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"Procuramos criar uma nova opção de agir"
do enviado especial a Nova York
Angela Mello concedeu entrevista à Folha na sexta-feira.
Folha - Como surgiu a idéia de
montar essa operação? De quem é
a idéia?
Angela Mello - Tentamos olhar
dois ângulos e levamos em consideração o que estava acontecendo
no mercado nos dois primeiros
meses do ano e no final de 1998. Do
ponto de vista dos investidores,
que haviam comprado emissões
de empresas brasileiras, havia uma
falta de liquidez no mercado secundário, o que fazia com que o
preço desses papéis ficasse bastante distorcido e prejudicado. Do lado dos emissores, havia uma preocupação com o volume das amortizações (pagamentos) que virão
pela frente. Só até o final do ano,
acho que temos entre US$ 3 a US$
4 bilhões a serem pagos. Mais US$
3 bilhões no ano que vem. Além
disso, a gente tentou procurar uma
idéia dentro dos parâmetros de
mercado...
Folha - A gente quem?
Mello - A Goldman Sachs. A gente procurou juntar todas essas coisas e criar uma estrutura voluntária que não afetasse nada já existente, sem mudar as condições dos
papéis, sem forçar ninguém a aceitar nada, sem levar o cara para a
mesa para ter que conversar. Procuramos criar algo com o qual o investidor e o emissor tivessem uma
nova opção de agir. É um sistema
voluntário. O investidor vai trocar
seu papel por esse novo bond somente se quiser.O mecanismo é
simples. Estamos criando uma
companhia chamada BLT. Essa
companhia vai ter um ativo e um
passivo. Ela vai comprar, no mercado secundário, títulos de dívidas
de empresas brasileiras. Só que,
em vez de pagar com dinheiro, vai
pagar com um novo título, um papel de até dez anos em nome dela
com uma taxa de juros que vai ser
determinada por leilão, no qual
haverá limites de valores máximo e
mínimo pré-fixados. A BLT vai receber das empresas brasileiras de
um lado e, de outro, vai pagar aos
investidores. Essa emissão vai ser
de, no mínimo, US$ 1 bilhão.
Folha - E se vocês não conseguirem reunir uma emissão de US$ 1
bilhão?
Mello - Aí não tem operação. É sinal de que está todo mundo confortável com seus papéis brasileiros, que ninguém está preocupado. Aí acabou. Seria um sinal positivo.
Folha - Como é que o BNDES entrou nessa operação?
Mello - Convidamos o BNDES
para participar. Veja uma coisa. A
operação já prevê um colchão de
liquidez, que garante o pagamento
dessa nova emissão. Mas, no evento desses fluxos de caixa não serem
suficientes, por motivos de inadimplência alta ou qualquer outro,
o investidor ainda tem uma proteção adicional, que seria uma garantia a ser dada pelo BNDES. Essa
garantia só é ativada depois que esse colchão de liquidez não for suficiente para honrar os pagamentos
da nova emissão. Mas veja que o
BNDES vai dar esse apoio sob uma
condição. Ele vai ficar com tudo o
que sobrar depois que o último investidor for pago, depois de dez
anos.
Folha - Por que a garantia do
BNDES foi definida como sendo o
pagamento dos juros nos dois primeiros anos?
Mello - Essa é uma grande confusão. Geralmente as pessoas dizem
que o BNDES está garantindo os
primeiros dois anos de juros. Não é
isso. A gente só está usando esses
dois anos de juros como parâmetro de cálculo para definir qual vai
ser o tamanho da garantia.
Folha - Isso significa que a garantia do BNDES pode durar os dez
anos de vida da nova empresa e
não somente os dois primeiros
anos?
Mello - Essa garantia está disponível durante a vida toda da empresa, mas com um valor limitado.
Mas lembre-se que ela só é usada
depois que se esgotar todo o colchão de reservas da nova empresa.
Só depois, se precisar, o BNDES
dará a garantia. O BNDES não desembolsa nada hoje. Se bobear,
não vai desembolsar nunca.
Folha - Não seria melhor ter feito
essa operação no mês passado,
quando a situação das empresas
era pior?
Mello - O Armínio Fraga falou
que essa operação teria sido melhor se tivesse sido feita em março.
Lógico, eu também concordo, pois
em março estava todo mundo
muito mais nervoso do que está
hoje. Agora, essa operação perdeu
seu mérito por estar sendo feita
hoje? Não. Porque ainda existem
investidores que estão dispostos a
vender os seus papéis a um deságio. Então a gente acha que ainda
faz muito sentido. Depois a gente
nunca sabe o dia de amanhã. Se
acontecer um novo sufoco, o
BNDES pode dizer: "que bárbaro,
agora nós já temos essa BLT". É
uma idéia brilhante. O BNDES deveria estar sendo louvado por estar
patrocinando essa idéia. Ele não tá
socorrendo, mas patrocinando
uma estrutura inteligente.
Folha - Por que vocês definiram
um grupo de 90 empresas cujos
papéis poderiam ser trocados?
Mello - A gente resolveu abrir para todo mundo. Não favorecemos
um cliente meu. Excluímos uns
poucos casos por motivos operacionais, como, por exemplo, as
emissões menores que US$ 50 milhões e emissores inadimplentes.
Folha- Quantas empresas foram
excluídas? Dez? Cinco? Cinquenta?
Mello - Não posso dizer, mas
muito pouco. O grande universo
está incluído. Incluímos até bancos estrangeiros.
Folha - De quem foi a idéia? Foi
sua?
Mello - A idéia foi nossa. Da nossa área de mercado de capitais.
Folha - Quem fez e como foi o primeiro contato com o BNDES?
Mello - Sei lá, não me lembro.
Não sei se isso é relevante. O
BNDES é um cliente nosso, a gente
está sempre conversando com ele.
Numa dessas visitas a gente mencionou essa idéia e eles acharam
uma idéia superinteligente.
Folha- Quando?
Mello - Foi no ano passado, final
do ano passado, depois da crise da
Rússia. A gente já tinha a idéia,
mas fomos evoluindo nos detalhes.
Folha- A Goldman Sachs não poderia ser acusada de estar protegendo seus próprios clientes ao sugerir uma idéia para o BNDES que
vai favorecê-los? Quantas empresas que fazem parte da lista são
clientes da Goldman Sachs?
Mello - Isso não faz nenhum sentido. Estamos tentando achar uma
solução para resolver o problema
de todas as empresas brasileiras.
Estou dando para todas as empresas brasileiras uma alternativa de
financiamento adicional.
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