São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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TRABALHO

Valores dos bancos e da CEF têm diferenças acima de 7.000%; sindicato de metalúrgicos pedirá suspensão do acordo

Erro em extrato do FGTS lesa trabalhador

Márico Fernandes/ Folha Imagem
O ex-metalúrgico Gentil Fernandes Rosa mostra conta da CEF com valores diferentes dos do banco que administrava sua conta


FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Diferenças de mais de 7.000% na contas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) entre as informações dos bancos e da CEF (Caixa Econômica Federal) ameaçam "o maior acordo do mundo" para o pagamento de perdas causadas pelos planos Verão e Collor 1.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo vai entrar, nos próximos dias, com uma representação no Ministério Público Federal para pedir a suspensão do acordo.
A decisão foi tomada pelo sindicato após constatar que os valores impressos nos extratos -referentes às perdas do Plano Collor 1- encaminhados pela CEF a alguns trabalhadores não coincidem com os informados pelos bancos que operavam as contas do Fundo antes de elas serem centralizadas na CEF, como determina a lei nº 8.036, de maio de 90.
O acordo para o pagamento das perdas do FGTS foi feito entre governo, centrais sindicais e empresas em junho do ano passado e prevê o pagamento de R$ 40 bilhões até janeiro de 2007.
De uma amostra de 60 extratos de metalúrgicos paulistas analisados na última semana pelo advogado do sindicato Paulo Annoni Bonadies, 18 não batem -isto é, 30% da amostra.
O pior é que o saldo do trabalhador informado no extrato da CEF é -no caso dos que têm erro- sempre menor do que o impresso pelo banco que cuidava da conta.
O advogado já detectou erro também nos extratos de aeroviários, categoria que está recebendo as perdas em razão de ação ganha pelo sindicato na Justiça, e está reunindo documentação para tomar a mesma atitude no Ministério Público Federal.

Bagunça

"Ainda não dá para afirmar se esse erro reflete só a bagunça do governo para tratar do assunto ou se existe fraude mesmo, mas o fato é que alguns trabalhadores estão sendo lesados", diz Bonadies.
Luciano Fazio, técnico do Dieese em Brasília, e Mario Alberto Avelino, presidente do Instituto FGTS Fácil, entidade criada em abril de 2001 para acompanhar questões relacionadas ao fundo, também analisaram os extratos e confirmaram os erros.
"Se esses erros forem generalizados em todas as categorias de trabalhadores, levanta-se uma grande suspeita sobre a transferência do saldo da rede bancária para a CEF. De qualquer maneira, é preciso que haja investigação", diz Fazio.
"Nos extratos que estamos recebendo também constatamos erros em pelo menos 15 contas", diz Avelino.
Octávio Bueno Magano, advogado e professor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), diz que "já tinha ouvido dizer que alguns extratos estavam errados. É provável que seja erro, mas não excluo totalmente a possibilidade de fraude", afirma.

Culpa

Para o advogado e conselheiro da OAB-SP Francisco Ary Montenegro Castelo, que já recebeu em seu escritório casos de clientes com erros em extratos, uma investigação deve ser feita para saber de quem é a culpa -se dos bancos ou da CEF.
"Quem se beneficiou desse dinheiro deve ser responsabilizado. É algo alarmante encontrar 18 erros em um universo de 60 pesquisados. Se os bancos enviaram informação errada à CEF, significa que foram beneficiados."
Para o matemático financeiro José Dutra Vieira Sobrinho, a amostragem feita pelos metalúrgicos de São Paulo é pequena, mas não pode ser desprezada. "É válida. Proporcionalmente, pode-se dizer que, dos 18,7 milhões de extratos que a CEF afirma ter enviado às pessoas, 5,6 milhões deles podem estar errados."

