São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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Bolívia quer que Queiroz Galvão refaça obra

Construtora brasileira afirma que defeitos em estrada decorrem de projeto inadequado definido pelo próprio governo

Contrato de obra, orçada em US$ 198 mi, será rescindido nos próximos dias; no início do ano, um túnel feito pela empresa no país desabou

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL AO SUL DA BOLÍVIA

No início da estrada entre Potosí e Cotagaita, a mais de 3.000 m de altura, o fiscal da ABC (Administradora Boliviana de Estradas) Luis Sivila se agacha num pequeno buraco da pista de cimento e retira um pequeno pau. Com ele, cutuca o mesmo buraco até arrancar um pedaço de esterco. "Esses são restos de bosta de animal dentro do cimento que a Queiroz Galvão tem tentado esconder", afirma a jornalistas convidados pela ABC, entre os quais o repórter da Folha. "É assim que trabalha uma empresa com experiência de mais de 50 anos?"
No último dia 1º, jornalistas e técnicos da ABC e da empresa brasileira Ecoplan, supervisora das obras, percorreram cerca de 120 km das duas rodovias em construção pela QG no inóspito sul da Bolívia, uma região semidesértica coberta de cactos e pontilhada por poucos povoados indígenas.
Guia da visita, Sivila parava a caravana em pontos estratégicos e, com raiva contida, mostrava defeitos e destilava críticas contra a QG, empresa cujo contrato deve ser oficialmente rescindido nos próximos dias. A decisão, já anunciada pelo governo, significará o fim das atividades da empresa na Bolívia, após 15 anos.
Em quase todo o trajeto, uma insistente fissura longitudinal marca mais da metade das placas de cimento das duas estradas, cujas obras estão em mais de 70% concluídas. As placas com problemas não foram certificadas pela supervisão, dando direito ao governo, como contratante, de reter o pagamento e exigir providências.
A Bolívia e a QG se acusam sobre quem tem a culpa do problema. Para o governo, as rachaduras são resultado do não-cumprimento de especificações técnicas, evidenciadas pelo surgimento de material orgânico no asfalto.
Já a empreiteira brasileira culpa o projeto -de responsabilidade do Estado boliviano- por prever o uso de pavimento rígido (cimento) numa região semidesértica, onde o adequado seria a utilização do pavimento flexível (asfalto). Na prática, o governo exige que a QG refaça as cerca de 50 mil placas de cimento fissuradas.
O principal argumento da ABC a favor do cimento é um levantamento segundo o qual, no trecho mais crítico, há rachaduras em 78,42% dos 65 km. Por outro lado, o melhor trecho tem fissuras em apenas 0,15% de um total de 35 km.
"Nós vamos continuar com o pavimento rígido. Se fosse esse o problema, por que não há fissuras em todos os trechos?", afirma o fiscal Sivila.
A rescisão do contrato envolve o pagamento pela QG de uma garantia de 7% do orçamento da obra, cerca de US$ 13,8 milhões. Desde março, a empresa não recebe os repasses mensais da Bolívia.
O projeto das estradas é orçado em US$ 198 milhões. Do montante financiado, US$ 120 milhões são do Proex (Programa de Financiamento às Exportações), do Banco do Brasil.
A QG tem imagem desgastada com o governo sobretudo depois do desabamento, no início do ano, de um túnel recém-construído pela empresa em outra estrada. Até hoje não houve acordo para o problema.


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