|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
E se a Argentina não pagar a dívida com o FMI?
Natacha Pisarenko/Associated Press
|
Cartaz em Buenos Aires contra o pagamento da dívida externa |
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
A Argentina está fazendo
um jogo de coragem sobre
suas obrigações para com as instituições financeiras multilaterais,
principalmente o FMI (Fundo
Monetário Internacional). O que
aconteceria se nenhum dos lados
cedesse e o jogo terminasse em
uma colisão frontal?
No momento, as dívidas da Argentina para com essas instituições são de aproximadamente
US$ 7,5 bilhões com o Bird (Banco Mundial), US$ 8,4 bilhões com
o BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento) e 10,7 bilhões
de SDR (Direitos Especiais de Saque), ou US$ 15,7 bilhões, com o
FMI. No dia 2 deste mês, o país tinha cerca de US$ 15 bilhões em
reservas internacionais.
As remessas em curso de projetos já comprometidos vão superar quase todos os repagamentos
devidos ao BID e ao Banco Mundial neste ano. Os repagamentos
em si também são modestos: no
caso do BID, o principal devido
para este ano é de apenas US$ 440
milhões.
Diante disso, seria concebível a
Argentina cair em atraso somente
se os conselhos administrativos
dessas instituições decidissem
suspender os empréstimos em
reação a uma decisão da Argentina de entrar em atraso com o
Fundo. Como suas reservas poderiam facilmente cobrir o valor devido, essa seria uma decisão desafiadora.
Terceiro maior devedor
O FMI nunca sofreu uma perda
em seus empréstimos, já que isso
só pode acontecer se o país deixar
de ser membro do órgão. Mas
atrasos demorados não são inéditos. Desde meados da década de
80, 25 membros entraram em
atraso, enquanto cinco ainda continuavam nessa situação em janeiro deste ano. São eles o Iraque,
a Libéria, a Somália, o Sudão e o
Zimbábue.
A Argentina difere dos outros
países em escala, já que é o terceiro maior devedor do Fundo, depois do Brasil e da Turquia. A Argentina devia 15,2% do crédito do
Fundo no final de outubro de
2003. No passado, o valor máximo de obrigações atrasadas de
países-membros foi de SDR 3,4
bilhões (US$ 4,9 bilhões).
Mas a Argentina deve repagar
SDR 3,7 bilhões (US$ 5,4 bilhões)
neste ano, dos quais US$ 3,1 bilhões são devidos para esta semana e outros US$ 2,3 bilhões para
mais tarde. Essas somas refletem
os antigos empréstimos feitos ao
país. Para colocar esses valores
em contexto, os balanços precautelares do FMI eram de apenas
SDR 6 bilhões (US$ 8,7 bilhões)
no final de outubro do ano passado.
Medidas drásticas
O FMI trabalha com base em
crédito rotativo entre seus membros. Os países capazes de fazê-lo
(atualmente são 45 membros)
oferecem o dinheiro para "compra" pelos mutuários. Esse dinheiro é considerado perfeitamente seguro por seus fornecedores.
Além disso, como o FMI faz empréstimos em épocas de crise, em
vez de tentar manter um portfólio
equilibrado e relativamente seguro, recebe status de credor preferencial.
A necessidade é evidente: no final de outubro do ano passado, os
três principais mutuários representavam 72% da chamada "conta de recursos gerais" do FMI. Se
um desses três países entrasse em
atraso duradouro, os riscos para o
modelo do FMI seriam substanciais.
Os passos a serem tomados em
relação aos atrasos seriam drásticos, pelo menos pelos padrões das
instituições multilaterais. Um
mecanismo de divisão de prejuízos entraria em funcionamento
para proteger o rendimento dos
recursos do FMI, com a queda
dos juros pagos aos fornecedores
de fundos e o aumento daqueles
pagos pelos outros mutuários.
Em nenhuma hipótese essas mudanças dolorosas favoreceriam a
Argentina diante dos demais países-membros.
Também seriam tomadas outras medidas mais drásticas contra o país: ele seria impedido de
usar novamente os recursos do
FMI até que os juros atrasados
fossem pagos; poderia ser declarado em estado de "não-cooperação" com o Fundo dentro de 15
meses; poderia ter suspensos seus
direitos de votação e de representação dentro de 18 meses; e finalmente poderia ser obrigado a deixar o organismo dentro de 24 meses.
Até hoje, nenhum país-membro do FMI chegou a esse estágio.
A Argentina teria a ousadia de ser
o primeiro?
Tradução de Luiz Roberto
Mendes Gonçalves
Texto Anterior: Papéis do país podem ser afetados ainda mais Próximo Texto: Legislação: Câmara deverá votar hoje projeto de migração dos planos de saúde Índice
|