São Paulo, quarta-feira, 09 de julho de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Remédio amargo? Não, obrigado!


Uma política que de fato auxiliasse o BC e evitasse alta maior do juro teria que almejar níveis maiores de superávit


NUNCA ANTES na história deste país! O Banco Central está subindo os juros para conter a inflação e, exceto no que se refere aos suspeitos de sempre, não está na berlinda. Pelo contrário, na comunidade de analistas sérios, é o apetite sem fim do governo por gastos que tem sido apontado (corretamente) como responsável por grande parte dos desequilíbrios que alimentam a aceleração da inflação e, como tal, tem merecido críticas bastante duras.
Há, porém, quem ainda argumente em favor da atual política fiscal. Afinal de contas, o governo aumentou a meta de superávit primário para 4,3% do PIB -informalmente, é verdade, e, pior ainda, associado ao malfadado fundo soberano-, mostrando seu comprometimento com a inflação baixa, bem como sua disposição para ajudar o Banco Central na tarefa de reduzir o ritmo de expansão da demanda.
Temos que reconhecer certo elemento de verdade nesse argumento.
De fato, a situação inflacionária se tornaria ainda pior do que é caso o governo decidisse não só pela manutenção da meta em 3,8% do PIB mas pela entrega de um superávit primário dessa magnitude. Nesse sentido, a proposta de elevação informal da meta se assemelha ao envelhecimento: não é bom, mas é consideravelmente melhor que a alternativa.
Isso dito, porém, fato é que o superávit primário tem ficado ao redor de 4,3% do PIB desde o início de 2007, ou seja, a elevação da meta de superávit primário não implica nenhum aperto fiscal adicional que realmente auxilie o processo de moderação de ritmo da demanda doméstica. Pior: não há de ter escapado ao leitor mais atento que a aceleração da inflação se deu precisamente na presença de um superávit primário que tem se mantido próximo ao nível prometido para os meses e trimestres à frente. Se esse superávit não conseguiu evitar o aumento da inflação ao longo dos últimos 12 meses, o que deveria nos levar a crer que seria suficiente para reduzir a inflação nos próximos 12 meses? Na verdade, há ainda uma questão adicional que nos auxilia a entender o que tem acontecido. Não é surpresa que a arrecadação de impostos tenda a subir, inclusive como proporção do PIB, nos períodos de maior expansão da economia e cair quando o ciclo se inverte. Impostos sobre lucros, por exemplo, devem se comportar exatamente dessa forma.
E, na realidade, isso é precisamente o que observamos: entre janeiro de 2007 e maio de 2008, as receitas federais cresceram o equivalente a 0,9% do PIB (mesmo com a substituição imperfeita da CPMF pelo IOF nos primeiros meses deste ano), ou seja, R$ 65 bilhões a preços de maio deste ano. Nesse mesmo período, o superávit primário federal aumentou apenas R$ 11 bilhões, ou seja, as despesas cresceram R$ 54 bilhões. Em outras palavras, ajustada para o ciclo econômico, a estabilidade do superávit primário torna-se uma vigorosa expansão fiscal, ainda agravada porque muitas das despesas assumidas recentemente serão de difícil redução quando os ventos mudarem.
Não houve, portanto, nenhuma contribuição da política fiscal à moderação do crescimento no passado recente, e a manutenção do mesmo padrão de comportamento sugere que também não haverá no futuro imediato. Uma política que de fato auxiliasse o Banco Central e evitasse um aumento maior dos juros teria que almejar níveis ainda mais elevados de superávit, mas o governo, sempre pronto a administrar remédios amargos nos outros, não parece disposto a provar deles.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com

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