Transferência
A rede bancária teve prazo de 90 a 93 para transferir o saldo das contas do FGTS para a CEF. Só que, pela lei complementar nº 110, de 29 de junho do ano passado, os bancos tiveram até 31 de janeiro de 2002 para repassar à CEF as informações cadastrais e financeiras -referentes aos períodos de dezembro de 88 a março de 89 e de abril e maio de 90- necessárias para calcular os expurgos.
Na documentação entregue ao Ministério Público Federal, Bonadies vai solicitar uma investigação para identificar quem errou. "É preciso saber se os erros partiram dos bancos, da CEF ou até de empresas que fizeram, por meio de computador, a transferência das contas. A culpa pode ser de um ou de todos eles", diz Bonadies.
Em alguns casos, a diferença de créditos dos trabalhadores supera 7.000%. No extrato de uma conta do FGTS de Milton Eduardo Brum, por exemplo, o crédito a receber informado pela CEF, já atualizado, é de R$ 13,77.
Pelo extrato fornecido pelo Banco do Brasil -que descreve os valores em cruzeiros-, o valor atualizado do crédito a receber pela mesma conta é de R$ 1.076,76. A atualização foi feita a partir de uma tabela de conversão elaborada pelo Dieese, disponível no site www.dieese.org.br.
As contas do advogado do sindicato foram feitas a partir de tabela de cálculo utilizada pela própria CEF, segundo o advogado. A diferença entre a tabela da CEF e a do Dieese, afirma, é de centavos. Isto é, tanto por uma tabela como pela outra os erros aparecem.


Pagamento
Pelo acordo assinado no ano passado entre o governo, as centrais sindicais (Força Sindical, SDS e CGT -a CUT não aceitou fazer parte dele) e as empresas, o trabalhador começará a receber as perdas a partir de amanhã. Mas, para isso, tem de assinar o termo de adesão ao acordo.
Por esse termo, o trabalhador aceita abrir mão de juros a partir de julho de 2001 -só foi mantida a correção monetária. Também se compromete a não ingressar na Justiça para reclamar as perdas integrais e a retirar a ação no caso de já ter dado entrada. Dependendo do valor a receber (mais de R$ 8.000), há deságio de até 15% e parcelamento semestral até 2007.

Recuo
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo -apesar de filiado à Força Sindical, central que se aliou ao governo para fazer o acordo de pagamento das perdas do FGTS- chegou à conclusão de que o trabalhador ganha mais se procurar a Justiça, principalmente se o valor a receber for superior a R$ 3.000.
Na verdade, o sindicato já vinha recolhendo, desde o dia em que anunciou que havia ganho ação na Justiça de São Paulo a favor do trabalhador, documentos de metalúrgicos para a execução da sentença de cobrança do expurgo de 44,8% referente ao Plano Collor 1.
A decisão da juíza Tânia Regina Marangoni Zahury, da 16ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, beneficia inicialmente o Sindicato dos Metalúrgicos de Mogi das Cruzes, que se uniu ao de São Paulo após ingressar com a ação na Justiça. Os metalúrgicos de São Paulo aguardam agora a decisão da juíza para saber se podem executar a ação em conjunto com o de Mogi.
"É preciso explicar por que esses erros estão acontecendo. Não vou dizer que o acordo é ruim para quem está desempregado, tem R$ 500 de crédito e precisa do dinheiro. Mas, para quem pode esperar e recebeu extrato errado, vou defender que aguarde as investigações", diz o presidente do sindicato, Ramiro de Jesus Pinto.
Bonadies fez o cálculo para identificar quanto um trabalhador receberia de crédito se aderisse ao acordo e se procurasse a Justiça. Considerando o extrato de Gil Carlos Garcia fornecido pelo Itaú, ele teria a receber, pelo acordo de adesão, cerca de R$ 10 mil, referentes ao expurgo de abril de 90, e R$ 15,25 mil se for à Justiça.
Fazio, do Dieese, diz que nem sempre o trabalhador sai ganhando na Justiça. Em alguns casos, quando ele tem a receber até R$ 2.000, o acordo pode ser mais interessante porque evita burocracia. Ele lembra também que, para ir à Justiça, o trabalhador tem gasto. "O trabalhador precisa estudar bem os dois casos para ver o que é melhor para ele."


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