São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Mais um "chilique" nos mercados

Não encontrei expressão melhor para caracterizar o que aconteceu mundo afora nestes últimos dias

VIVEMOS MAIS UM chilique nos chamados mercados financeiros globais. Eles têm acontecido com certa regularidade, pelo menos uma vez a cada ano. Em maio de 2006, sua inspiração foi o medo da inflação nos Estados Unidos; agora foi o receio de uma recessão na maior economia do mundo a motivação principal do nervosismo.
Esse termo -chilique- que emprestamos do francês significa um ataque de nervos sem nenhuma razão mais clara. Pessoas e mercados sofrem desse comportamento de tempos em tempos. Ao escrever esta coluna, não encontrei outra expressão melhor para caracterizar o que aconteceu mundo afora nestes últimos dias. Bolsas caíram de forma expressiva -algo como 5% no mundo desenvolvido e quase 15% nos "países emergentes" como o Bra sil-, houve uma valorização do iene em relação a quase todas as moedas e, como sempre, apareceram os profetas do apocalipse.
Mas existe, ao lado de toda essa irracionalidade histérica, um mecanismo racional importante por trás dessas minicrises financeiras recorrentes: a forma, aparentemente técnica, como operam os grandes investidores institucionais pelo mundo afora.
Entre os grandes responsáveis pela aplicação de recursos que chegam a várias dezenas de trilhões de dólares estão os fundos mútuos de investimentos, inclusive os vinculados a planos de aposentadoria, e também os fundos de natureza mais especulativa, chamados "hedge funds". Todos seguem uma mesma sistemática de avaliação de riscos para orientar seus investimentos, baseada na medida da volatilidade dos vários ativos que compõem suas carteiras de investimento.
Dessa forma, quando temos um período longo de estabilidade -ou seja, de baixa volatilidade dos preços-, há um movimento generalizado de aumento dos riscos incorridos pelos investidores. Isso porque a pequena oscilação dos preços leva naturalmente ao aumento das posições, mais especulativas em busca de ganhos maiores. Mas esse movimento pode ser revertido rapidamente, em momentos de maior nervosismo, já que o aumento das oscilações dos preços dos ativos subitamente torna grandes demais as posições montadas na realidade anterior. A conseqüência é uma busca frenética por redução do tamanho das carteiras, com ordens maciças de venda de ações e outros ativos financeiros.
Foi exatamente esse fenômeno que ocorreu nos últimos dez meses: os indicadores de volatilidade vinham em nível muito baixo, em razão do cenário extremamente positivo da economia mundial. Foi isso que levou o mercado como um todo a ficar vulnerável a qualquer turbulência não prevista.
No Brasil essa situação de calmaria mundial criou as condições para uma grande euforia nos mercados de ações e juros futuros. Apenas no primeiro bimestre deste ano, sete novas empresas abriram seu capital no mercado de ações, e o total de operações previsto para 2007 passa de 60. Como diz um arguto banqueiro do setor, "não temos mais, nos próximos meses, dias úteis disponíveis para novas aberturas de capital". Além disso, os juros longos -entre 2009 e 2012- chegaram a ficar bastante abaixo de 12% ao ano, fato inédito.
Esse cenário de céu de brigadeiro sofreu um forte abalo na madrugada do dia 27 de fevereiro, com uma queda de mais de 8% nos preços das ações de empresas chinesas negociadas na Bolsa de Valores de Xangai. Uma marca interessante nestes momentos de quase pânico é que o fato que originou a onda de venda vai sendo substituído por outros motivos mais relevantes, ao longo do processo de contaminação de todos pelo pessimismo. Quando o mercado americano foi atingido por esse tsunami financeiro, o motivo original -um boato sobre novas regras no mercado acionário chinês- já tinha sido substituído por outro muito mais grave: uma forte queda das encomendas de bens de capital nos Estados Unidos, que poderia indicar uma contração no investimento das empresas, em um ambiente já conturbado pela recessão do setor de construção civil.
Mas, como sempre, sem que seja possível identificar uma única causa para isso, a tranqüilidade voltou aos mercados, deixando apenas as marcas de sangue dos prejuízos realizados, e a roda da fortuna voltou a girar como antes. Até o próximo chilique.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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