São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Presidente só aceita prosseguir com 4,5% para inflação de 2005 se equipe econômica continuar reduzindo a Selic

Lula exige juro menor para manter meta

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para manter a meta de inflação do ano que vem em 4,5%, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exige o compromisso da equipe econômica de que a taxa básica de juros, hoje em 16% ao ano, continue a cair e, na eventualidade de um choque externo, não volte a ser elevada.
A Folha apurou que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, que resiste a alterar a meta de inflação de 2005, já iniciou articulações nos bastidores com o presidente do BC (Banco Central), Henrique Meirelles, para satisfazer o desejo presidencial. Palocci trabalha nesse sentido mesmo sabendo que não é possível dar garantia completa de que, num cenário extremo, o governo possa evitar aumento de juros.
Essa é a saída política encontrada por Palocci para tentar evitar uma derrota no debate econômico aberto pelo próprio presidente no último dia 15 de abril, ao realizar uma reunião ampla com ministros de várias áreas e líderes congressuais a fim de discutir a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2004. A LDO, enviada ao Congresso em abril último, fixa regras para a elaboração do Orçamento de 2005, cuja proposta será fechada em agosto.
Nessa reunião, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), e o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) defenderam a mudança da meta de inflação de 2005 de 4,5% para 5,5%. O argumento, que sensibilizou Lula, foi o de dar mais espaço para manter o ritmo de queda dos juros básicos.
No regime de metas de inflação adotado pelo Brasil, a política monetária (juros) é feita de forma mais ou menos restritiva para atingir o chamado centro da meta. Se a meta de 2005 fosse alterada, o BC poderia ser mais flexível na política monetária, já que trabalharia com uma meta maior.
Em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o governo mudou a meta de inflação para 2003, que subiu de 3,75% para 4%. No ano passado, o governo Lula também alterou a meta de inflação de 2004, que passou de 3,75% para 5,5%.
Ainda em 2002, o governo também elevou de 2 pontos percentuais para 2,5 pontos a banda de variação da meta de inflação. Esse intervalo foi mantido para este ano. Ou seja, a meta de inflação de 2004 terá sido cumprida se o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) estiver entre 3% e 8%. De janeiro a abril, o IPCA, índice oficial da meta de inflação, acumula alta de 2,23%.

Meirelles sob pressão
O argumento principal de Palocci é que o efeito da mudança da meta de 2005 seria nulo, pois já existe a banda de variação. No limite, a inflação do ano que vem poderia atingir até 7%. Mas Mercadante e Ciro rebateram essa alegação, ao dizer que o BC tem se comportado de forma ortodoxa e mirado no centro da meta.
Ou seja, se o BC evita usar a banda, precisa ser mais conservador na política monetária, e isso inibe o crescimento econômico. Daí Mercadante e Ciro insistirem na alteração da meta para 5,5% (8% no limite máximo da banda).
Na época, Lula comprou a idéia porque estava muito contrariado com o BC. No final de 2003, o presidente deu demonstrações explícitas de satisfação com Meirelles. Mas, hoje, está insatisfeito.
Lula avalia que o Comitê de Política Monetária, órgão do Banco Central que se reúne mensalmente para fixar a taxa de juros, errou em janeiro e fevereiro, quando manteve inalterada a taxa Selic.
Para Lula, essa posição do BC inverteu o clima de otimismo que se desenhou em relação a 2004 no final de 2003. Na seqüência, o governo viveu sua pior crise política (caso Waldomiro Diniz) e as dificuldades do "abril vermelho" (invasões do MST, greves, recrudescimento da violência no Rio e em Rondônia). O clima político ruim contribuiu para diminuir a expectativa otimista em relação à economia e gerou caldo de cultura para críticas à gestão econômica.
A Folha apurou que Lula já disse a mais de um interlocutor que Meirelles precisa deixar de pensar que "preside o Banco Central da Dinamarca". Foi no contexto dessa insatisfação que prosperou a idéia de mudar a meta de inflação.
Em junho, o CMN (Conselho Monetário Nacional), organismo formado por Palocci, Meirelles e o ministro Guido Mantega (Planejamento), faz a reunião na qual deve definir a meta de inflação de 2006. Seria, na visão de Mercadante e Ciro, a hora de rever a meta de inflação de 2005.
Como Mercadante falou sobre o tema publicamente, Palocci ficou contrariado. E passou a bombardear a idéia. Chegou a estudar a opção de fixar a meta de inflação com base no "núcleo" do IPCA.
Usar o núcleo do IPCA, que expurga efeitos sazonais, como choques externos, daria mais credibilidade ao mecanismo. O núcleo é um índice mais estável, já que sofre menos influência dos fatores sazonais. Mas essa idéia, hoje, está em segundo plano.
O presidente teve uma conversa franca com Palocci. Disse-lhe que a manutenção de um superávit primário alto, de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto), era insustentável politicamente com taxas de juros nas alturas.
Lula, então, exigiu o compromisso de diminuição das taxas de juros e o de não aumentá-las caso ocorra um choque externo. Do contrário, o governo se arriscaria a "jogar fora", segundo expressão presidencial, o sacrifício fiscal feito até agora.
A exigência de Lula explica também por que o ministro da Casa Civil, José Dirceu, disse publicamente na última semana que o Brasil deve perseguir uma taxa de juros real (descontada a inflação) de 6% ao ano. Hoje está pouco abaixo dos 10%. Com uma taxa real ao redor de 6%, Lula acredita que a evolução da dívida pública em relação ao PIB vá ficar sustentável e acabará com temores dos investidores em relação a eventual reestruturação do débito.


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