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OPINIÃO ECONÔMICA
Quarta-feira
JOÃO SAYAD
Alguém joga dados sobre
um pano verde e escolhe o
dia e o lugar em que vamos nascer e a língua que vamos falar.
Você poderia ter caído em Israel
ou na Palestina, na semana passada, em Cartago, durante as
Guerras Púnicas, ou no Brasil, no
dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea.
Para que o jogo tenha graça, você não pode escolher nem local de
nascimento nem dia de aniversário. Essa parte do jogo depende
totalmente da sorte.
Não há por que reclamar, pois,
no segundo tempo, o jogo só depende de sua habilidade e da habilidade das pessoas que caíram
mais ou menos na mesma época e
no mesmo lugar. A cada minuto,
dia e ano, o passado passou, criou
nova situação, você pode aprender com erros que fez e decidir de
novo.
Os brasileiros de dez anos de
idade caíram no Brasil quando a
dívida pública brasileira feita pelos seus pais era 31% do PIB (Produto Interno Bruto), mais ou menos R$ 33 bilhões, ou US$ 38 bilhões, pois o dólar custava menos
do que R$ 1.
A culpa da dívida era apenas
dos pais do brasileiro, pois o prazo da dívida sempre foi muito
curto, e os avós, bisavós, Juscelino
e Geisel pagaram as dívidas que
haviam feito. Para completar, o
Plano Collor reduziu a dívida restante violenta e desnecessariamente.
Os governos eleitos dos últimos
dez anos cobraram impostos num
valor superior ao que gastaram
em educação, saúde, segurança,
serviços públicos em geral e Previdência. Nestes dez anos, os superávits primários acumulados chegaram a 20% do PIB. Os juros pagos sobre a dívida no período chegaram a 49% do PIB até setembro
de 2003.
No final de 2003, as cegonhas
estarão depositando nas maternidades mais brasileirinhos, que devem, desta vez, 58% do PIB.
O crescimento da dívida não
pode ser explicado pela gastança
do governo ou por obras faraônicas.
Brasileiros de dez anos não conheceram, até hoje, nenhuma estrada federal nova, nenhuma
grande barragem hidrelétrica,
nenhuma universidade pública
nova, nenhum programa habitacional. Os gastos excessivos do governo também não podem ser explicados pelo crescimento dos gastos sociais, que, de fato, cresceram, pois o país ficou mais pobre
e mais velho. Mas durante estes
dez anos o governo arrecadou
20% do PIB em impostos além do
que gastou com todas as despesas,
inclusive as sociais.
Se durante os últimos dez anos
o governo tivesse pago juros de
6% ao ano acima da inflação (o
que já é muito alto, pois o produto
cresceu em média 3%) e mantido
os mesmos superávits primários
todos os anos, a dívida seria, hoje,
de apenas 25% do PIB, quase metade do valor inicial.
O crescimento da dívida passou
por três fases.
Até que o brasileirinho completasse cinco anos, em 1998, a dívida cresceu porque o governo
mantinha o câmbio sobrevalorizado. Se o pai do brasileirinho
conseguiu se manter empregado,
o filho usou fraldas estrangeiras e
brincou com joguinhos eletrônicos importados. Enquanto essa
política foi mantida, a dívida passou de 30% para 41% do PIB. O
luxo das fraldas e dos joguinhos
importados custou 11% do PIB
em dívidas novas.
Em 98, o câmbio sobrevalorizado tornou-se insustentável. Tomamos nova decisão: de 1998 a
2002, o câmbio ficou livre e o governo começou a fixar juros muito altos, no programa de metas de
inflação. Nestes quatro anos, o
governo acumulou 8,5% do PIB
em superávit primário para pagar juros. Mas gastou com juros
quase 14% do PIB. A dívida cresceu mais 17% do PIB, chegando
aos valores de hoje.
Fazendo bem as contas, o programa de metas de inflação custou mais caro em termos de dívida pública do que o período do
câmbio fixo, embora o período de
câmbio fixo tenha custado mais
em termos de perda de produção
agrícola e industrial.
A decisão de deixar o câmbio
flutuar em 1998 foi tomada sem
convicção. Aceitamos o câmbio
flutuante, mas fixamos juros excessivamente altos para que o
câmbio não subisse o que tinha
que subir. Lição a aprender: se for
para manter o câmbio sobrevalorizado, é melhor intervir diretamente no mercado de dólares do
que intervir indiretamente por
meio de juros altos.
Quando o brasileiro fez dez
anos, o novo governo assumiu: a
dívida já era alta, mas a situação,
como qualquer situação, poderia
ter sido mudada.
Em 2003, o superávit primário
cresce para 5% do PIB, mas os juros crescem mais ainda, chegando
a 10% do PIB. A dívida permanece praticamente constante apesar
do esforço do superávit primário.
Se os juros tivessem sido de 6%
acima da inflação, apenas neste
último ano, a dívida teria se reduzido para 55%. Teríamos economizado 4% do PIB, ou R$ 54 bilhões, apenas neste ano.
O jogo não acabou nem nunca
acabará. A nova situação, muito
apertada e difícil, apresenta novamente várias possibilidades.
Não é preciso esperar dia de aniversário, Ano Novo ou Carnaval.
Juros são fixados na primeira
quarta-feira de todos os meses. O
passado Deus põe. Sobre o futuro,
o homem dispõe.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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