São Paulo, sexta-feira, 09 de janeiro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Incrível, fantástico, extraordinário


Banca pede juros menores ao BC, que pede juro menor à banca; indústria pode ter afundado 9% em dezembro

"FALA SÉRIO" , disse mais ou menos Henrique Meirelles a Marcio Cypriano, presidente do Bradesco, que reclamava dos juros altos do Banco Central na reunião de lideranças empresariais com a cúpula econômica do governo, anteontem. Foi "incrível, fantástico, extraordinário", como dizia um velho samba da Portela, um banqueiro do porte de Cypriano, falando pela Febraban, pleitear em público a redução emergencial da Selic.
Mais divertido ainda foi que Meirelles cobriu a aposta de Cypriano: disse que o problema não era a Selic, mas o "spread" bancário, a diferença entre a taxa de juros cobrada do público e o custo de captação de fundos pelos bancos. Desde outubro, o "spread" de fato passou a flutuar em camadas ainda mais altas e rarefeitas da estratosfera. Os juros "básicos" na praça, em termos reais, caíram para o piso histórico, a uns 7%.
A querela entre os banqueiros foi cavalheiresca, dizem os relatos, mas, ainda assim, a alegria do Ministério da Fazenda "atravessou o mar e ancorou na passarela" do debate sobre juros e o tamanho da geada econômica brasileira, para citar outro velho samba da União da Ilha.
Mas, se a pinimba sobre juros subiu aos píncaros da banca, é que a coisa deve andar bem feia. Ontem se soube que a produção de veículos em dezembro caiu quase 54% (em relação a dezembro de 2007). Outro indicador coincidente da produção industrial já divulgado, o da carga de energia, caiu também, 3% (ante dezembro de 2007), coisa raríssima de ver desde o apagão. Trata-se de um sinal de que os grandes consumidores de energia (grandes empresas) pararam de produzir.
Faltam sair ainda dois outros dados relevantes para antecipar o que deve ter ocorrido com a indústria em dezembro: o índice do tráfego de veículos pesados e o da produção de papelão. Se esses dois últimos números seguirem a tendência de queda, é provável que a produção industrial tenha caído em torno de 9% (em relação a dezembro de 2007). Uma tragédia. Em novembro, a queda fora de 6,2%. As projeções de queda de 1% para o PIB no último trimestre de 2008 ficaram otimistas.
Se o Banco Central cortar a meta para a Selic em janeiro (mesmo que em um ponto), o refresco tende a ser muito marginal (embora a medida reduza um tico do custo da dívida do governo e sopre uma brisa no estado de desânimo empresarial).
Decerto Meirelles defendia o seu peixe, que está ficando meio passado e com os olhos turvos, mas o presidente do BC tem alguma razão. Em muitíssimo menor escala, mas de modo semelhante a seus pares estrangeiros, os bancos brasileiros "estão sentados sobre o capital, dado o seu estado de medo catatônico", como disse Alan Blinder, professor de Princeton e ex-vice do Fed, a respeito dos bancos americanos.
Os bancos brasileiros se tornaram mais seletivos e jogaram os juros na lua, esperando mais horrores no crédito mundial e uma sangria de inadimplência, na interpretação mais "técnica" e benevolente. Resumo da ópera: a Selic e os juros reais "básicos" na praça podem andar para um lado, mas as taxas para empresas e consumidores podem ficar paquidermicamente estacionadas, se não subirem mais.
O caldo engrossou.

vinit@uol.com.br


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