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São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Exuberância e pânico




PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nos últimos anos, venho tentando promover uma campanha em prol de controles sobre os movimentos de capital. Sem grande sucesso, devo reconhecer.
A verdade é que a capacidade persuasiva da língua portuguesa sofreu um desgaste medonho. Brasileiro desconfia do que entende, dizia Nelson Rodrigues. Inversamente, a mesma coisa dita em inglês, ainda que compreendida imperfeitamente, logo é aceita como verdade profunda e definitiva. Paciência.
Assim, recomendo ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central do Brasil a leitura da revista "The Economist" desta semana (editorial, págs. 15 e 16, e "A Survey of Global Finance", encarte). Publicada em Londres, essa revista é um dos baluartes da ortodoxia econômica. Outra leitura proveitosa seria a entrevista do economista John Williamson à Folha, publicada no último domingo, à pág. B12. Williamson, como se sabe, foi o codificador do "Consenso de Washington".
Tanto a revista como o economista defendem a aplicação, em determinadas circunstâncias, de controles de capital por parte de países em desenvolvimento. Não são casos isolados. Nos últimos cinco anos, aumentaram muito as dúvidas sobre a sabedoria das políticas de liberalização dos movimentos de capital. Mesmo economistas de orientação liberal têm recomendado aos países em desenvolvimento que promovam a regulação dos fluxos de capital.
A experiência recente é cristalina, como ressalta a revista britânica: o mercado global de capital é "turbulento e perigoso". Um dos fatos marcantes dos últimos dez anos foi a brutalidade das crises experimentadas por diversos países que se deixaram envolver excessivamente pelos mercados financeiros internacionais (México, Tailândia, Indonésia, Coréia do Sul, Rússia, Argentina, Brasil, entre muitos outros).
O pano de fundo dessa sucessão de crises foi o extraordinário crescimento do volume e da velocidade dos fluxos financeiros nas três décadas finais do século 20. Diferentemente do que esperavam alguns desavisados (os formuladores do Plano Real, por exemplo), esse crescimento não permite sustentar déficits elevados no balanço de pagamentos em conta corrente por períodos longos. O que prevalece é a rápida sucessão de ondas de exuberância e pânico. Nesse ambiente traiçoeiro, os países passam de estrelas "emergentes" a zonas de altíssimo risco com uma rapidez estonteante.
As economias que se submeteram a essas ondas acabaram enfrentando situações de grave dificuldade. Em alguns casos extremos, a turbulência financeira chegou a ameaçar a sobrevivência da moeda nacional (Argentina) -quando não a destruiu totalmente (Equador).
Foram crescendo, por isso, as manifestações de apoio, mesmo no campo liberal, à regulação seletiva dos fluxos financeiros internacionais. É cada vez maior o número dos que simpatizam com a tese do grande economista keynesiano James Tobin de que é recomendável colocar "sands in the wheels of international finance" ("areia nas rodas das finanças internacionais").
Tobin chegou a imaginar que seria possível fazer a regulação em âmbito multilateral, por acordo internacional. Estamos longe disso, evidentemente. Os EUA, por exemplo, não admitem considerar essa possibilidade. Ao contrário, Washington vem tentando incorporar aos acordos de livre comércio, inclusive nas negociações da Alca, compromissos de ampla liberalização dos movimentos de capital.
Assim, é no plano nacional que se deve procurar colocar "sands in the wheels of international finance". O Brasil tem condições de caminhar aos poucos nessa direção. É perfeitamente possível fazê-lo sem alarde e sem drama. Trata-se de ir apertando os parafusos, colocando ordem na casa e estabelecendo regras mínimas de prudência. E o momento para começar a fazê-lo é quando existe relativa tranquilidade, como agora.
Infelizmente, comenta "The Economist", os governos relutam em tirar as lições da experiência financeira recente. Grandes entradas de capital são tentadoras. Trazem vantagens momentâneas, a que os governantes têm dificuldade de resistir.
"So listen up", Palocci!

Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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