São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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MERCOSUL
Economistas dizem que a crise começou a piorar com moratória russa, que fechou crédito a países emergentes
Real fraco só agrava recessão argentina

ANDRÉ SOLIANI
de Buenos Aires

A recessão argentina começou antes da desvalorização do real. A crise brasileira dificulta e prolonga o processo de recuperação, mas não pode ser responsabilizada por todas as mazelas do país vizinho.
A análise é de economistas argentinos de importantes centros de estudos econômicos, consultados pela Folha. Segundo eles, a moratória russa, que restringiu o acesso de países emergentes a capitais externos, marca o início da crise (ver quadro).
Além do contexto de menor disponibilidade de financiamentos externos, a dificuldade da indústria argentina de exportar seus produtos é importante fator na recessão, afirma Luis Secco, economista-chefe do Instituto Broda.
Segundo ele, uma queda no ritmo de crescimento do mundo e do comércio exterior dificulta o acesso aos mercados estrangeiros.

Paridade fixa
A alta do dólar diante das demais moedas também passou a encarecer os produtos argentinos devido ao Plano de Convertibilidade, que atrela o peso ao dólar, afirma Juan Luis Bour, economista chefe da Fiel (Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas).
Como se não bastasse, os principais produtos de exportação da Argentina enfrentam um queda de preço no mercado internacional. As commodities agrícolas estão 30% mais baratas em relação aos preços médios do últimos 20 anos, estima Secco.
"Quando o Brasil desvalorizou o real, restringindo um dos únicos mercados ao qual a Argentina ainda possuía fácil acesso, ficamos no pior dos mundos", afirma o economista-chefe do Broda.
Mas a dinâmica da crise argentina mostra que o mercado financeiro sentiu mais o impacto da crise russa do que o da desvalorização do real, apontam os economistas.

Juros
Os juros, por exemplo, tiveram um pico de 19% ao ano em setembro. A crise russa foi em agosto. Depois da desvalorização do real, os juros mais altos foram de 15,77%, no final de janeiro. Em abril, a taxa já estava abaixo do patamar anterior ao da própria crise russa.
Outro dado, que mostra que a recessão argentina é anterior à desvalorização do real, é o volume de crédito ao sistema privado, que parou de crescer em agosto, segundo Carlos Korcarz, vice-presidente da consultoria Cima. O volume de crédito é importante porque determina investimentos e influi no nível de consumo.
Segundo Ernesto Kritz, diretor executivo da SEL (Sociedade de Estudos Laborais), a recessão anterior à desvalorização do real também teve maior influência sobre o nível de desemprego.
Kritz estima que a queda do comércio com o Brasil deverá contribuir com um acréscimo de 0,4 ponto percentual na taxa de desemprego. Segundo estimativas do Instituto Broda, a taxa de desemprego, que estava em 12,4% em 98, deve chegar a 16,5%.

Real fraco
Para Andrés Ferrari, economista do Instituto de Estudos Brasileiros, a crise brasileira, no entanto, não pode ser subestimada. "A queda do real fechou uma das poucas saídas para os produtos argentinos ainda existentes."
Para Ferrari, "as condições para crise argentina estavam postas antes da queda do real".
A ABA (Associação de Bancos da Argentina) concorda com análise de Ferrari. Segundo eles, embora o impacto no sistema financeiro tenha sido limitado, uma deterioração das empresas, que não conseguem exportar, pode colocar em crise o sistema bancário.


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