São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Não há tragédia nem espetáculo à vista

DA REDAÇÃO

A atividade econômica vai bem; já as finanças... A ladainha é recorrente desde que o país ganhou a tacha de emergente: o Brasil estava preparado para crescer, veio uma crise internacional e jogou tudo por água abaixo. A ironia desgastada nestes dias de "mercado nervoso" parece prestes a armar-se novamente.
Há rara sincronia de indicadores mostrando que, do lado real, tudo está no azul. Primeiro foi o bonde dos exportadores, depois o da geladeira, do fogão e do celular. A crédito. Por fim, o consumo de comida conseguiu botar uma narina para fora do lodaçal em que ficara imerso.
A dureza da política monetária e o dólar benfazejo num período de bonança internacional fizeram a inflação murchar drasticamente. E, ao final do espetáculo, ali estava um raro exemplar de poder de compra. Salários reajustados com base em inflação mais gorda para atuar em regime de preços bem mais ameno. Mas, por ora, nada de recuperação de emprego.
Pois é neste exato momento que se inicia uma mudança do ciclo financeiro internacional. Está no horizonte um cenário de juro externo certamente mais alto; de petróleo e atividade chinesa incertamente mais baixos.

Prazos mais curtos
Como se não bastasse, o Tesouro Nacional, como revelou a Folha, foi levado a encurtar parte de sua dívida. Trocou papéis longos por outros, mais curtos. A batalha está em curso, e o objetivo é o de evitar uma debandada maior de credores, um novo pânico na classe média poupadora.
Nesse ambiente, a meta de 16% ao ano para títulos de um dia, fixada pelo Banco Central, tem o efeito da lâmpada para a mariposa. O porto seguro do dinheiro à mão e rendendo bem tende a ser mais atrativo do que o papel a vencer num futuro mais distante.
O BC, porém, afirma que não baixa o prêmio pago nesses títulos mais curtos -estimulando a procura pelos mais longos- porque essa é uma decisão da política monetária que objetiva manter a inflação sob controle.

Colchão exportador
Mas, por ora, a repetição da narrativa trágica -o ciclone extratropical da finança derrubando a atividade doméstica- é uma hipótese menos provável. E isso por dois motivos principais.
Em primeiro lugar, não está no cenário da média dos analistas a elevação abrupta da taxa de juros da economia americana, quanto mais em período eleitoral.
O outro colchão contra sobressaltos são as exportações brasileiras girando na casa dos US$ 80 bilhões anuais. Uma exigência extra de financiamento externo custará menos à atividade interna do que já custou em outras ocasiões. Além disso, setores que exportam e substituem importações já há algum tempo são alvo privilegiado dos parcos investimentos novos que surgem no país.
Os riscos maiores do turvamento do cenário externo são três: o de um desfecho que não seja o de moderação no preço do petróleo e no crescimento chinês; o de uma reação desmedida ao novo quadro por parte do Banco Central do Brasil; e o do abalo que esse ambiente mais incerto pode exercer sobre a decisão das empresas por novos investimentos.
Os dois últimos fatores, em especial, teriam o condão de afetar não propriamente a atividade neste ano, mas o crescimento e o nível de emprego futuros.
Mas e se tudo der certo? E se os juros americanos forem subindo lentamente e o petróleo e a economia chinesa desacelerando suavemente? O Brasil estará pronto para sustentar e acelerar a sua taxa de crescimento econômico?
Nesse ponto, restam mais dúvidas que certezas. Um exemplo de um tema com múltiplas variações: dados dos concessionários de rodovias mostram que o tráfego de caminhões cresceu 12% em março sobre o mesmo mês do ano passado, 2,4% sobre fevereiro deste ano e está num patamar 20% acima da média de 1999.
Sem investimentos que possam recuperar e ampliar a capacidade de escoamento da produção, que exigem mobilização de grande escala de capital, é improvável que as estradas do país suportem esse ritmo de crescimento por um período mais longo.
Os juros ainda altos, o Estado descapitalizado e as regras setoriais mal paradas atuam como entraves à ampliação do investimento, único modo civilizado de diminuir a taxa de desemprego, que hoje beira os 13%.
Não parece haver mudança explosiva do cenário internacional. Tampouco o Brasil se destaca como um dínamo em flor. Não há à vista tragédia nem vocação épica. (VINICIUS MOTA)


Texto Anterior: Crédito pessoal eleva o consumo de bens duráveis
Próximo Texto: Rascunho de crescimento: Indústria registra alta de 9,9% nas vendas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.