São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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PERDAS E DANOS

Ajuste fiscal de FHC seria mantido em 2003, diz Mantega; metas de inflação seriam "aperfeiçoadas"

Para economista de Lula, BC será autônomo

VINICIUS TORRES FREIRE
EDITOR DE DINHEIRO

O PT manteria o superávit fiscal de pouco mais de 3% do PIB, tal como o estipulado pelo Orçamento do ano que vem, que está sendo elaborado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Em algum momento de um hipotético governo do PT, o Banco Central teria autonomia maior do que tem hoje. O PT manteria um sistema de metas para controlar a inflação, algo modificado, embora respeitando a meta fixada pelo governo FHC para o ano que vem. É o que diz um dos principais assessores econômicos de Luiz Inácio Lula da Silva, o ítalo-brasileiro (ou brasileiro e italiano) Guido Mantega, 53, professor de economia da FGV, ex-diretor de Orçamento da prefeitura de São Paulo no governo da ex-petista Luíza Erundina (1989-1992). O economista nasceu na Itália e veio ainda pequeno para o Brasil.
Mas Mantega não sabe -ou não diz- se as metas de superávit fiscal continuariam do mesmo tamanho em 2004, embora ressalte que o partido reza pela cartilha da responsabilidade fiscal. O BC seria autônomo, mas os diretores seriam demissíveis pelo presidente caso não cumprissem as metas, na opinião de Mantega, pois o PT ainda não fechou questão sobre o assunto. As metas de inflação também ainda estão na mesa de debates dos economistas do partido, que devem fechar o programa econômico até o final do mês. Até lá, diz o economista, estão desautorizadas todas as versões sobre o destino do sistema de metas de inflação num governo do PT.
Leia a seguir os trechos da entrevista de Mantega, que não se diz candidato a nada num eventual governo Lula. Nada a não ser uma "embaixada em Roma", diz brincando.

Folha - O próximo governo tem alguns problemas imediatos e urgentes para começar a resolver: dívida pública, metas de inflação e contas externas. Começando pela dívida pública. O PT vai manter o superávit fiscal primário em 3,5% do PIB em 2003? E em 2004?
Guido Mantega -
Vai manter os 3,5% com certeza. A orientação do PT sempre foi a responsabilidade fiscal. As contas têm que estar equilibradas, o Orçamento bem administrado.

Folha - Em 3,5% ou aumenta?
Mantega -
Bom, em princípio vamos manter, mesmo porque você vai iniciar o governo, no próximo ano, com um Orçamento já definido. Então, há pouca margem de manobra.

Folha - No segundo ano do governo continua a política de superávits altos? A dívida está alta demais. Não vamos precisar de uns dois anos [de transição para uma nova política econômica?".
Mantega -
Desculpe, você está sendo muito pessimista. Não creio que você vá ter dois anos de transição. Você tem muitas análises que dizem que o Brasil vai crescer no ano que vem. Se a balança comercial continuar a melhorar, diminui a vulnerabilidade externa. Os juros já podem cair, a economia cresce um pouco mais, há uma folga fiscal.

Folha - Pode ser, mas como a dívida é muito grande e vence em prazo muito curto, volto à questão: não é preciso um superávit primário de 3%, 4% do PIB?
Mantega -
Olha, não dá para fazer previsão de segundo ano de jeito nenhum. Acho que tem de haver responsabilidade fiscal, mas acredito que a economia brasileira tem uma capacidade de recuperação muito rápida e na direção certa. A balança comercial começa a melhorar. Os Estados Unidos começam a ter uma recuperação, que pode se consolidar. Então há uma expansão mundial, com efeitos no comércio. Assim, acredito que vamos para um superávit da balança comercial de US$ 7 bilhões, US$ 8 bilhões já em 2003, de US$ 10 bilhões em 2004. Tende a haver uma queda substancial do risco-país. Se você olhar a projeção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (a última do governo FHC), a taxa de juros nominais para o ano que vem é de 12%, 13%.

Folha - Mas com a volta do crescimento da economia, de uns 4%, a expectativa é de redução da balança comercial, certo? Não seria bom ter mais superávit primário para evitar que o crescimento do PIB não acabe por reduzir as exportações?
Mantega -
É, você não pode crescer de qualquer maneira. Do jeito que a coisa está, há pouco espaço para crescer. Mas com uma política mais agressiva na área de comércio exterior, que nós estamos querendo fazer, pode-se conseguir mais espaço.

