São Paulo, sexta-feira, 09 de julho de 2004

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CÚPULA DO MERCOSUL

Argentino vê competição desigual; brasileiro contemporiza

Kirchner faz cobranças ao Brasil; Lula minimiza atrito

ANDRÉ SOLIANI
CLÁUDIA DIANNI
ENVIADOS ESPECIAIS A PUERTO IGUAZÚ

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu contemporizar a disputa comercial com a Argentina na reunião de Cúpula do Mercosul. O seu colega argentino, Néstor Kirchner, por sua vez, optou por fazer cobranças e críticas indiretas ao Brasil no seu discurso, no encerramento do encontro.
"Deus queira que outros problemas aconteçam por conta do nosso crescimento econômico, por conta do aumento das exportações, por conta do crescimento da produção industrial dos nossos países", disse Lula, ao responder se as barreiras impostas pela Argentina a produtos da linha branca fabricados no Brasil preocupavam o governo.
Segundo o presidente brasileiro, o problema com as exportações de linha branca são decorrentes do crescimento econômico dos dois países e do aumento das relações comerciais no Mercosul. "Já estamos tomando todas as iniciativas para que, no menor tempo possível, possamos resolver isso", afirmou Lula, que se disse tranqüilo em relação à pendência comercial. "Nós devemos encontrar uma solução que possa satisfazer tanto a Argentina como o Brasil."
Kirchner, apesar de não ter mencionado a decisão argentina de proteger sua indústria, pontuou seu discurso com referências à dificuldade de competir com o Brasil e fez uma crítica indireta às posições brasileiras nas negociações entre o Mercosul e a União Européia -crítica considerada deselegante e desnecessária por diplomatas brasileiros que assistiam ao discurso.
"Os avanços nos capítulos de investimentos, serviços e compras governamentais estiveram condicionados por restrições que impuseram alguns Estados membros do Mercosul, o que gerou importantes dificuldades no entendimento com a União Européia", disse Kirchner, que em seguida classificou o acordo de livre comércio com a Europa como uma oportunidade.
O Estado-membro a que se referia Kirchner é o Brasil, que apresentou ofertas consideradas limitadas pelos europeus nas três negociações por Kirchner mencionadas. A União Européia afirma que as limitações dessas concessões são um empecilho para um acordo amplo entre os dois blocos econômicos. A declaração desagradou aos brasileiros, que consideram a coesão entre os países do bloco nos fóruns internacionais um dos avanços mais importantes do Mercosul desde 2003.

Subsídios
No discurso de Kirchner também não faltaram menções às dificuldades que a Argentina encontra em competir com o Brasil, apesar de não citar o país nominalmente em nenhum momento. Ele cobrou novas regras no Mercosul para evitar assimetrias. "Temos que disciplinar os incentivos na região, que afetam as possibilidades dessa complementaridade, assim como a competitividade."
Durante a cúpula, que começou na segunda-feira, os negociadores argentinos reclamaram dos créditos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) à indústria brasileira, considerados por eles subsídios.
A origem da disputa comercial no mercado de linha branca também fez parte de uma breve passagem da fala de Kirchner. "Não podemos construir um país isolado, mas também não podemos expor nossos produtores a uma competição desigual que atente contra o desenvolvimento sustentável", afirmou o parceiro de Lula.
A Argentina impôs barreiras à compra de eletroeletrônicos exatamente por considerar a concorrência brasileira prejudicial às indústrias locais, devido às diferenças de competitividade entre os produtores dos dois países.
Lula, durante sua fala para os presidentes reunidos em Puerto Iguazú, não quis polemizar em nenhum momento. "Foi e continuará sendo necessária flexibilidade para atender as necessidades originárias das diferenças entre os Estados [do Mercosul]", disse o presidente, que leu o seu discurso.

Energia nuclear
No final, Lula lançou uma nova proposta para o bloco. "O Brasil está disposto a partilhar com os sócios do Mercosul os benefícios da energia nuclear e da exploração espacial de que dispõe."
Não existe, porém, proposta concreta para essa cooperação. Segundo a Folha apurou, a idéia foi inserida no discurso para tentar mostrar que a integração do Mercosul não pode ser entendida apenas como comercial.
No final do encontro entres os oito presidentes que foram à cúpula, Kirchner passou para o Brasil a presidência do Mercosul, que fica com o país até dezembro.


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