São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CENÁRIOS
Fim da prosperidade dos EUA traria sérios problemas à economia brasileira devido à dependência de capitais
Novo risco para o Brasil é "crash" em NY

RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local

A velha -e polêmica- frase nunca foi tão verdadeira: o que é bom para os Estados Unidos, também é bom para o Brasil. Pelo menos no campo da economia, a estabilidade brasileira está diretamente associada à prosperidade norte-americana. Qualquer oscilação nos EUA, seja uma lenta desaceleração na economia ou um "crash" na Bolsa de Nova York, deve trazer sérios problemas para o Brasil.
O Brasil continua extremamente vulnerável às crises externas, mesmo depois da desvalorização do real. Apesar de não ter de defender a moeda de um ataque especulativo, o país ainda depende de capital volátil para equilibrar a taxa de câmbio e as contas externas.
"Vivemos em um mundo perigoso e interligado. Independentemente de onde a crise ocorra ainda estamos vulneráveis. A taxa de câmbio flutuante nos dá mais flexibilidade, mas a economia brasileira já foi muito machucada pelas crises", diz Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central.
Para o ex-ministro Mailson da Nóbrega, "as consequências de uma crash na Bolsa de Nova York seriam terríveis, especialmente porque estamos num momento de transição e o Brasil ainda depende muito de financiamento externo."

Margem de manobra
Em crises anteriores, como a da Ásia, em 1997, e a da Rússia, em 1998, o governo subiu a taxa de juros para conter a saída de dólares e prometeu cortar gastos para afastar o risco de moratória. Se ocorrer um novo choque, o Brasil não terá a mesma margem de manobra.
Não há muito espaço para aumentar os juros porque o crescimento da dívida pública é a principal preocupação dos investidores. Além disso, o governo ainda está tentando recuperar a credibilidade que foi arranhada por não ter equilibrado as contas públicas.
"A boa notícia depois da desvalorização foi a inflação, menor do que se previa. Mas temos pontos vulneráveis nas contas fiscais e na balança comercial, o que aumenta nossa dependência do capital volátil", diz Roberto Teixeira da Costa, presidente do Conselho de Empresários da América Latina.
O primeiro efeito de um choque externo sobre a economia seria a fuga de capitais. Num sistema de câmbio fixo, o governo teria de gastar reservas internacionais para manter a estabilidade da moeda.
A vantagem da nova política de câmbio é que, se a crise não for muito forte, pode ser amortecida pela oscilação da moeda, como no México. "Antes da desvalorização, uma crise externa gerava um problema mais grave. Agora, parte do ajuste é feito por meio da taxa de câmbio", diz o ex-ministro Marcílio Marques Moreira.
Com a saída de capitais, a moeda se desvaloriza, o que encarece as importações e torna as exportações mais competitivas. A desvalorização poderia levar a uma maior pressão por aumento de preços e, provavelmente, a mais recessão.
"Como o Brasil está dando prioridade ao cumprimento das metas para a inflação, o mais provável é que, em caso de choque externo, ocorresse uma forte recessão para conter a alta dos preços", diz o economista José Márcio Camargo.

Desastre internacional
Uma das razões que explicam a surpreendente recuperação brasileira é a melhora no ambiente internacional. No último trimestre de 1998, os países em desenvolvimento levantaram US$ 5 bilhões vendendo títulos no exterior. Nos três primeiros meses de 1999, a captação mais do que dobrou.
"Os países ricos reduziram os juros para enfrentar a crise internacional. Na Europa, é provável que os juros caiam ainda mais. Isso cria um excesso de liquidez e aumenta o interesse dos investidores pelos mercados emergentes, que pagam juros mais altos", diz Lawrence Goodman, da consultoria norte-americana LLC.
O risco é que as fontes de financiamento voltem a secar, especialmente se os EUA subirem a taxa de juros e o preço das ações cair abruptamente. "Não acredito que estejamos próximos de uma crise mundial. Mas se ocorrer um "crash" na Bolsa de Nova York será um desastre internacional. Os EUA têm sido o banco central do mundo", diz o deputado Delfim Neto.
Até aqui, os EUA têm absorvido o aumento das exportações dos países que desvalorizaram suas moedas. Nos últimos anos, o déficit comercial dos EUA saltou de aproximadamente US$ 8 bilhões para US$ 20 bilhões por mês. Se a economia dos EUA desacelerar, praticamente todos os outros países devem entrar em recessão.
O Brasil não tem como fugir de uma recessão mundial, mas pode se tornar menos vulnerável às crises. Para o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, "o Brasil precisa renovar sua pauta de exportações, a mesma há 15 anos, e se tornar um grande competidor internacional". Além disso, diz Velloso, o país precisa resolver, de vez, a questão fiscal.
Para o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, o país não pode mais depender de capital de curto prazo. "O Brasil deve reduzir sua vulnerabilidade criando alguma restrição à entrada e saída de capital de curto prazo, seja por meio de impostos ou estabelecendo prazos mínimos para aplicação no país."


Texto Anterior: Cachorro-quente sobe 50% em NY
Próximo Texto: Para Scheinkman, o risco de colapso está superestimado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.