a maioria da força de trabalho. Além disso, a renda do auto-empregado é especialmente sensível às taxas de crescimento econômico.
No entanto a enorme heterogeneidade que marca o auto-emprego não nos permite dizer que estar auto-empregado significa obrigatoriamente estar submetido às piores condições de trabalho. O auto-emprego não é necessariamente o lugar dos pobres urbanos. O auto-emprego pode tanto representar um mero "espaço de sobrevivência" como um meio de "ascensão social". É possível acreditar que a opção pelo auto-emprego possa ser uma fonte valiosa de emprego e de renda para um grupo específico de trabalhadores. Assim, os programas públicos de estímulo ao auto-emprego devem ser implantados de forma complementar às ações orientadas ao trabalho assalariado e devem focar segmentos sociais especiais.


João Batista Pamplona, engenheiro, é mestre em economia e doutor em ciências sociais pela PUC-SP. É professor do Departamento de Economia da universidade e autor de "Erguendo-se pelos Próprios Cabelos - Auto-emprego e Reestruturação Produtiva no Brasil" (Germinal/ Fapesp).


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