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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A ampliação do Mercosul
A adesão da Bolívia ao bloco
é vista com bons olhos pelos governos da Argentina,
do Brasil e da Venezuela
"E PUR si muove." Aos trancos e barrancos, a integração da América do Sul
continua avançando. Bem sei que
não é essa a impressão dominante.
Grande parte da mídia brasileira cobre o assunto com má vontade e tende a exagerar as dificuldades e os
tropeços.
A julgar pelo noticiário, o projeto
sul-americano está em frangalhos, e
o Mercosul, na UTI. Os nossos conflitos de interesse com a Bolívia, por
exemplo, receberam mais destaque
do que um fato muito mais importante: a conclusão das negociações
para a adesão da Venezuela ao Mercosul, que aconteceu no final de
maio, em Buenos Aires.
Ficou estabelecido que, no prazo
máximo de quatro anos, a Venezuela adotará a TEC (Tarifa Externa
Comum) e as demais normas do
Mercosul. E passará a integrar, desde logo, a delegação do bloco em negociações com terceiros.
A liberalização do comércio entre
a Venezuela e os países do Mercosul
se fará de forma gradual, levando em
conta as assimetrias entre os participantes. Argentina e Brasil se comprometeram a alcançar o livre comércio com a Venezuela em janeiro
de 2010. Paraguai e Uruguai, em janeiro de 2013. A Venezuela, por sua
vez, chegará ao livre comércio com
os demais integrantes do bloco em
janeiro de 2012, exceto para os principais produtos de exportação do
Paraguai e do Uruguai, que terão livre acesso imediato ao mercado venezuelano. Os cinco países terão até
janeiro de 2014 para liberalizar o comércio de produtos considerados
"sensíveis".
O presidente da Venezuela, Hugo
Chávez, envolveu-se pessoalmente
na negociação, favorecendo a rápida
conclusão de um processo que poderia ter durado meses. A sua recente decisão de retirar a Venezuela da
Comunidade Andina de Nações viabilizou a adesão ao Mercosul.
O próximo passo é incorporar a
Bolívia ao bloco. Essa adesão é vista
com bons olhos pelos governos da
Argentina, do Brasil e da Venezuela.
Também conta, ao que parece, com
a simpatia do governo da Bolívia. O
Equador, cujas negociações comerciais bilaterais com os Estados Unidos foram suspensas, é outro país
com o qual o Mercosul poderá buscar uma aproximação.
Em paralelo, Brasil e Argentina terão de trabalhar para impedir a defecção do Paraguai e, sobretudo, do
Uruguai. O próprio governo brasileiro admite que os interesses dos países pequenos do Mercosul não têm
sido suficientemente contemplados. No Brasil, lobbies domésticos
conseguem se valer, por exemplo, de
normas sanitárias ou da legislação
"antidumping" como instrumentos
de proteção, dificultando o acesso
das exportações desses países ao
mercado nacional.
O fundamental é não perder de
vista que existem dois projetos concorrentes de integração na América
do Sul: o do Mercosul e o dos Estados Unidos. Com o impasse na negociação da Alca, Washington voltou-se para acordos bilaterais. A fórmula
é sempre a mesma e a sua aceitação
consagra a situação de dependência
em relação aos Estados Unidos. É o
modelo Nafta-Alca: poucas concessões em termos de acesso adicional
ao mercado dos Estados Unidos e
grande perda de autonomia em diversas áreas cruciais (política comercial, política industrial, tratamento do capital estrangeiro, compras governamentais, propriedade
intelectual, entre outras).
O primeiro acordo desse tipo na
América do Sul foi com o Chile. Mais
recentemente foram concluídos tratados com a Colômbia e o Peru, o
que resultou, na prática, na implosão da Comunidade Andina de Nações, sacramentada pela saída da
Venezuela.
Os resultados das recentes eleições colombianas e peruanas, principalmente a vitória de Alvaro Uribe
na Colômbia, favorecem a ratificação dos tratados de livre comércio
com os Estados Unidos. Alan García
é menos previsível. Por isso mesmo,
a quinta-coluna peruana está neste
momento tentando aprovar às pressas o acordo no Congresso, antes da
troca de governo.
De qualquer maneira, a maior parte da América do Sul está tomando
outro rumo. Com a entrada da Venezuela, o Mercosul passa a constituir um bloco de mais de 250 milhões de habitantes, com uma área
de 12,7 milhões de km2. O PIB do
bloco supera US$ 1 trilhão, correspondendo a cerca de 75% do PIB
sul-americano.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
@ - pnbjr@attglobal.net
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