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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Quarta-feira

JOÃO SAYAD

Alguém joga dados sobre um pano verde e escolhe o dia e o lugar em que vamos nascer e a língua que vamos falar.
Você poderia ter caído em Israel ou na Palestina, na semana passada, em Cartago, durante as Guerras Púnicas, ou no Brasil, no dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea.
Para que o jogo tenha graça, você não pode escolher nem local de nascimento nem dia de aniversário. Essa parte do jogo depende totalmente da sorte.
Não há por que reclamar, pois, no segundo tempo, o jogo só depende de sua habilidade e da habilidade das pessoas que caíram mais ou menos na mesma época e no mesmo lugar. A cada minuto, dia e ano, o passado passou, criou nova situação, você pode aprender com erros que fez e decidir de novo.
Os brasileiros de dez anos de idade caíram no Brasil quando a dívida pública brasileira feita pelos seus pais era 31% do PIB (Produto Interno Bruto), mais ou menos R$ 33 bilhões, ou US$ 38 bilhões, pois o dólar custava menos do que R$ 1.
A culpa da dívida era apenas dos pais do brasileiro, pois o prazo da dívida sempre foi muito curto, e os avós, bisavós, Juscelino e Geisel pagaram as dívidas que haviam feito. Para completar, o Plano Collor reduziu a dívida restante violenta e desnecessariamente.
Os governos eleitos dos últimos dez anos cobraram impostos num valor superior ao que gastaram em educação, saúde, segurança, serviços públicos em geral e Previdência. Nestes dez anos, os superávits primários acumulados chegaram a 20% do PIB. Os juros pagos sobre a dívida no período chegaram a 49% do PIB até setembro de 2003.
No final de 2003, as cegonhas estarão depositando nas maternidades mais brasileirinhos, que devem, desta vez, 58% do PIB.
O crescimento da dívida não pode ser explicado pela gastança do governo ou por obras faraônicas.
Brasileiros de dez anos não conheceram, até hoje, nenhuma estrada federal nova, nenhuma grande barragem hidrelétrica, nenhuma universidade pública nova, nenhum programa habitacional. Os gastos excessivos do governo também não podem ser explicados pelo crescimento dos gastos sociais, que, de fato, cresceram, pois o país ficou mais pobre e mais velho. Mas durante estes dez anos o governo arrecadou 20% do PIB em impostos além do que gastou com todas as despesas, inclusive as sociais.
Se durante os últimos dez anos o governo tivesse pago juros de 6% ao ano acima da inflação (o que já é muito alto, pois o produto cresceu em média 3%) e mantido os mesmos superávits primários todos os anos, a dívida seria, hoje, de apenas 25% do PIB, quase metade do valor inicial.
O crescimento da dívida passou por três fases.
Até que o brasileirinho completasse cinco anos, em 1998, a dívida cresceu porque o governo mantinha o câmbio sobrevalorizado. Se o pai do brasileirinho conseguiu se manter empregado, o filho usou fraldas estrangeiras e brincou com joguinhos eletrônicos importados. Enquanto essa política foi mantida, a dívida passou de 30% para 41% do PIB. O luxo das fraldas e dos joguinhos importados custou 11% do PIB em dívidas novas.
Em 98, o câmbio sobrevalorizado tornou-se insustentável. Tomamos nova decisão: de 1998 a 2002, o câmbio ficou livre e o governo começou a fixar juros muito altos, no programa de metas de inflação. Nestes quatro anos, o governo acumulou 8,5% do PIB em superávit primário para pagar juros. Mas gastou com juros quase 14% do PIB. A dívida cresceu mais 17% do PIB, chegando aos valores de hoje.
Fazendo bem as contas, o programa de metas de inflação custou mais caro em termos de dívida pública do que o período do câmbio fixo, embora o período de câmbio fixo tenha custado mais em termos de perda de produção agrícola e industrial.
A decisão de deixar o câmbio flutuar em 1998 foi tomada sem convicção. Aceitamos o câmbio flutuante, mas fixamos juros excessivamente altos para que o câmbio não subisse o que tinha que subir. Lição a aprender: se for para manter o câmbio sobrevalorizado, é melhor intervir diretamente no mercado de dólares do que intervir indiretamente por meio de juros altos.
Quando o brasileiro fez dez anos, o novo governo assumiu: a dívida já era alta, mas a situação, como qualquer situação, poderia ter sido mudada.
Em 2003, o superávit primário cresce para 5% do PIB, mas os juros crescem mais ainda, chegando a 10% do PIB. A dívida permanece praticamente constante apesar do esforço do superávit primário. Se os juros tivessem sido de 6% acima da inflação, apenas neste último ano, a dívida teria se reduzido para 55%. Teríamos economizado 4% do PIB, ou R$ 54 bilhões, apenas neste ano.
O jogo não acabou nem nunca acabará. A nova situação, muito apertada e difícil, apresenta novamente várias possibilidades. Não é preciso esperar dia de aniversário, Ano Novo ou Carnaval. Juros são fixados na primeira quarta-feira de todos os meses. O passado Deus põe. Sobre o futuro, o homem dispõe.


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net


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