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Bolívia quer que Queiroz Galvão refaça obra
Construtora brasileira afirma que defeitos em estrada decorrem de projeto inadequado definido pelo próprio governo
Contrato de obra, orçada em US$ 198 mi, será rescindido nos próximos dias; no início do ano, um túnel feito pela empresa no país desabou
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL AO SUL DA BOLÍVIA
No início da estrada entre
Potosí e Cotagaita, a mais de
3.000 m de altura, o fiscal da
ABC (Administradora Boliviana de Estradas) Luis Sivila se
agacha num pequeno buraco da
pista de cimento e retira um pequeno pau. Com ele, cutuca o
mesmo buraco até arrancar um
pedaço de esterco. "Esses são
restos de bosta de animal dentro do cimento que a Queiroz
Galvão tem tentado esconder",
afirma a jornalistas convidados
pela ABC, entre os quais o repórter da Folha. "É assim que
trabalha uma empresa com experiência de mais de 50 anos?"
No último dia 1º, jornalistas e
técnicos da ABC e da empresa
brasileira Ecoplan, supervisora
das obras, percorreram cerca
de 120 km das duas rodovias
em construção pela QG no
inóspito sul da Bolívia, uma região semidesértica coberta de
cactos e pontilhada por poucos
povoados indígenas.
Guia da visita, Sivila parava a
caravana em pontos estratégicos e, com raiva contida, mostrava defeitos e destilava críticas contra a QG, empresa cujo
contrato deve ser oficialmente
rescindido nos próximos dias.
A decisão, já anunciada pelo
governo, significará o fim das
atividades da empresa na Bolívia, após 15 anos.
Em quase todo o trajeto, uma
insistente fissura longitudinal
marca mais da metade das placas de cimento das duas estradas, cujas obras estão em mais
de 70% concluídas. As placas
com problemas não foram certificadas pela supervisão, dando direito ao governo, como
contratante, de reter o pagamento e exigir providências.
A Bolívia e a QG se acusam
sobre quem tem a culpa do problema. Para o governo, as rachaduras são resultado do não-cumprimento de especificações técnicas, evidenciadas pelo surgimento de material orgânico no asfalto.
Já a empreiteira brasileira
culpa o projeto -de responsabilidade do Estado boliviano-
por prever o uso de pavimento
rígido (cimento) numa região
semidesértica, onde o adequado seria a utilização do pavimento flexível (asfalto). Na
prática, o governo exige que a
QG refaça as cerca de 50 mil
placas de cimento fissuradas.
O principal argumento da
ABC a favor do cimento é um
levantamento segundo o qual,
no trecho mais crítico, há rachaduras em 78,42% dos 65
km. Por outro lado, o melhor
trecho tem fissuras em apenas
0,15% de um total de 35 km.
"Nós vamos continuar com o
pavimento rígido. Se fosse esse
o problema, por que não há fissuras em todos os trechos?",
afirma o fiscal Sivila.
A rescisão do contrato envolve o pagamento pela QG de
uma garantia de 7% do orçamento da obra, cerca de US$
13,8 milhões. Desde março, a
empresa não recebe os repasses mensais da Bolívia.
O projeto das estradas é orçado em US$ 198 milhões. Do
montante financiado, US$ 120
milhões são do Proex (Programa de Financiamento às Exportações), do Banco do Brasil.
A QG tem imagem desgastada com o governo sobretudo
depois do desabamento, no início do ano, de um túnel recém-construído pela empresa em
outra estrada. Até hoje não
houve acordo para o problema.
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