São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2004

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ANÁLISE

E se a Argentina não pagar a dívida com o FMI?

Natacha Pisarenko/Associated Press
Cartaz em Buenos Aires contra o pagamento da dívida externa


MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

A Argentina está fazendo um jogo de coragem sobre suas obrigações para com as instituições financeiras multilaterais, principalmente o FMI (Fundo Monetário Internacional). O que aconteceria se nenhum dos lados cedesse e o jogo terminasse em uma colisão frontal?
No momento, as dívidas da Argentina para com essas instituições são de aproximadamente US$ 7,5 bilhões com o Bird (Banco Mundial), US$ 8,4 bilhões com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e 10,7 bilhões de SDR (Direitos Especiais de Saque), ou US$ 15,7 bilhões, com o FMI. No dia 2 deste mês, o país tinha cerca de US$ 15 bilhões em reservas internacionais.
As remessas em curso de projetos já comprometidos vão superar quase todos os repagamentos devidos ao BID e ao Banco Mundial neste ano. Os repagamentos em si também são modestos: no caso do BID, o principal devido para este ano é de apenas US$ 440 milhões.
Diante disso, seria concebível a Argentina cair em atraso somente se os conselhos administrativos dessas instituições decidissem suspender os empréstimos em reação a uma decisão da Argentina de entrar em atraso com o Fundo. Como suas reservas poderiam facilmente cobrir o valor devido, essa seria uma decisão desafiadora.

Terceiro maior devedor
O FMI nunca sofreu uma perda em seus empréstimos, já que isso só pode acontecer se o país deixar de ser membro do órgão. Mas atrasos demorados não são inéditos. Desde meados da década de 80, 25 membros entraram em atraso, enquanto cinco ainda continuavam nessa situação em janeiro deste ano. São eles o Iraque, a Libéria, a Somália, o Sudão e o Zimbábue.
A Argentina difere dos outros países em escala, já que é o terceiro maior devedor do Fundo, depois do Brasil e da Turquia. A Argentina devia 15,2% do crédito do Fundo no final de outubro de 2003. No passado, o valor máximo de obrigações atrasadas de países-membros foi de SDR 3,4 bilhões (US$ 4,9 bilhões).
Mas a Argentina deve repagar SDR 3,7 bilhões (US$ 5,4 bilhões) neste ano, dos quais US$ 3,1 bilhões são devidos para esta semana e outros US$ 2,3 bilhões para mais tarde. Essas somas refletem os antigos empréstimos feitos ao país. Para colocar esses valores em contexto, os balanços precautelares do FMI eram de apenas SDR 6 bilhões (US$ 8,7 bilhões) no final de outubro do ano passado.

Medidas drásticas
O FMI trabalha com base em crédito rotativo entre seus membros. Os países capazes de fazê-lo (atualmente são 45 membros) oferecem o dinheiro para "compra" pelos mutuários. Esse dinheiro é considerado perfeitamente seguro por seus fornecedores.
Além disso, como o FMI faz empréstimos em épocas de crise, em vez de tentar manter um portfólio equilibrado e relativamente seguro, recebe status de credor preferencial.
A necessidade é evidente: no final de outubro do ano passado, os três principais mutuários representavam 72% da chamada "conta de recursos gerais" do FMI. Se um desses três países entrasse em atraso duradouro, os riscos para o modelo do FMI seriam substanciais.
Os passos a serem tomados em relação aos atrasos seriam drásticos, pelo menos pelos padrões das instituições multilaterais. Um mecanismo de divisão de prejuízos entraria em funcionamento para proteger o rendimento dos recursos do FMI, com a queda dos juros pagos aos fornecedores de fundos e o aumento daqueles pagos pelos outros mutuários. Em nenhuma hipótese essas mudanças dolorosas favoreceriam a Argentina diante dos demais países-membros.
Também seriam tomadas outras medidas mais drásticas contra o país: ele seria impedido de usar novamente os recursos do FMI até que os juros atrasados fossem pagos; poderia ser declarado em estado de "não-cooperação" com o Fundo dentro de 15 meses; poderia ter suspensos seus direitos de votação e de representação dentro de 18 meses; e finalmente poderia ser obrigado a deixar o organismo dentro de 24 meses.
Até hoje, nenhum país-membro do FMI chegou a esse estágio. A Argentina teria a ousadia de ser o primeiro?


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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