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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Mais um "chilique" nos mercados
Não encontrei expressão melhor para caracterizar o que aconteceu mundo
afora nestes últimos dias
VIVEMOS MAIS UM chilique nos
chamados mercados financeiros globais. Eles têm acontecido com certa regularidade, pelo
menos uma vez a cada ano. Em maio
de 2006, sua inspiração foi o medo
da inflação nos Estados Unidos; agora foi o receio de uma recessão na
maior economia do mundo a motivação principal do nervosismo.
Esse termo -chilique- que emprestamos do francês significa um
ataque de nervos sem nenhuma razão mais clara. Pessoas e mercados
sofrem desse comportamento de
tempos em tempos. Ao escrever esta
coluna, não encontrei outra expressão melhor para caracterizar o que
aconteceu mundo afora nestes últimos dias. Bolsas caíram de forma
expressiva -algo como 5% no mundo desenvolvido e quase 15% nos
"países emergentes" como o Bra
sil-, houve uma valorização do iene
em relação a quase todas as moedas
e, como sempre, apareceram os profetas do apocalipse.
Mas existe, ao lado de toda essa irracionalidade histérica, um mecanismo racional importante por trás
dessas minicrises financeiras recorrentes: a forma, aparentemente técnica, como operam os grandes investidores institucionais pelo mundo afora.
Entre os grandes responsáveis pela aplicação de recursos que chegam
a várias dezenas de trilhões de dólares estão os fundos mútuos de investimentos, inclusive os vinculados a
planos de aposentadoria, e também
os fundos de natureza mais especulativa, chamados "hedge funds". Todos seguem uma mesma sistemática
de avaliação de riscos para orientar
seus investimentos, baseada na medida da volatilidade dos vários ativos
que compõem suas carteiras de investimento.
Dessa forma, quando temos um
período longo de estabilidade -ou
seja, de baixa volatilidade dos preços-, há um movimento generalizado de aumento dos riscos incorridos
pelos investidores. Isso porque a pequena oscilação dos preços leva naturalmente ao aumento das posições, mais especulativas em busca
de ganhos maiores. Mas esse movimento pode ser revertido rapidamente, em momentos de maior nervosismo, já que o aumento das oscilações dos preços dos ativos subitamente torna grandes demais as posições montadas na realidade anterior. A conseqüência é uma busca
frenética por redução do tamanho
das carteiras, com ordens maciças
de venda de ações e outros ativos financeiros.
Foi exatamente esse fenômeno
que ocorreu nos últimos dez meses:
os indicadores de volatilidade vinham em nível muito baixo, em razão do cenário extremamente positivo da economia mundial. Foi isso
que levou o mercado como um todo
a ficar vulnerável a qualquer turbulência não prevista.
No Brasil essa situação de calmaria mundial criou as condições para
uma grande euforia nos mercados
de ações e juros futuros. Apenas no
primeiro bimestre deste ano, sete
novas empresas abriram seu capital
no mercado de ações, e o total de
operações previsto para 2007 passa
de 60. Como diz um arguto banqueiro do setor, "não temos mais, nos
próximos meses, dias úteis disponíveis para novas aberturas de capital". Além disso, os juros longos
-entre 2009 e 2012- chegaram a ficar bastante abaixo de 12% ao ano,
fato inédito.
Esse cenário de céu de brigadeiro
sofreu um forte abalo na madrugada
do dia 27 de fevereiro, com uma queda de mais de 8% nos preços das
ações de empresas chinesas negociadas na Bolsa de Valores de Xangai. Uma marca interessante nestes
momentos de quase pânico é que o
fato que originou a onda de venda
vai sendo substituído por outros
motivos mais relevantes, ao longo
do processo de contaminação de todos pelo pessimismo. Quando o
mercado americano foi atingido por
esse tsunami financeiro, o motivo
original -um boato sobre novas regras no mercado acionário chinês-
já tinha sido substituído por outro
muito mais grave: uma forte queda
das encomendas de bens de capital
nos Estados Unidos, que poderia indicar uma contração no investimento das empresas, em um ambiente já
conturbado pela recessão do setor
de construção civil.
Mas, como sempre, sem que seja
possível identificar uma única causa
para isso, a tranqüilidade voltou aos
mercados, deixando apenas as marcas de sangue dos prejuízos realizados, e a roda da fortuna voltou a girar
como antes. Até o próximo chilique.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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