São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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Superávit comercial depende de recessão

RICARDO GRINBAUM
ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

A nova meta de resultado da balança comercial acertada com o FMI divide empresários e economistas. Para boa parte dos especialistas, o salto é muito grande e só pode ser obtido com uma recessão ainda mais dura do que a prevista.
No ano passado, o Brasil teve um déficit comercial de aproximadamente US$ 6 bilhões. Pelo acordo divulgado ontem, as exportações ultrapassariam as importações em US$ 11 bilhões em 1999.
Em um ano, o Brasil teria de reverter a corrente comercial em US$ 17 bilhões. Com um problema adicional: nos dois primeiros meses do ano, as exportações caíram mais de 12% em relação ao ano anterior, devido ao clima de incerteza gerado pela desvalorização do real.
"As exportações demoram a reagir, especialmente porque há pouco crédito para financiar as empresas", diz Marcus Vinícius Pratini de Moraes, presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB). "Se as condições melhorarem, podemos ter o saldo de US$ 11 bilhões num período de 12 meses, de maio de 1999 a maio do ano 2000."
A meta acertada com o Fundo prevê uma queda de 21,4% nas importações e um aumento de 10% nas exportações em 1999.
"Embora tenhamos hoje uma vantagem significativa de preços, essa meta não é factível porque há escassez de crédito às exportações", diz Herman Wever, presidente da Siemens do Brasil.
Além disso, diz Wever, o Brasil, como resultado de cinco anos de câmbio sobrevalorizado, aumentou o coeficiente de importações, "que não cai do dia para a noite", perdeu clientes e deixou de ser exportador em áreas importantes. A Siemens estima um saldo comercial de US$ 4 bilhões neste ano.
Para o economista-chefe do banco Lloyds, Odair Abate, é difícil obter um crescimento expressivo das exportações porque o preço dos principais produtos brasileiros está baixo e a economia mundial está desacelerando.
Abate acha possível cumprir a meta acertada com o FMI, se houver uma mudança no cenário externo ou um aprofundamento da recessão no Brasil.
"Se houver uma retração maior do que os 3,5% a 4% previstos, é possível que as importações caiam mais do que 25%", diz Abate.
Nos cálculos do Lloyds, o Brasil terá um superávit de US$ 8 bilhões em 1999, fruto de um aumento de 3% a 4% das exportações e de uma queda de 20% nas importações.
O economista José Márcio Camargo, da PUC-RJ, também acredita que a meta possa ser cumprida, mas desde que ocorra uma retração de 5% a 6% do PIB.
Alexandre Azara, do banco BBA, está mais confiante. "É perfeitamente possível chegar ao superávit de US$ 11 bilhões em 99", diz Azara. O BBA aposta num superávit de pelo menos US$ 10 bilhões. "As importações vão cair 25% e as exportações crescerão 3% em 1999."
Nas contas de Azara, as importações vão se manter em baixa até julho e, por isso, não será preciso provocar uma recessão ainda mais forte do que a prevista até agora.

Meta de inflação
Outra novidade do acordo com o FMI foi a definição de uma nova estratégia, conhecida como "inflation target". A estratégia estabelece como objetivo prioritário do BC atingir uma meta preestabelecida de inflação, mesmo que, para isso, seja necessário aumentar mais os juros e provocar mais recessão.
"Quem faz política econômica é o Ministério da Fazenda", diz Azara, do BBA. "A prioridade do BC é controlar a inflação."
Segundo Dany Rappaport, do Santander, "o câmbio fixo segurava os preços, agora a meta deve ser a inflação. Mas não é uma mudança de estratégia. Qualquer Banco Central tem de zelar pela moeda."
A "inflation target" tem sido usada por países que abandonaram a âncora cambial, como a Nova Zelândia, que teve inflação de 15%, em 1990. Em seis anos, a taxa caiu para 2%. No primeiro momento, o desemprego saltou de 5% para 12%, mas voltou a cair para 4,5%. "É uma política que exige forte compromisso do governo, mas é o único caminho para o Brasil nesse momento", diz Camargo.


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