|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Auto-emprego é alternativa à crise do emprego?
JOÃO BATISTA PAMPLONA
Com a recente crise do emprego, muito se tem especulado em torno do auto-emprego
como "solução para os males do
mercado de trabalho". Nas bancas de jornais são comuns as publicações que explicam "como
enriquecer com o seu próprio negócio". Por outro lado o auto-emprego também tem sido visto como "manifestação dos males do
mercado de trabalho". Não são
raros os autores que vêem no auto-emprego "uma nítida demonstração da precarização do trabalho". Afinal, o que representa o
auto-emprego?
O auto-emprego é uma condição de trabalho na qual o trabalhador independente controla seu
processo de trabalho, fornece a si
próprio seu equipamento e participa diretamente da atividade
produtiva. Seu objetivo primordial é prover seu próprio trabalho
-e não valorizar seu capital. É
uma forma de produzir que não
está baseada no assalariamento.
Nessa situação estão os pequenos
empregadores e os por conta própria, além dos membros de cooperativas de produtores.
Até meados dos anos 70 existia
uma tendência claramente observada em diversos países: declínio
contínuo da proporção de auto-empregados urbanos no total da
ocupação. No entanto, após esse
período, essa tendência cessou ou
se inverteu na maioria dos países
avançados e também em países
em desenvolvimento, como o Brasil. Assim, o auto-emprego urbano começou a ganhar importância crescente. Na região metropolitana de São Paulo, os auto-empregados, que representavam cerca de 18% da ocupação no biênio
1988-89, passaram a representar
24% em 2001. Foram 600 mil pessoas a mais, elevando o contingente estimado de auto-empregados em 2001 para algo como 1,8
milhão de pessoas (PED/Seade).
O crescimento recente do auto-emprego decorre de diversas causas que podem ser classificadas
em dois grupos. As causas que
"empurram" (obrigam) as pessoas para o auto-emprego, como
a queda da qualidade do emprego assalariado, o aumento do desemprego e a flexibilização das relações trabalhistas, e as causas
que "puxam" (atraem) as pessoas
para o auto-emprego, como as
novas tecnologias associadas à informática, a expansão da demanda por produtos diferenciados e o
crescimento de valores individualistas do tipo "quem trabalha para os outros não melhora de vida".
O crescimento do auto-emprego
faz surgir a seguinte pergunta: seria o auto-emprego uma alternativa promissora de trabalho ou
simplesmente uma alternativa
precária, uma manifestação contemporânea da precarização do
trabalho? Diante das situações
muito heterogêneas observadas
entre os auto-empregados, a resposta não é simples. A esperança
de obter rendimentos maiores e a
independência estimula as pessoas a entrarem no auto-emprego. No entanto nem todos obtêm
êxito. Alguns têm no auto-emprego tão-somente uma forma de obter renda para a sobrevivência e a
manutenção da auto-estima. Outros, ao contrário, podem conseguir ascensão social e econômica.
A estratégia para desenvolver pequenos negócios não é viável para
qualquer pessoa. A experiência
no auto-emprego tende a ser
bem-sucedida para aqueles que
podem desviar menos excedente
gerado pelo negócio para consumo familiar; que possuem mais
qualificações técnicas e profissionais; que têm mais capital inicial;
que dispõem de "nicho de mercado"; e cujos relacionamentos sociais estão inseridos em setores de
renda mais alta.
As possibilidades do auto-emprego promover desenvolvimento
socioeconômico são limitadas. O
crescimento do auto-emprego
não parece ser o caminho alternativo para gerar trabalho, renda, estancar a miséria e construir
uma "democracia econômica".
Não é atributo das unidades de
auto-empregados, numa economia capitalista, serem o principal
mecanismo criador de emprego e
de renda. Elas são subordinadas;
ajustam-se à dinâmica capitalista; são um espaço limitado; exigem capital e/ou qualificações/
habilidades específicas não-disponíveis para a maioria da força
de trabalho. Além disso, a renda
do auto-empregado é especialmente sensível às taxas de crescimento econômico.
No entanto a enorme heterogeneidade que marca o auto-emprego não nos permite dizer que
estar auto-empregado significa
obrigatoriamente estar submetido às piores condições de trabalho. O auto-emprego não é necessariamente o lugar dos pobres urbanos. O auto-emprego pode tanto representar um mero "espaço
de sobrevivência" como um meio
de "ascensão social". É possível
acreditar que a opção pelo auto-emprego possa ser uma fonte valiosa de emprego e de renda para
um grupo específico de trabalhadores. Assim, os programas públicos de estímulo ao auto-emprego
devem ser implantados de forma
complementar às ações orientadas ao trabalho assalariado e devem focar segmentos sociais especiais.
João Batista Pamplona, engenheiro, é
mestre em economia e doutor em ciências sociais pela PUC-SP. É professor do
Departamento de Economia da universidade e autor de "Erguendo-se pelos Próprios Cabelos - Auto-emprego e Reestruturação Produtiva no Brasil" (Germinal/
Fapesp).
Texto Anterior: Risco está na economia, não em Lula, diz Delfim Próximo Texto: Fórum Nacional: "Crescimento sustentado está longe" Índice
|