São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIAS DE TENSÃO

Efeitos podem ser piores do que os vividos antes da Guerra do Iraque

Demanda alta agrava crise do petróleo, dizem analistas

JOSÉ ALAN DIAS
CÍNTIA CARDOSO

DA REPORTAGEM LOCAL

Os efeitos da atual crise do petróleo podem ser muito mais sérios do que os causados no período pré-Guerra do Iraque (2003), avaliam analistas do setor ouvidos pela Folha.
O maior argumento: desta vez, a alta de preços ocorre em um período de ""prosperidade mundial", puxada pelo aumento da atividade econômica nos EUA e pela voraz expansão da economia chinesa. Ou, como resume Heliodoro Quintero, ex-governador da Venezuela na Opep (a organização dos países exportadores): ""Se descontarmos os eventos pontuais, constataremos que essa crise decorre mais de um processo natural, de aumento de demanda e de uma capacidade por ora saturada de produção do que de elementos conjunturais".
É fato que nos últimos dias se acumularam eventos com poder de catalisar a crise: o assassinato de funcionários de uma refinaria na Arábia Saudita (disseminando o temor de que essas instalações virem alvo de terrorismo) e o novo risco de interrupção na produção de petróleo no Iraque (2,4 milhões de barris/dia), que não poderia ser suprida de imediato pelos demais produtores mundiais.
Na última turbulência nos preços, em 2003, a maior cotação do barril do petróleo negociado em Nova York foi US$ 37,83, registrada em 12 de março daquele ano -ou seja, uma semana antes de os EUA deflagrarem a ofensiva militar contra o Iraque. Na última sexta, o barril fechou cotado a US$ 39,93 -alta de 6,82% na semana.
As contas apresentadas pelos analistas são as seguintes: os países-membros da Opep têm uma cota de produção limitada a 23,5 milhões de barris/dia. A própria Opep, no entanto, já havia aumentado essa cota nos últimos meses para 25 milhões de barris (descontado o Iraque). Mesmo que a Opep incremente de novo a cota de produção, em sua reunião no próximo dia 3, no Líbano, somente Arábia Saudita e Kuait teriam capacidade ociosa para aumentar em 1 milhão de barris e em 300 mil barris, respectivamente, sua produção diária. ""Os demais países produtores estão no limite ou muito próximo disso. Ficamos na dependência de descobertas no mar Cáspio ou de novos poços que possam ser explorados em pouco tempo no Oriente Médio", afirma Quintero.
Além disso, os estoques dos EUA, país que detém 5% da população mundial, mas consome 45% do petróleo produzido, estão 3,3 milhões de barris/dia abaixo do nível considerado normal.
O analista Paulo Gomes, da Global Invest, avalia que a atual crise não guarda margens de comparação com o grande choque do petróleo no final dos anos 70. Primeiro porque, afirma ele, o mercado mundial está mais protegido depois do desenvolvimento de combustíveis alternativos. Lembra ainda que o número de países produtores aumentou (embora os custos de exploração também).
Para os países emergentes, como o Brasil, o impacto dos altos preços do produto pode ser preocupante. "Esses países, especialmente aqueles com setor industrial em expansão, são muito vulneráveis. Isso também é verdade para países que têm moedas atreladas ao dólar", avaliou Nariman Behravesh, economista da consultoria Global Insight.
A Petrobras já estaria se utilizando de um "colchão" de R$ 2 bilhões, formado no ano passado graças à prática de preços dos combustíveis acima dos níveis do mercado internacional, para evitar reajuste agora, segundo os cálculos de Adriano Pires Rodrigues, do CBIE (Centro Brasileiro de Infra-Estrutura).
""Essa é uma crise semelhante à pré-Guerra do Iraque. Até pior, pois hoje a economia americana está com um nível de atividade econômica bem mais elevado, depois do forte crescimento do PIB [nos últimos 12 meses, a economia americana cresceu 4,9%]", diz Gomes. ""Esse maior nível de atividade, somado à China, se traduz em maior demanda."
O analista da Global Invest enumera problemas adicionais em países produtores, como Argélia, Nigéria e Geórgia.
""Pelo menos até o final do verão nos EUA os preços vão oscilar de US$ 35 a US$ 40. Se por algum motivo tivermos uma interrupção no Iraque, os efeitos serão mais graves", diz Quintero.
Segundo Behravesh, a atual cotação do petróleo vai comprometer o desempenho da economia norte-americana.


Texto Anterior: Receita ortodoxa: Lula exige juro menor para manter meta
Próximo Texto: Varejo: Londrina barra área pedida pelo Wal-Mart
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.