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ARTIGO
Estatização não é a única saída
ALAN BLINDER
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"
A crise financeira fica mais
estranha a cada dia que passa.
Quando pessoas de filosofia
conservadora como Alan
Greenspan começam a falar em
estatizar bancos, você sabe que
ingressou em algum tipo de
universo paralelo. Por que tantos vêm aventando uma ideia
que soa vagamente marxista?
Estamos com alguns bancos
bem doentes nos EUA, alguns
dos quais podem não ser viáveis no longo prazo. Mas submeter um banco gigante a uma
concordata é impensável
(quem se lembra do Lehman
Brothers?). E continuar com a
tortura do falso afogamento
que está mantendo bancos
zumbis vivos é algo que custa
caro e é perigoso. Então por que
não simplesmente encarar a
verdade e fazer o que é preciso,
por mais desagradável seja, estatizando-os?
Eu acredito em encarar a verdade e fazer o que é preciso,
mas cada caso é um caso. Como
Ben Bernanke (presidente do
Federal Reserve) e Timothy
Geithner (secretário do Tesouro), não estou convencido de
que a estatização seja a única
saída, nem sequer a melhor.
Já que "estatização" pode
significar muitas coisas, vamos
começar por deixar claro do
que trata a discussão atual.
Imagine que o governo adquira
uma participação majoritária
em um banco -talvez até mesmo 100% dele-, elimine os
acionistas existentes e instale
uma direção nova. Então, em
algum momento posterior, um
banco saudável é vendido de
volta a proprietários privados, e
todos vivemos felizes para sempre. É essa a ideia, pelo menos.
Soa bom? E a Suécia não fez
isso com muito êxito no início
da década de 1990? É verdade, e
os suecos merecem ser elogiados por isso. Mas não estamos
na Suécia. Pensemos em algumas das desvantagens de se estatizar bancos nos EUA.
Para começo de conversa, o
governo sueco teve que lidar
com um punhado de bancos
apenas; os EUA têm mais de
8.300. Os números importam,
porque não é fácil decidir onde
traçar os limites da estatização
(ou seja, quais estatizar).
Suponhamos que estatizássemos quatro bancos. O banco
número cinco se veria em desvantagem grave ao competir
por recursos com os quatro
bancos apoiados pelo governo.
Obrigado a pagar juros mais altos para atrair depositantes e
outros credores, sua lucratividade seria prejudicada. Em
pouco tempo o banco cinco poderia começar a parecer um
bom candidato à estatização,
também -seguido pelos bancos seis, sete e assim por diante.
Geithner já destacou que os
governos não estão bem situados para administrar empresas.
Eu concordo e digo mais: supervisionar a direção de dezenas, centenas ou talvez até milhares de bancos estatizados
seria uma tarefa desanimadora.
O processo de estatização e
reprivatização transcorreu espantosamente bem na Suécia
em parte porque foi altamente
livre de ingerência política. Nos
EUA seria a mesma coisa? Minha aposta é que não.
Finalmente, porque a estatização contraria tradições e atitudes americanas profundamente entranhadas, há o perigo
de que possa prejudicar a confiança, em lugar de reforçá-la.
Como disse antes, não estamos na Suécia. Claro que o Tesouro jamais empregaria o termo "estatização" em público
-inventaria eufemismos. Mas
a comunidade dos comentaristas não teria papas na língua.
Tudo isso dito, há argumentos em favor da estatização. Ou
será que existem mesmo?
Um deles é que os bancos estão se desviando do rumo certo,
custando aos contribuintes
mais e mais dólares de socorro
(pense no AIG). Mas vale recordar que o governo já possui
ações em muitos bancos e que
os supervisores têm poderes
imensos para influir sobre os
bancos, sem ser donos deles.
Considerando que o Fed já pode mais ou menos ditar aos
bancos o que fazer, que poderes
adicionais a estatização traria?
Outro argumento é que os
ativos escusos dos bancos são
difíceis de avaliar, o que faz
com que seja impossível saber
quanto de capital eles precisam. Isso também é verdade.
Mas a estatização não fará esse
problema desaparecer.
Se o governo assume o controle de um banco, os contribuintes tacitamente adquirem
seus ativos, herdando todas as
incertezas de avaliação. E, se o
banco tem valor líquido negativo quando é estatizado, quem
você acha que terá que preencher esse buraco?
Assim, olhando mais de perto, os argumentos mais convincentes em favor da estatização
são na realidade argumentos
em favor de fazer o que é preciso, mesmo que seja desagradável. Pior ainda -a simples discussão da estatização pode ser
prejudicial se impuser mais
pressão às ações dos bancos para que sejam vendidas. Afinal,
quem quer ser dono de ações
cujo valor está caindo para o zero? É por isso que Bernanke e
Geithner vêm se esforçando
para abafar rumores de que a
estatização estaria a caminho.
Infelizmente, os desmentidos deles nunca podem ser categóricos. Se o pior realmente
acontecer, as outras opções poderão sumir, deixando o governo sem outra escolha senão estatizar alguns bancos (pense
em Fannie Mae e Freddie
Mac). Mas, por favor, vamos
avançar sem pressa. Vamos começar por explorar o que é conhecido como a abordagem
"banco bom, banco ruim".
A ideia básica é dividir cada
instituição adoentada em duas
partes. O "banco bom" fica com
os ativos bons. Como instituição saudável, supõe-se que ele
consiga levantar mais capital e
levar adiante sua vida. O "banco
ruim" herda os ativos podres e
o resto do capital -que, depois
da desvalorização correta dos
ativos, não será suficiente. Assim, mais uma vez, alguém terá
que preencher o buraco.
Eis uma previsão: cedo ou
tarde vamos chegar à solução
"banco bom, banco ruim". Não
seria bom que fosse cedo?
ALAN S. BLINDER é professor de economia e assuntos públicos em Princeton e ex-vice-presidente do Federal Reserve.
Tradução de CLARA ALLAIN
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