São Paulo, sábado, 08 de julho de 2006

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População chinesa envelhece, e país prevê falta de mão-de-obra

Países que paguem salários igualmente baixos e tenham população mais jovem, como a Índia, devem ganhar competitividade e atrair empregos industriais

Jason Lee - 6.jun.06/Reuters
Grupo de dança amador formado por mulheres de terceira idade pratica exercícios em academia de Tangshan, no norte da China


HOWARD W. FRENCH
DO "NEW YORK TIMES"

Xangai é conhecida como uma cidade hipermoderna -cheia de jovens e de vigor.
Mas isso oculta um fato menos conhecido: Xangai tem a população mais velha da China e está envelhecendo rapidamente.
De seus habitantes, 20% têm pelo menos 60 anos, a idade normal de aposentadoria para os homens na China, e os aposentados são o segmento populacional de crescimento mais rápido, com 100 mil novos idosos todo ano, segundo um estudo da Academia de Ciências Sociais de Xangai.
Em 2020, cerca de um terço da população de Xangai, hoje 13,6 milhões, serão pessoas com mais de 59 anos, alterando o tecido social da cidade e afetando a economia e as finanças.
As mudanças vão muito além de Xangai. Especialistas dizem que a cidade lidera uma das maiores mudanças demográficas da história, com profundas implicações para toda a China.
O país mais populoso do mundo, que construiu sua força econômica sobre mão-de-obra barata, poderá em breve enfrentar falta de trabalhadores.
O envelhecimento também representa difíceis questões políticas para o governo comunista, que incentivou a explosão populacional nos anos 50 e mudou de orientação ao introduzir a chamada política do filho único alguns anos após a morte do líder Mao Tse-tung, em 1976.
Essa medida evitou estimados 391 milhões de nascimentos. Com a surpreendente ascensão da China à riqueza, a maioria das pessoas vive mais tempo e tem menos filhos, espelhando tendências encontradas em todo o mundo. Essas tendências e um índice extraordinariamente baixo de nascimentos se combinaram para criar um forte desequilíbrio entre jovens e velhos. Isso ameaça o frágil sistema de aposentadorias do país, projetado para a proporção de quatro trabalhadores por aposentado.
Os demógrafos também esperam tensões no sistema de registro de residência. O sistema impede que jovens trabalhadores migrem para áreas urbanas, o que aliviaria a escassez de mão-de-obra. As autoridades temem que sua abolição provoque uma enxurrada humana nas cidades.
Conforme os trabalhadores se tornem escassos e caros nas cidades cada vez mais ricas do litoral leste da China, o país enfrentará crescentes pressões econômicas para deixar a linha de montagem e outras indústrias de mão-de-obra intensiva e entrar nas indústrias de serviços e baseadas em informática.
"Nas últimas duas décadas, a China teve a vantagem de possuir uma alta proporção de população em idade ativa, mas a situação está prestes a mudar", disse Zuo Xuejin, vice-presidente da Academia de Ciências Sociais de Xangai. "Com a redução da população em idade ativa, os custos trabalhistas se tornarão menos competitivos, e indústrias de lugares como o Vietnã e Bangladesh começarão a ser mais atraentes."
A Índia, o outro gigante emergente, também deverá se beneficiar, com seus salários baixos e uma população bem mais jovem que a chinesa.
Mesmo na China, disse Zuo, muitos investidores estrangeiros já começaram a transferir as fábricas de Xangai e outras cidades do leste para locais no interior, onde a força de trabalho é mais barata e mais jovem.
Por mais que esses problemas possam parecer remotos hoje em Xangai, a cidade mais próspera do país, as evidências de mudanças já são abundantes. Se Xangai representa o futuro da China, ele pode ser vislumbrado no bairro central de Jingan, onde aproximadamente 4.000 pessoas, 30% dos residentes, têm mais de 60 anos.
Trabalhadores sociais com pouco treinamento fazem visitas às casas dos idosos da cidade para combater o isolamento e garantir que problemas médicos sejam atendidos. Chen Meijuan, 49, ganha o equivalente a R$ 200 por mês como uma das 15 agentes que monitoram a população idosa do bairro. Ela atende mais de 200 pessoas.
"Bom dia, vovó", disse Chen ao entrar no pequeno quarto de Liang Yunyu, 100 anos. "Dormiu bem esta noite?"
Depois de ser apresentada ao visitante estrangeiro, a senhora Liang contou muitas histórias que abrangem várias décadas do século 21, como a chegada dos invasores japoneses à cidade, quase 70 anos atrás, e a morte de seu marido num campo de trabalhos forçados durante a Revolução Cultural, há 40 anos. "Minha filha sempre me convida para morar com sua família, mas tenho vergonha", disse. "Tenho medo de morrer na casa dela, por isso prefiro ficar onde estou."
"Geralmente visito de cinco a seis casas por dia, fico um pouco e converso com eles", disse Chen. "Da vovó Liang eu cuido um pouco mais, visito-a duas ou três vezes por semana."
Em muitas sociedades ricas, os muito velhos são candidatos a morar em lares de idosos. Esse setor ainda é pequeno na China, especialmente comparado ao tamanho da população idosa. Zhang Minsheng abriu o primeiro lar de idosos particular de Xangai em 1998, em uma área industrial distante do centro. Hoje tem 95% de ocupação.
"Antes as pessoas não queriam ir para lares de idosos porque eram considerados lugares para os que não têm descendentes", disse Zhang. "Hoje, para as pessoas comuns, está se tornando uma coisa normal." A idade média dos residentes no lar de Zhang é 85 anos, e geralmente moram vários em um mesmo quarto, dormindo em camas estreitas separadas por divisórias frágeis. Muitos passam o dia em longos corredores mobiliados com cadeiras, onde conversam ou simplesmente olham para a distância.
As autoridades e os estudiosos chineses procuram respostas ao fenômeno do envelhecimento, mas quase todos concordam que não há soluções fáceis. Especialistas locais em população falam em "remendar um buraco e estourar outro".
Aumentar a idade de aposentadoria aliviaria a pressão sobre o sistema de previdência, mas dificultaria para os jovens encontrar empregos. E isso seria ressentido por muitos idosos, a maioria dos quais não participou do boom econômico.
Especialistas em demografia chineses dizem que o governo provavelmente não vai abolir a regra do filho único, porque reluta em admitir que uma política-chave foi de certa forma um fracasso - especialmente diante do desastroso surto populacional incentivado por Mao.
Além disso, abolir as restrições ao número de filhos pode não adiantar. "Um número maior de nascimentos só mudaria a estrutura da população e prolongaria o processo de envelhecimento" da sociedade como um todo, disse Ren Yuan, professor no Centro de Pesquisa Populacional da Universidade Fudan em Xangai.
"Os leitos que é preciso acrescentar aos lares de idosos e a mão-de-obra necessária para cuidar dos velhos são uma realidade que não pode ser modificada."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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