São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2004

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LUÍS NASSIF

Juros, impostos e carros

Presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Rogelio Golfarb se surpreendeu com o ufanismo que tomou conta de parte da mídia, em relação aos dados de vendas de veículos. No primeiro trimestre do ano passado, a taxa Selic era dez pontos maior, o risco Brasil, o dobro, a economia estava paralisada. Neste ano, em situação muito melhor, o setor cresceu meros 5,2% sobre igual período. Por que se comemora?
A situação do setor é peculiar. O grande e breve salto do mercado de consumo com o Real, antes que o câmbio explodisse o modelo, trouxe grande volume de capital. E um total de 17 montadoras, quantidade inferior apenas à dos EUA. Na parte de autopeças, o movimento atraiu mais de 500 fornecedores, praticamente todos os grandes grupos internacionais. Localmente, a produção contém mais de 95% de conteúdo nacional.
Mais que isso, quase todas as grandes empresas trouxeram para o Brasil seus departamentos de engenharia. Apenas cinco ou seis países no mundo têm essa vantagem competitiva.
Graças a esses departamentos, o setor logrou adaptar carros brasileiros para outros mercados e transformar o país em plataforma exportadora. No ano passado, o país exportou US$ 5,5 bilhões. Neste ano, o número pode chegar a US$ 6,6 bilhões.
No entanto esse sucesso todo está com os dias contados, se não houver mudanças no ambiente econômico e o mercado interno não se reativar. Hoje em dia não existe investimento sequer para manter o parque atualizado. Sem eles, não haverá mercado externo que resista.
O termômetro da crise é o pátio cheio. Encheu, setor e governo pensavam em políticas tópicas para desovar os estoques. A última foi a redução do IPI do ano passado. Só que caiu a ficha da própria Anfavea, para quem, sem projeto de país, medidas tópicas setoriais não são suficientes para provocar decisões de investimentos das matrizes.
O próximo grande competidor a entrar no mercado será o Leste Europeu. Dentro de algum tempo, a própria China deverá se transformar em exportadora de automóveis, em que pese seu enorme mercado interno.
Hoje em dia, da capacidade instalada da indústria, 41% se destinam ao mercado interno, 16%, à exportação, e 43% estão ociosos. Neste ano, o setor vai produzir 1,5 milhão de veículos. Se as condições internas, de tributação e juros, fossem as mesmas dos EUA, alcançaria facilmente a marca dos 2 milhões de veículos. A capacidade ociosa ficaria em 25%, perfeitamente administrável.
Só que a queda continuada de renda está reduzindo substancialmente os investimentos em carros grandes, com maior teor de tecnologia. Tem se mantido a duras penas no segmento médio. E mantém-se a competitividade nos carros pequenos, setor de intensa competição, com margens reduzidas de ganho.
A única saída seria um mercado interno forte. E aí se esbarram nas duas principais vulnerabilidades do modelo econômico adotado na última década: impostos e juros altíssimos. A solução transcende o setor.
O risco que há, mais à frente, será o de as matrizes promoverem o "write-off" (reconhecimento do prejuízo) da capacidade excedente. E não voltar mais o investimento.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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