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LUÍS NASSIF
A era Vargas
e a perda de rumo
O ciclo em que se encontra o Brasil de hoje guarda
enorme semelhança com os
anos 20 do século passado. Desde o Império o país se dividiu
em dois setores: o com acesso ao
mercado internacional e aquele
ligado ao mercado interno. O
primeiro sempre ganhou com a
arbitragem de taxas: captava
dólares (ou libras) e aplicava
internamente, ou em taxas elevadas ou em ativos baratos. O
crédito sempre foi elemento essencial nesse jogo imobilizador.
A chave do crescimento consistia em mudanças que carreassem o capital especulativo para
o setor produtivo.
No Império, a resistência à
democratização do crédito e à
redução dos juros vinha dos escravagistas, que detinham o
monopólio do acesso ao mercado financeiro internacional.
O café criou uma nova classe,
com acesso à moeda externa.
Muda-se o modelo e, sem projeto de país, faz-se a República e
instaura-se a hiperinflação. Os
políticos e os rentistas se valem
de "financistas" -economistas
formados fora do país que tinham a "lição de casa", que
consistia meramente em equilibrar o Orçamento, não importando de que modo. Não se cortam favores de aliados, mas se
corta na saúde; evita-se mexer
nos interesses dos credores externos, porque não interessava
à nova classe, mas se corta na
educação; não se avança sobre
o empreguismo na área pública, mas se corta em infra-estrutura. E não se cuida de dirigir o
lucro dos cafeicultores para a
atividade produtiva.
Essa inércia explode nos anos
20, com o movimento tenentista, que precede e engendra o
nascimento da era Vargas
-que vai de 1930, quando Getúlio Vargas toma o poder, até
1980.
Ela foi montada sobre um tripé: a industrialização, a urbanização e a integração territorial. Cada vez que uma dessas
pernas estivesse ameaçada, o
Estado se faria presente. Cria-se
o código de águas, dando poder
de regulação ao Estado, e ocorre a substituição de importações. O dinheiro acumulado pelo café deixa de ser rentista para virar capital industrial. E o
país cresce como nunca cresceu.
Em 1980, o país dispunha de
uma indústria de base e de
equipamentos pujante e sedenta por projetos, mérito de Geisel. Mas tinha pela frente uma
crise externa de proporções gigantescas, culpa de Geisel. E
um Estado descomunal, obra
de Geisel. O grande salto consistiria na privatização organizada e em investimentos em infra-estrutura que consolidariam a indústria. Toda a energia do período foi imobilizada
pela crise da dívida, pela agonia do regime militar e pelo
despreparo de sucessivos governos.
O país se industrializou, mas
não virou sociedade industrial
-aquela na qual todas as pessoas participam do usufruto
dos bens da indústria. A cidade
tem que ser o "locus" do trabalho e do bem-estar. Se não é, é
porque o país não urbanizou. A
integração se limitou à aproximação com o sul do continente
e a África -muito mais pelas
vantagens logísticas.
Nos anos 80, moldou-se a nova classe, que, com o Real, passa a viver da arbitragem entre
dólar e real -com a mesma resistência a mudanças dos escravagistas e cafeicultores. Segue o
grande vazio similar ao das
duas primeiras décadas do século. Agora, retoma-se o leito
do rio em outras bases.
Sobre elas falo nas próximas
colunas.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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