São Paulo, Quinta-feira, 09 de Setembro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Banco Antinacional de Subdesenvolvimento?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Os meios de comunicação têm estado solidamente ocupados pelos conflitos e controvérsias entre as alas "monetaristas" e "desenvolvimentistas" do governo federal. O curioso é que, a rigor, nem a ala monetarista é monetarista nem a ala desenvolvimentista é desenvolvimentista. Decididamente, como dizia o Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.
Reina uma grande confusão. O ministro Pedro Malan, por exemplo, embora possa ter muitos defeitos, nunca foi monetarista. Mas vamos deixar os "monetaristas" de lado, hoje. Afinal, já estão sob bombardeio cerrado, inclusive daqueles que os elogiavam e sustentavam na época em que o Ministério da Fazenda e o Banco Central cometeram os seus equívocos mais graves.
Tratemos da ala "desenvolvimentista" do governo. Um dos seus expoentes, segundo consta, é o economista Andrea Calabi, que assumiu recentemente o cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O BNDES é, como se sabe, o principal instrumento operacional do Ministério do Desenvolvimento.
Pois bem, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", concedida antes da queda do ministro Clóvis Carvalho, mas publicada na última segunda-feira, Calabi deu declarações realmente edificantes. Confirmou que a política de financiar empresas de capital estrangeiro será mantida "sempre que houver necessidade de crédito para investimentos de interesse do país". Informou que o BNDES poderá destinar a empresas estrangeiras boa parte dos R$ 20 bilhões previstos no seu orçamento de empréstimos para este ano! E acrescentou - pasmem- que o banco está disposto até mesmo a financiar a venda de empresas nacionais a grupos estrangeiros!
Que maravilha o "desenvolvimentismo" do governo FHC! Por incrível que pareça, é o mesmo governo que, na semana passada, apresentou o Plano Plurianual 2000-2003 como "um projeto nacional de desenvolvimento" (na mensagem do presidente da República encaminhando o plano ao Congresso) e até como um "projeto de Nação" (no discurso do presidente da República na cerimônia de apresentação do plano).
O "projeto de Nação" do governo federal inclui, aparentemente, financiar com recursos de um dos principais bancos públicos, ironicamente denominado "Banco Nacional de Desenvolvimento", a desnacionalização da economia! Se os brasileiros fossem amantes da limpidez e da clareza, bem que poderiam agora estudar a mudança do nome do BNDES para Banco Antinacional de Subdesenvolvimento.
O próprio "Estadão", que não é nenhum reduto do nacional-desenvolvimentismo, protestou contra as declarações de Calabi, em editorial publicado anteontem. O editorial pede ao governo que repense essa decisão de "conceder dinheiro escasso e precioso a quem dele menos precisa".
De fato, como justificar que o BNDES adote essa orientação num país como o Brasil, em que o crédito é muito caro e de difícil acesso para a grande maioria das empresas nacionais?
Ah, o Brasil tem mudado muito. E, frequentemente, para pior. Um dos meus primeiros empregos, nos anos 70, foi o de estagiário do BNDE (o S foi acrescentado mais tarde). Naquela época, uma empresa estrangeira não passava nem na porta do banco. Para tentar levantar dinheiro no BNDE, um grupo estrangeiro tinha que se disfarçar de mil maneiras. Enfrentava, mesmo assim, a resistência cerrada e obstinada do corpo técnico do banco.
Hoje, não. Hoje, o empresário brasileiro terá mais chance no BNDES se assumir um leve sotaque, adotar ares "transnacionais" ou se associar (de preferência em posição subordinada) a empresas estrangeiras.
O Brasil não pode, caro leitor, continuar desse jeito. Uma das principais razões de ser do BNDES é justamente servir de fonte de crédito de longo prazo para as firmas brasileiras, a custos razoavelmente compatíveis com as condições que prevalecem nos mercados financeiros internacionais. Como aceitar que o banco empregue boa parte dos seus recursos no financiamento de grupos estrangeiros, que têm acesso muito mais fácil a capital e a crédito no mercado internacional?
Confesso que, na minha ingenuidade, fiquei aguardando um desmentido ou uma retificação por parte do presidente do BNDES. Até agora, nada. Dá vontade de sentar no meio fio e chorar lágrimas de esguicho, como diria o Nelson Rodrigues (outra vez essa figura fatal!).
Se a ala desenvolvimentista do governo é isso aí, só nos resta exclamar: vida longa para o ministro Malan!


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net


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