São Paulo, sábado, 9 de janeiro de 1999

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ARTIGO

Volks ou Ford: como resolver o dilema do ajuste?

HÉLIO ZYLBERSTAJN

Os recentes acontecimentos no ABC estão mostrando as duas trajetórias entre as quais muitas empresas brasileiras deverão optar neste ano de 1999. Duas montadoras, a Volkswagen e a Ford, diante de um problema parecido (a necessidade de promover um grande ajuste nas despesas com mão-de-obra), escolheram dois caminhos muito diferentes. A primeira desistiu de demitir e negociou um acordo inédito no Brasil, reduzindo a jornada e os salários e vinculando o crescimento futuro da remuneração ao aumento da produção. A segunda desistiu de negociar e partiu para a demissão em massa. Ambas reduziram suas folhas de salário. Mas o custo e o efeito foram muito diferentes.
A Volks preferiu o ajuste gradual. Com o acordo, conseguiu diminuir parcialmente a folha e se comprometeu a não demitir. Em compensação, num horizonte de cinco anos, haverá programas de demissão voluntária todos os anos, bem como o desligamento automático dos aposentados. No longo prazo, a empresa terá ajustado o tamanho do seu quadro às suas necessidades. No curto prazo, porém, terá que suportar uma folha maior do que gostaria.
A grande inovação do acordo da Volks foi a introdução do conceito da remuneração condicionada: os salários serão recompostos quando o mercado se reaquecer e as vendas aumentarem.
A Ford, ao contrário, escolheu o caminho do ajuste rápido. De uma só vez, enviou cartas de demissão a 2.800 empregados, o equivalente a aproximadamente 41% do quadro da planta Anchieta. Começa o ano de 1999 com uma folha bastante aliviada. Em compensação, está enfrentando uma borrasca: os sindicatos, a opinião pública e, eventualmente, o próprio governo cobrarão a empresa por esse comportamento. Sua imagem ficará, provavelmente, bastante comprometida.
A Volks escolheu uma linha mais cara do ponto de vista financeiro, porém mais aceitável do ponto de vista social. A Ford escolheu a outra via e está pagando um preço enorme pela opção mais barata. Como explicar essas diferenças? Será a Volks o "mocinho" e a Ford o "bandido"?
A explicação não deve ser essa. Afinal, as duas empresas têm, nas suas matrizes e também aqui no Brasil, uma longa tradição de negociação e de convivência com os sindicatos. Há uma outra explicação, mais plausível: para a Ford, simplesmente, talvez não fosse possível assumir o custo financeiro da solução gradual. O "caixa" falou mais alto que o "social".
Como nenhuma das opções é boa, seria melhor não ter que escolher. Mas a conjuntura macroeconômica indica que muitas empresas brasileiras terão que enfrentar essa escolha. Para uma grande parte delas, infelizmente, a opção Ford será a mais atraente, pois elas não têm a mesma visibilidade da grande multinacional americana nem têm um compromisso muito grande com seus empregados. É preciso evitar que isso ocorra.
Uma medida simples, que poderia induzir à opção Volks, seria a de permitir que uma parte da remuneração mensal (algo como 20% a 30%) pudesse flutuar conforme o desempenho da empresa. Com a remuneração mensal flexibilizada, as empresas não precisariam demitir, pois as folhas se ajustariam automaticamente à conjuntura econômica. Muitos acordos à la Volks seriam assinados, salvando muitos empregos.
Isso poderia ser feito rapidamente, com uma pequena modificação da medida provisória da participação nos lucros ou resultados (PLR). Como se sabe, hoje, a PLR só pode ser paga semestralmente. Se pudesse ser paga mensalmente, uma parte da remuneração mensal estaria atrelada ao desempenho da empresa, proporcionando as bases legais e os incentivos econômicos para acordos que preservem empregos. Seria uma boa ajuda para resolver o dilema do ajuste pela opção menos ruim.


Hélio Zylberstajn, 53, é professor da FEA-USP e pesquisador da Fipe, onde coordena o Programa Mediar - Informações, para a mediação estratégica entre trabalho e capital (www.fipe.com/mediar).



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