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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Gastos sociais criam modelo econômico alternativo
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Pouco mais de um mês depois da posse, o governo
Lula ainda é uma incógnita na
política econômica. A "transição", até agora, é uma promessa.
Pior: ninguém parece saber como ou quando vai começar a
mudar, se é que vai mudar.
Um dos documentos mais didáticos e objetivos sobre o que
poderia ser uma política econômica alternativa foi produzido
não pelo PT, mas por Pierre Salama, economista francês.
Há anos um observador da
conjuntura financeira e da pobreza latino-americana, Salama
defende a substituição da variável de ajuste a conduzir o Brasil
de volta ao crescimento. Em vez
da taxa de juros, o gasto social.
Analisando os dados e recuperando os principais estudos sobre a pobreza na América Latina
e no Brasil, Salama constatou
que a regra é aumentar os gastos
sociais nos momentos de crescimento e reduzi-los na crise.
O fato marcante na história recente da pobreza latino-americana é a dificuldade para reduzir
a pobreza. Os pobres são mais
vulneráveis às crises.
Para alterar esse quadro, Salama defende o forte aumento do
gasto social no momento de crise. Ao contrário da redução de
gastos com elevação de juros pedida pelos mercados e monitorada pelo FMI, o aumento do
gasto social abriria as portas a
novo "regime de crescimento".
No modelo atual, a pobreza
aumenta mais que proporcionalmente à queda do PIB. Nos
momentos de retomada, os níveis de pobreza ficam estáveis
por um período mais longo.
Como fazer então a transição
para outro regime de crescimento? Além do aumento de
gastos sociais na crise, seria necessário evitar a volatilidade do
PIB. Isso não depende da boa
vontade dos governos, pois a
origem maior da instabilidade é
a volatilidade dos fluxos internacionais de capitais. Para o
economista Dani Rodrik, a volatilidade dos capitais explica 50%
da volatilidade do PIB nos anos
90, contra 20% nos anos 80.
Nas economias latino-americanas, essa fragilidade maior resultou de processos rápidos de
liberalização, em contraponto a
movimentos negociados.
Inverter essa liberalização torna-se crucial, com políticas industriais amparadas pelo crescimento do mercado doméstico
resultante do gasto social que altera a distribuição de renda. Em
resumo: a receita de Salama é
ampliar muito o gasto social nos
momentos de crise e alterar a inserção internacional do país.
Algumas iniciativas do governo Lula parecem refletir esse desenho. Mas tanto no gasto social
quanto nas políticas industriais
há riscos de que a receita descambe para o assistencialismo.
É preciso efetivamente aumentar o gasto social, e não apenas reorientar programas e recursos já existentes. É crucial
que o Estado regule fortemente
a atividade econômica e direcione a substituição de importações, e não só use seus instrumentos de intervenção mais fortes (como o BNDES) para socorrer empresas em dificuldades.
Se o assistencialismo é risco,
esse não é o único projeto de
longo prazo tentando se afirmar
no governo Lula.
Muitos batalham pelo ideal de
tirar o país da crise com megaesforço exportador, menos intervencionista, sem compromissos
com o aumento expressivo dos
gastos sociais. Mas é a velha ortodoxia criticada por Salama
que predomina no curto prazo.
São então quatro modelos em
conflito: social-intervencionista
(Estado forte), assistencialista
(Estado hospital), ajuste exportador (desregulamentação) e ortodoxia (ajuste financeiro). A
transição brasileira só terá sentido quando se puder avaliar qual
dessas receitas vencerá.
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