São Paulo, quinta-feira, 08 de julho de 2004

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LUÍS NASSIF

A era Vargas e a perda de rumo

O ciclo em que se encontra o Brasil de hoje guarda enorme semelhança com os anos 20 do século passado. Desde o Império o país se dividiu em dois setores: o com acesso ao mercado internacional e aquele ligado ao mercado interno. O primeiro sempre ganhou com a arbitragem de taxas: captava dólares (ou libras) e aplicava internamente, ou em taxas elevadas ou em ativos baratos. O crédito sempre foi elemento essencial nesse jogo imobilizador. A chave do crescimento consistia em mudanças que carreassem o capital especulativo para o setor produtivo.
No Império, a resistência à democratização do crédito e à redução dos juros vinha dos escravagistas, que detinham o monopólio do acesso ao mercado financeiro internacional.
O café criou uma nova classe, com acesso à moeda externa. Muda-se o modelo e, sem projeto de país, faz-se a República e instaura-se a hiperinflação. Os políticos e os rentistas se valem de "financistas" -economistas formados fora do país que tinham a "lição de casa", que consistia meramente em equilibrar o Orçamento, não importando de que modo. Não se cortam favores de aliados, mas se corta na saúde; evita-se mexer nos interesses dos credores externos, porque não interessava à nova classe, mas se corta na educação; não se avança sobre o empreguismo na área pública, mas se corta em infra-estrutura. E não se cuida de dirigir o lucro dos cafeicultores para a atividade produtiva.
Essa inércia explode nos anos 20, com o movimento tenentista, que precede e engendra o nascimento da era Vargas -que vai de 1930, quando Getúlio Vargas toma o poder, até 1980.
Ela foi montada sobre um tripé: a industrialização, a urbanização e a integração territorial. Cada vez que uma dessas pernas estivesse ameaçada, o Estado se faria presente. Cria-se o código de águas, dando poder de regulação ao Estado, e ocorre a substituição de importações. O dinheiro acumulado pelo café deixa de ser rentista para virar capital industrial. E o país cresce como nunca cresceu.
Em 1980, o país dispunha de uma indústria de base e de equipamentos pujante e sedenta por projetos, mérito de Geisel. Mas tinha pela frente uma crise externa de proporções gigantescas, culpa de Geisel. E um Estado descomunal, obra de Geisel. O grande salto consistiria na privatização organizada e em investimentos em infra-estrutura que consolidariam a indústria. Toda a energia do período foi imobilizada pela crise da dívida, pela agonia do regime militar e pelo despreparo de sucessivos governos.
O país se industrializou, mas não virou sociedade industrial -aquela na qual todas as pessoas participam do usufruto dos bens da indústria. A cidade tem que ser o "locus" do trabalho e do bem-estar. Se não é, é porque o país não urbanizou. A integração se limitou à aproximação com o sul do continente e a África -muito mais pelas vantagens logísticas.
Nos anos 80, moldou-se a nova classe, que, com o Real, passa a viver da arbitragem entre dólar e real -com a mesma resistência a mudanças dos escravagistas e cafeicultores. Segue o grande vazio similar ao das duas primeiras décadas do século. Agora, retoma-se o leito do rio em outras bases.
Sobre elas falo nas próximas colunas.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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