São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A ampliação do Mercosul

A adesão da Bolívia ao bloco é vista com bons olhos pelos governos da Argentina, do Brasil e da Venezuela

"E PUR si muove." Aos trancos e barrancos, a integração da América do Sul continua avançando. Bem sei que não é essa a impressão dominante. Grande parte da mídia brasileira cobre o assunto com má vontade e tende a exagerar as dificuldades e os tropeços. A julgar pelo noticiário, o projeto sul-americano está em frangalhos, e o Mercosul, na UTI. Os nossos conflitos de interesse com a Bolívia, por exemplo, receberam mais destaque do que um fato muito mais importante: a conclusão das negociações para a adesão da Venezuela ao Mercosul, que aconteceu no final de maio, em Buenos Aires. Ficou estabelecido que, no prazo máximo de quatro anos, a Venezuela adotará a TEC (Tarifa Externa Comum) e as demais normas do Mercosul. E passará a integrar, desde logo, a delegação do bloco em negociações com terceiros. A liberalização do comércio entre a Venezuela e os países do Mercosul se fará de forma gradual, levando em conta as assimetrias entre os participantes. Argentina e Brasil se comprometeram a alcançar o livre comércio com a Venezuela em janeiro de 2010. Paraguai e Uruguai, em janeiro de 2013. A Venezuela, por sua vez, chegará ao livre comércio com os demais integrantes do bloco em janeiro de 2012, exceto para os principais produtos de exportação do Paraguai e do Uruguai, que terão livre acesso imediato ao mercado venezuelano. Os cinco países terão até janeiro de 2014 para liberalizar o comércio de produtos considerados "sensíveis". O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, envolveu-se pessoalmente na negociação, favorecendo a rápida conclusão de um processo que poderia ter durado meses. A sua recente decisão de retirar a Venezuela da Comunidade Andina de Nações viabilizou a adesão ao Mercosul. O próximo passo é incorporar a Bolívia ao bloco. Essa adesão é vista com bons olhos pelos governos da Argentina, do Brasil e da Venezuela. Também conta, ao que parece, com a simpatia do governo da Bolívia. O Equador, cujas negociações comerciais bilaterais com os Estados Unidos foram suspensas, é outro país com o qual o Mercosul poderá buscar uma aproximação. Em paralelo, Brasil e Argentina terão de trabalhar para impedir a defecção do Paraguai e, sobretudo, do Uruguai. O próprio governo brasileiro admite que os interesses dos países pequenos do Mercosul não têm sido suficientemente contemplados. No Brasil, lobbies domésticos conseguem se valer, por exemplo, de normas sanitárias ou da legislação "antidumping" como instrumentos de proteção, dificultando o acesso das exportações desses países ao mercado nacional. O fundamental é não perder de vista que existem dois projetos concorrentes de integração na América do Sul: o do Mercosul e o dos Estados Unidos. Com o impasse na negociação da Alca, Washington voltou-se para acordos bilaterais. A fórmula é sempre a mesma e a sua aceitação consagra a situação de dependência em relação aos Estados Unidos. É o modelo Nafta-Alca: poucas concessões em termos de acesso adicional ao mercado dos Estados Unidos e grande perda de autonomia em diversas áreas cruciais (política comercial, política industrial, tratamento do capital estrangeiro, compras governamentais, propriedade intelectual, entre outras). O primeiro acordo desse tipo na América do Sul foi com o Chile. Mais recentemente foram concluídos tratados com a Colômbia e o Peru, o que resultou, na prática, na implosão da Comunidade Andina de Nações, sacramentada pela saída da Venezuela. Os resultados das recentes eleições colombianas e peruanas, principalmente a vitória de Alvaro Uribe na Colômbia, favorecem a ratificação dos tratados de livre comércio com os Estados Unidos. Alan García é menos previsível. Por isso mesmo, a quinta-coluna peruana está neste momento tentando aprovar às pressas o acordo no Congresso, antes da troca de governo. De qualquer maneira, a maior parte da América do Sul está tomando outro rumo. Com a entrada da Venezuela, o Mercosul passa a constituir um bloco de mais de 250 milhões de habitantes, com uma área de 12,7 milhões de km2. O PIB do bloco supera US$ 1 trilhão, correspondendo a cerca de 75% do PIB sul-americano.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
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