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NA REAL
"Ricos e famosos" cortam viagens ao exterior e substituem suas marcas estrangeiras preferidas por outras nacionais
Dólar alto afasta elite de mimo importado
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
A crise, ou o aviso de que a crise
existe, bateu às portas da elite brasileira. Seja porque as mazelas do
país do Fome Zero não a deixam à
vontade para "auto-indulgências" como a compra de uma caneta de US$ 14 mil, seja porque se
diz afetada no bolso, parte dessa
minoria aprendeu (ao menos no
discurso) a fazer contas -ainda
mais quando envolvem dólares.
É a elite formada por pessoas
como a empresária Yara Baumgart, proprietária do shopping
Center Norte, do Lar Center, da
clínica estética Kyron e da galeria
Millennium. Baumgart diz que os
efeitos de três anos de contínua
depreciação do real diante do dólar podem ser medidos pelo movimento na clínica, com a queda
no número de consultas para tratamento médico ou estético.
No item despesas pessoais, o
primeiro corte, diz, foram as viagens. Até 2001, costumava fazê-las
de duas a três vezes ao ano. Os
destinos: Paris, Londres, cidades
nos EUA e Alemanha. ""Viajava
muito a trabalho, para acompanhar congressos, e aproveitava
para passear com a família [ela
tem quatro filhos"", comenta.
"Com o dólar no preço que está,
viajo uma vez por ano, passo Réveillon e Carnaval no Brasil."
Baumgart afirma que não tinha
preferência por comprar cosméticos para uso pessoal fora do país.
""Não adianta nada viajar e trazer
a mala cheia de cremes para a pele
da européia. Há cremes nacionais
muito bons." Diz que os traz apenas para analisar a fórmula e incorporar componentes que possam ser usados em suas clínicas.
O cantor Zezé Di Camargo aderiu antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vestimenta feita
por Ricardo Almeida. Até um ano
e meio atrás, usava a grife italiana
Versace. Trocou-a pela do estilista, que cobra R$ 3.000 por um terno em sua loja em São Paulo. "É
brasileiro e pago em real", diz.
Luciano, seu irmão e parceiro
na dupla que mais shows faz no
país, diz não usar produtos importados, exceto perfume. Neste
mês, pelo segundo ano seguido,
não repetiu um costume: levar os
três filhos, sobrinhos e amigos
próximos para a Disney. Diz que
nos últimos tempos trocou bens
de consumo ou marcas de produtos em casa, para dar exemplo.
Para economizar com combustíveis, Luciano mandou adaptar
gás em quatro de seus cinco carros: uma Cherokee, uma Ford
Ranger, uma Expedition e uma F-250. Escapou o Mitsubishi GT
3000. "Se for trocar neste ano, vou
optar por carro a álcool."
Cultuadora de marcas como
Armani e Dolce & Gabbana, a designer de jóias e socialite Cecília
Neves comprou sua última peça
de grife, um item da Yves Saint
Laurent, numa viagem a Paris em
julho. Acostumada a viajar em
média duas vezes por ano para
Europa e EUA, hoje afirma sentir-se ""explorada ao pagar US$ 4 por
uma Coca-Cola". ""Às vezes não
valem a pena certos gastos, temos
tanta exuberância natural aqui."
Freddy Rabbat, presidente da
Montblanc do Brasil, apresenta
uma tese para o comportamento
desse público. Fala com propriedade: em 2002, a Montblanc brasileira registrou queda de 20% no
faturamento em dólares sobre
2001. Com seis butiques, como
denomina as lojas, espalhadas em
três Estados (quatro em São Paulo, uma no Rio e outra no Paraná),
a marca viveu seu melhor momento por aqui em 1997. Entre
aquele ano e 2001, o faturamento
(em dólares) apresentou poucas
oscilações. Queda, só em 2002.
""A crise afeta meu consumidor?
Não. O que afeta meu consumidor e de todo o segmento de luxo
é o humor do mercado", afirma.
Por humor do mercado, entenda-se, nas palavras do empresário, a
""insegurança pelo futuro", materializada pela iminência de uma
guerra no Iraque. Ou, variável
muito mais próxima da realidade
da elite nacional, a crise de segurança pública do Rio ou de São
Paulo. ""Meu cliente diz: não vou
consumir luxo enquanto vejo
meus amigos morrerem ou serem
sequestrados", afirma Rabbat.
Prossegue: ""Com o dólar a R$ 5,
talvez não comprasse. A R$ 3,60,
compraria sem problemas. Acontece que quando alguém compra
um luxo é porque fala a si mesmo:
"Trabalho muito, o mundo vive
um bom momento e posso me
presentear". Quando isso não está
em sintonia, ele fica deprimido."
Ironia ou não, as vendas da Montblanc no primeiro mês sob o governo petista estão acima das de
janeiro de 2001.
Única filial da grife Dior na
América do Sul, a unidade brasileira cresceu 38% nas vendas em
euros no ano passado -acompanhando a média mundial da empresa, de 40% de expansão. Para
2003, avalia Rosangela Lyra, diretora da Dior no Brasil, a estimativa é de nova alta no faturamento,
entre 10% e 20%, não em reais,
mas em euros. Há razões pontuais
para o desempenho: de janeiro a
junho de 2002, a loja manteve o
dólar a R$ 2,45; no segundo semestre, mesmo com as oscilações
da moeda, praticou vendas com
dólar a R$ 2,90. Hoje, ""realinhou"
seus preços para a cotação de R$
3,40. A Dior pode ser tomada como exceção: nos últimos meses,
marcas famosas como a Parker
(canetas) e Ralph Lauren (vestuário) deixaram suas operações no
Brasil ou as reestruturaram.
Renata Boghosian, sócia ao lado
da mãe e da irmã na representação oficial da Gianni Versace, diz
que a receita tem caído de 8% a
10% ao ano desde 2000. O auge do
faturamento ocorreu no biênio
1996-1997, ainda em meio ao idílio do real forte.
Ela afirma que as viagens para
acompanhar desfiles e fazer compras, na Itália, sofreram alterações: em vez de irem as três, Renata e sua irmã se revezam para
acompanhar a mãe. ""Está muito
mais difícil ganhar, então você
pensa duas vezes antes de gastar."
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