|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O cavalo de Tróia do governo brasileiro
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O governo Lula completou
18 meses. A comemoração
em Brasília foi meio chocha, como seria de esperar. Há pontos
positivos a apresentar (a política
externa, por exemplo), mas o clima geral é de decepção. É verdade que a economia está se recuperando. Pode até ser que o crescimento do PIB em 2004 fique um
pouco acima do esperado. Mas o
desemprego continua muito alto,
e o salário real, deprimido.
Setores do governo alimentam
a esperança de lançar um projeto
nacional de desenvolvimento e
escapar da longa estagnação do
período Fernando Henrique Cardoso. É indispensável fazê-lo,
mas o tempo está ficando curto.
Na prática, o governo Lula tem
mais 18 meses pela frente, uma
vez que 2006 será ano de eleições
presidenciais.
O pior não é nem isso. O pior é
que... Hesito. Devo dar uma de
Cassandra, outra vez? Não sei se
vale a pena.
Em todo o caso, vamos lá: o pior
é que a política econômica é um
cavalo de Tróia para o governo
brasileiro. Em outras palavras: é
o presente de grego que os tucanos deixaram para os petistas ao
partir.
Na realidade, assim como os
gregos, os tucanos não se foram.
Continuam solidamente instalados em quase todos os postos-chave da Fazenda e do Banco
Central. Com as principais alavancas da área econômica na
mão, tratam de ir sufocando
qualquer projeto de desenvolvimento nacional.
Quem são essas pessoas? Em geral, profissionais originários do
sistema financeiro ou de instituições internacionais, freqüentemente formados ("adestrados"
talvez seja a palavra mais certa)
em universidades norte-americanas. A grande maioria deles tem
uma afinidade natural com a
agenda econômico-financeira do
período Collor-FHC. Querem
completá-la e, se possível, aprofundá-la. Na pior das hipóteses,
defenderão as posições até a
reinstalação completa do tucanato, programada para 2007.
A sua mais recente contribuição está expressa nas decisões do
Conselho Monetário Nacional da
semana passada. Recusaram a
proposta de flexibilizar um pouco
as metas de inflação. Mantiveram a meta de 2005 em 4,5%. Fixaram a de 2006 no mesmo percentual, mas reduziram a margem de tolerância para dois pontos percentuais (algo que ninguém estava pedindo, diga-se de
passagem). Mantiveram a taxa
de juro de longo prazo (TJLP) em
9,75%, abstendo-se de dar um estímulo aos investimentos.
Outra decisão, menos comentada, foi a de permitir a liquidação
antecipada de dívidas externas
(resolução 3.217 do Banco Central). Pelas normas até então vigentes, o pagamento no exterior
só poderia ser feito nas datas previstas nos contratos, conforme registro no Banco Central. Agora,
empréstimos, títulos, financiamentos de importações e outras
operações poderão ser pagos antes das datas de vencimento.
Com isso, perde-se controle sobre
o perfil da dívida externa brasileira.
O curioso foi a justificativa oferecida por um dos diretores do
Banco Central. O problema, segundo ele, é que as normas anteriores vinham sendo "burladas"
por empresas devedoras sediadas
no país, que se valiam de contas
CC5 (contas de não residentes)
para remeter moeda estrangeira
ao exterior e antecipar pagamentos. "Uma alternativa legítima",
disse ele, mas que distorcia as estatísticas oficiais, pois lamentavelmente o Banco Central não
era informado a respeito dessas
operações (Folha, 1º de julho de
2004, pág. B4).
Dá para entender? Empresas
residentes no Brasil valiam-se de
contas de não-residentes para
burlar as normas e antecipar pagamentos. "Legítimo", segundo o
diretor do Banco Central. Mas,
para não distorcer as estatísticas,
vamos simplesmente mudar as
normas e liberar o pagamento
antecipado...
Essa decisão faz parte de uma
revisão geral das normas cambiais, um projeto "longo, ambicioso e abrangente", afirmou o
presidente do Banco Central. Ao
que parece, um dos objetivos dessa revisão é remover entraves ao
fluxo de capitais.
É exatamente o contrário do
que se deveria fazer. Daqui a algum tempo, poderemos estar descobrindo que a economia brasileira tornou-se mais vulnerável
do ponto de vista externo e mais
suscetível a choques financeiros.
É o que tenho tentado explicar,
sem sucesso, anos a fio. Mas não
posso reclamar. Cassandras podem ter o dom da profecia, mas
nunca o da persuasão.
Na cerimônia que marcou os 18
meses do governo Lula, o presidente da República fez a seguinte
reflexão: "A arte de governar é a
arte de ter paciência".
Não há dúvida. O problema,
evidentemente, é que a paciência
dos governados está começando
a se esgotar.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Economista teme lado "estatizante e intervencionista" do governo Lula Próximo Texto: Risco: Agência reduz classificação do BNDES Índice
|