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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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NA REAL

"Ricos e famosos" cortam viagens ao exterior e substituem suas marcas estrangeiras preferidas por outras nacionais

Dólar alto afasta elite de mimo importado

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A crise, ou o aviso de que a crise existe, bateu às portas da elite brasileira. Seja porque as mazelas do país do Fome Zero não a deixam à vontade para "auto-indulgências" como a compra de uma caneta de US$ 14 mil, seja porque se diz afetada no bolso, parte dessa minoria aprendeu (ao menos no discurso) a fazer contas -ainda mais quando envolvem dólares.
É a elite formada por pessoas como a empresária Yara Baumgart, proprietária do shopping Center Norte, do Lar Center, da clínica estética Kyron e da galeria Millennium. Baumgart diz que os efeitos de três anos de contínua depreciação do real diante do dólar podem ser medidos pelo movimento na clínica, com a queda no número de consultas para tratamento médico ou estético.
No item despesas pessoais, o primeiro corte, diz, foram as viagens. Até 2001, costumava fazê-las de duas a três vezes ao ano. Os destinos: Paris, Londres, cidades nos EUA e Alemanha. ""Viajava muito a trabalho, para acompanhar congressos, e aproveitava para passear com a família [ela tem quatro filhos"", comenta. "Com o dólar no preço que está, viajo uma vez por ano, passo Réveillon e Carnaval no Brasil."
Baumgart afirma que não tinha preferência por comprar cosméticos para uso pessoal fora do país. ""Não adianta nada viajar e trazer a mala cheia de cremes para a pele da européia. Há cremes nacionais muito bons." Diz que os traz apenas para analisar a fórmula e incorporar componentes que possam ser usados em suas clínicas.
O cantor Zezé Di Camargo aderiu antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vestimenta feita por Ricardo Almeida. Até um ano e meio atrás, usava a grife italiana Versace. Trocou-a pela do estilista, que cobra R$ 3.000 por um terno em sua loja em São Paulo. "É brasileiro e pago em real", diz.
Luciano, seu irmão e parceiro na dupla que mais shows faz no país, diz não usar produtos importados, exceto perfume. Neste mês, pelo segundo ano seguido, não repetiu um costume: levar os três filhos, sobrinhos e amigos próximos para a Disney. Diz que nos últimos tempos trocou bens de consumo ou marcas de produtos em casa, para dar exemplo.
Para economizar com combustíveis, Luciano mandou adaptar gás em quatro de seus cinco carros: uma Cherokee, uma Ford Ranger, uma Expedition e uma F-250. Escapou o Mitsubishi GT 3000. "Se for trocar neste ano, vou optar por carro a álcool."
Cultuadora de marcas como Armani e Dolce & Gabbana, a designer de jóias e socialite Cecília Neves comprou sua última peça de grife, um item da Yves Saint Laurent, numa viagem a Paris em julho. Acostumada a viajar em média duas vezes por ano para Europa e EUA, hoje afirma sentir-se ""explorada ao pagar US$ 4 por uma Coca-Cola". ""Às vezes não valem a pena certos gastos, temos tanta exuberância natural aqui."
Freddy Rabbat, presidente da Montblanc do Brasil, apresenta uma tese para o comportamento desse público. Fala com propriedade: em 2002, a Montblanc brasileira registrou queda de 20% no faturamento em dólares sobre 2001. Com seis butiques, como denomina as lojas, espalhadas em três Estados (quatro em São Paulo, uma no Rio e outra no Paraná), a marca viveu seu melhor momento por aqui em 1997. Entre aquele ano e 2001, o faturamento (em dólares) apresentou poucas oscilações. Queda, só em 2002.
""A crise afeta meu consumidor? Não. O que afeta meu consumidor e de todo o segmento de luxo é o humor do mercado", afirma. Por humor do mercado, entenda-se, nas palavras do empresário, a ""insegurança pelo futuro", materializada pela iminência de uma guerra no Iraque. Ou, variável muito mais próxima da realidade da elite nacional, a crise de segurança pública do Rio ou de São Paulo. ""Meu cliente diz: não vou consumir luxo enquanto vejo meus amigos morrerem ou serem sequestrados", afirma Rabbat.
Prossegue: ""Com o dólar a R$ 5, talvez não comprasse. A R$ 3,60, compraria sem problemas. Acontece que quando alguém compra um luxo é porque fala a si mesmo: "Trabalho muito, o mundo vive um bom momento e posso me presentear". Quando isso não está em sintonia, ele fica deprimido." Ironia ou não, as vendas da Montblanc no primeiro mês sob o governo petista estão acima das de janeiro de 2001.
Única filial da grife Dior na América do Sul, a unidade brasileira cresceu 38% nas vendas em euros no ano passado -acompanhando a média mundial da empresa, de 40% de expansão. Para 2003, avalia Rosangela Lyra, diretora da Dior no Brasil, a estimativa é de nova alta no faturamento, entre 10% e 20%, não em reais, mas em euros. Há razões pontuais para o desempenho: de janeiro a junho de 2002, a loja manteve o dólar a R$ 2,45; no segundo semestre, mesmo com as oscilações da moeda, praticou vendas com dólar a R$ 2,90. Hoje, ""realinhou" seus preços para a cotação de R$ 3,40. A Dior pode ser tomada como exceção: nos últimos meses, marcas famosas como a Parker (canetas) e Ralph Lauren (vestuário) deixaram suas operações no Brasil ou as reestruturaram.
Renata Boghosian, sócia ao lado da mãe e da irmã na representação oficial da Gianni Versace, diz que a receita tem caído de 8% a 10% ao ano desde 2000. O auge do faturamento ocorreu no biênio 1996-1997, ainda em meio ao idílio do real forte.
Ela afirma que as viagens para acompanhar desfiles e fazer compras, na Itália, sofreram alterações: em vez de irem as três, Renata e sua irmã se revezam para acompanhar a mãe. ""Está muito mais difícil ganhar, então você pensa duas vezes antes de gastar."


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