Folha - Mas política de comércio exterior leva tempo para dar resultado e consumo e gastos públicos excessivos tendem a reduzir o excedente exportável. Não é prudente até aumentar o superávit fiscal, tanto para dar uma ajuda no saldo comercial como para aumentar a confiança?
Mantega -
Você está tomado por um grande pessimismo. Mesmo com a economia internacional numa situação ruim -ainda vai crescer pouco-, o Brasil vai conseguir superávit comercial, de uns R$ 4 bilhões, mais do que no ano passado. Até esse dólar mais caro, resultado das trapalhadas do Banco Central, da sucessão e tudo o mais, vai ajudar também a melhorar a balança comercial. Então, não dá para fazer um cenário pessimista como o seu.

Folha - Temos metas de inflação definidas até o ano que vem. Vocês vão mudar o sistema de metas? Vão colocar as metas numa espécie de banda, vão estipular que a meta tem de ser atingida num período mais longo, dois anos, digamos, ou vão usar o núcleo da inflação?
Mantega -
O sistema de metas vai ser mantido, e aperfeiçoado.

Folha - Em que direção?
Mantega -
Primeiro, é preciso dizer que não é só com o sistema de metas que se controla a inflação. Com as metas se atacam apenas os efeitos, não as causas da inflação. Não vai na raiz da inflação. Por exemplo, a inflação causada pela alta do dólar, um importante foco inflacionário, pode ser contida com uma melhoria das contas externas. Depois, você tem de trabalhar com metas mais realistas.

Folha - E o que é uma meta realista para 2004?
Mantega -
Está muito longe para fazer previsão.

Folha - Mas vocês vão ter de definir a meta para 2004 no ano que vem, se for mantido o sistema...
Mantega -
Vou dar a minha opinião pessoal, porque essa é uma questão do programa que ainda vai ser definida. Ninguém está projetando metas de inflação para o futuro. Nas condições atuais da economia brasileira, há muito mais instabilidade do que numa economia desenvolvida. Isso é óbvio. Você não consegue...

Folha - Ter 2% de inflação, obviamente, nem 3% ou 4%...
Mantega -
Não é realista. Por exemplo, um terço da inflação é preço administrado. Então, querer alcançar inflação de país avançado hoje é impossível. Para o ano que vem, vai ser difícil.

Folha - Independência do Banco Central. Vocês são contra?
Mantega -
Neste momento.

Folha - E depois?
Mantega -
Isso ainda não foi discutido dentro do PT. O que é ponto pacífico é que se é contra a independência do BC no final deste governo. Isso constituiria uma espécie de golpe do atual governo para perpetuar sua política monetária. Ele poderia ser mais independente do que é, aliás, sem essas intervenções políticas feitas nos últimos dias. O BC teria mais autonomia, não seria submetido ao Ministério da Fazenda, por exemplo. Deveria ter autonomia operacional. O governo central estabelece os objetivos a serem alcançados pelo BC, que tem a autonomia para alcançá-los.

Folha - Os diretores seriam demissíveis?
Mantega -
Sim. Tem de haver uma legislação que estabeleça em que condições o presidente poderia substituir o presidente do Banco Central. Eles seriam demissíveis caso não estivessem cumprindo as metas.

Folha - Qual tipo de metas?
Mantega -
Os objetivos da carta do Federal Reserve (BC dos Estados Unidos), por exemplo, dizem que o BC tem de manter a maior taxa de expansão possível da economia -manter a inflação sob controle, viabilizar o emprego e o crescimento da economia. Mas, como meta numérica, haveria só a de inflação.

Folha - Mas o PT aceita a autonomia do BC?
Mantega -
Ainda é uma discussão que temos de fazer. É uma tendência mundial a independência dos BCs, embora cada um com sua característica. O Bundesbank (BC alemão) é diferente do Fed, do Banco da Inglaterra.

Folha - Muito se diz que o PT ainda não esclareceu se vai tentar alongar a dívida, melhorar o perfil da dívida, por mecanismos de mercado ou se vai tomar alguma atitude extramercado...
Mantega -
Por mecanismos de mercado, definitivamente.

Folha - É a opinião do partido?
Mantega -
É a opinião do partido, do (Aloizio) Mercadante, de todo mundo. O que vai estar escrito nos programas é o seguinte: cumprimento de contratos. Mas é obrigação do governo tentar fazer um alongamento da sua dívida. Por qual mecanismo? Vence o título e você oferece vantagens para os aplicadores de mais longo prazo. Mas o alongamento não se dá do dia para a noite e por vontade do governo, não. Depende de criação de riqueza, de capacidade de pagamento e atraindo investimento externo. Tudo isso faz com que o investidor fique seguro para fazer uma aplicação de dois, três, quatro anos.


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