São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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"Procuramos criar uma nova opção de agir"

do enviado especial a Nova York

Angela Mello concedeu entrevista à Folha na sexta-feira.

Folha - Como surgiu a idéia de montar essa operação? De quem é a idéia?
Angela Mello -
Tentamos olhar dois ângulos e levamos em consideração o que estava acontecendo no mercado nos dois primeiros meses do ano e no final de 1998. Do ponto de vista dos investidores, que haviam comprado emissões de empresas brasileiras, havia uma falta de liquidez no mercado secundário, o que fazia com que o preço desses papéis ficasse bastante distorcido e prejudicado. Do lado dos emissores, havia uma preocupação com o volume das amortizações (pagamentos) que virão pela frente. Só até o final do ano, acho que temos entre US$ 3 a US$ 4 bilhões a serem pagos. Mais US$ 3 bilhões no ano que vem. Além disso, a gente tentou procurar uma idéia dentro dos parâmetros de mercado...
Folha - A gente quem?
Mello
- A Goldman Sachs. A gente procurou juntar todas essas coisas e criar uma estrutura voluntária que não afetasse nada já existente, sem mudar as condições dos papéis, sem forçar ninguém a aceitar nada, sem levar o cara para a mesa para ter que conversar. Procuramos criar algo com o qual o investidor e o emissor tivessem uma nova opção de agir. É um sistema voluntário. O investidor vai trocar seu papel por esse novo bond somente se quiser.O mecanismo é simples. Estamos criando uma companhia chamada BLT. Essa companhia vai ter um ativo e um passivo. Ela vai comprar, no mercado secundário, títulos de dívidas de empresas brasileiras. Só que, em vez de pagar com dinheiro, vai pagar com um novo título, um papel de até dez anos em nome dela com uma taxa de juros que vai ser determinada por leilão, no qual haverá limites de valores máximo e mínimo pré-fixados. A BLT vai receber das empresas brasileiras de um lado e, de outro, vai pagar aos investidores. Essa emissão vai ser de, no mínimo, US$ 1 bilhão.
Folha - E se vocês não conseguirem reunir uma emissão de US$ 1 bilhão?
Mello -
Aí não tem operação. É sinal de que está todo mundo confortável com seus papéis brasileiros, que ninguém está preocupado. Aí acabou. Seria um sinal positivo.
Folha - Como é que o BNDES entrou nessa operação?
Mello
- Convidamos o BNDES para participar. Veja uma coisa. A operação já prevê um colchão de liquidez, que garante o pagamento dessa nova emissão. Mas, no evento desses fluxos de caixa não serem suficientes, por motivos de inadimplência alta ou qualquer outro, o investidor ainda tem uma proteção adicional, que seria uma garantia a ser dada pelo BNDES. Essa garantia só é ativada depois que esse colchão de liquidez não for suficiente para honrar os pagamentos da nova emissão. Mas veja que o BNDES vai dar esse apoio sob uma condição. Ele vai ficar com tudo o que sobrar depois que o último investidor for pago, depois de dez anos.
Folha - Por que a garantia do BNDES foi definida como sendo o pagamento dos juros nos dois primeiros anos?
Mello
- Essa é uma grande confusão. Geralmente as pessoas dizem que o BNDES está garantindo os primeiros dois anos de juros. Não é isso. A gente só está usando esses dois anos de juros como parâmetro de cálculo para definir qual vai ser o tamanho da garantia.
Folha - Isso significa que a garantia do BNDES pode durar os dez anos de vida da nova empresa e não somente os dois primeiros anos?
Mello
- Essa garantia está disponível durante a vida toda da empresa, mas com um valor limitado. Mas lembre-se que ela só é usada depois que se esgotar todo o colchão de reservas da nova empresa. Só depois, se precisar, o BNDES dará a garantia. O BNDES não desembolsa nada hoje. Se bobear, não vai desembolsar nunca.
Folha - Não seria melhor ter feito essa operação no mês passado, quando a situação das empresas era pior?
Mello
- O Armínio Fraga falou que essa operação teria sido melhor se tivesse sido feita em março. Lógico, eu também concordo, pois em março estava todo mundo muito mais nervoso do que está hoje. Agora, essa operação perdeu seu mérito por estar sendo feita hoje? Não. Porque ainda existem investidores que estão dispostos a vender os seus papéis a um deságio. Então a gente acha que ainda faz muito sentido. Depois a gente nunca sabe o dia de amanhã. Se acontecer um novo sufoco, o BNDES pode dizer: "que bárbaro, agora nós já temos essa BLT". É uma idéia brilhante. O BNDES deveria estar sendo louvado por estar patrocinando essa idéia. Ele não tá socorrendo, mas patrocinando uma estrutura inteligente.
Folha - Por que vocês definiram um grupo de 90 empresas cujos papéis poderiam ser trocados?
Mello
- A gente resolveu abrir para todo mundo. Não favorecemos um cliente meu. Excluímos uns poucos casos por motivos operacionais, como, por exemplo, as emissões menores que US$ 50 milhões e emissores inadimplentes.
Folha- Quantas empresas foram excluídas? Dez? Cinco? Cinquenta?
Mello
- Não posso dizer, mas muito pouco. O grande universo está incluído. Incluímos até bancos estrangeiros.
Folha - De quem foi a idéia? Foi sua?
Mello
- A idéia foi nossa. Da nossa área de mercado de capitais.
Folha - Quem fez e como foi o primeiro contato com o BNDES?
Mello
- Sei lá, não me lembro. Não sei se isso é relevante. O BNDES é um cliente nosso, a gente está sempre conversando com ele. Numa dessas visitas a gente mencionou essa idéia e eles acharam uma idéia superinteligente.
Folha- Quando?
Mello
- Foi no ano passado, final do ano passado, depois da crise da Rússia. A gente já tinha a idéia, mas fomos evoluindo nos detalhes.
Folha- A Goldman Sachs não poderia ser acusada de estar protegendo seus próprios clientes ao sugerir uma idéia para o BNDES que vai favorecê-los? Quantas empresas que fazem parte da lista são clientes da Goldman Sachs?
Mello
- Isso não faz nenhum sentido. Estamos tentando achar uma solução para resolver o problema de todas as empresas brasileiras. Estou dando para todas as empresas brasileiras uma alternativa de financiamento adicional.


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