|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BENJAMIN STEINBRUCH
É o que diz a história
Os países ricos protegeram suas indústrias no passado e hoje impõem regras radicais de livre comércio aos pobres
|
VALE A PENA resumir a abertura
do longo artigo "Protecting
the global poor", escrito pelo
economista Ha-Joon Chang, professor sul-coreano da Universidade de
Cambridge.
Era uma vez, conta Chang, um fabricante de automóveis líder de
mercado em um país em desenvolvimento que resolveu exportar seu
primeiro veículo para os Estados
Unidos. Tratava-se de um subcompacto barato, de péssima qualidade
(quatro rodas e um cinzeiro). A experiência foi um fracasso. Os americanos não queriam gastar dinheiro
comprando um carro que vinha de
um lugar onde só eram fabricados
produtos de segunda classe.
O desastre criou um enorme debate no país em desenvolvimento e
muitos sugeriram que a empresa deveria se concentrar no seu negócio
original -a produção de máquinas
têxteis. Afinal, o principal produto
de exportação do país sempre havia
sido a seda. A empresa havia ganhado todas as benesses do governo.
Dez anos antes, recebera dinheiro
público para não quebrar. Vinte
anos antes, os concorrentes estrangeiros haviam sido chutados do país
e as tarifas de importação de carros,
elevadas. Se não havia conseguido
produzir veículos decentes nesse
tempo todo, não tinha futuro. Alguns discordaram, sob o argumento
de que nenhum país poderia chegar
a lugar nenhum sem desenvolver
sua indústria automobilística.
O ano era 1958, explica Chang. O
país era o Japão, a empresa era a
Toyota e o carro rejeitado era o Toyopet. A Toyota surgira como fabricante de máquinas têxteis e passara
a produzir carros em 1933. O governo japonês expulsou do país a GM e
a Ford em 1939 e presenteou a Toyota com dinheiro do BC em 1949.
Passado meio século desde essa
discussão, carros japoneses são tão
naturais e têm tanta qualidade
quanto o salmão escocês ou o vinho
francês. A Toyota superou a GM em
vendas mundiais de automóveis e
sua marca de luxo -Lexus- tornou-se um ícone da globalização.
Chang chega à conclusão de que
não haveria o Lexus se o governo japonês tivesse seguido, no início dos
anos 1960, as políticas neoliberais
que hoje se pregam para os países
em desenvolvimento. Abandonadas
à própria sorte, as fábricas japonesas
seriam hoje figurantes na indústria
automobilística mundial, no nível
que tinham 50 anos atrás, comparáveis aos de Chile, Argentina ou África do Sul. O caso do Japão não é uma exceção. A história do desenvolvimento das nações mostra que praticamente todos os países industrializados, incluindo Reino Unido, EUA
e França, chegaram a essa condição
pelo mesmo caminho japonês.
Os ricos de hoje, diz Chang, alcançaram a riqueza protegendo suas indústrias nascentes e controlando os
investimentos estrangeiros. Mas,
agora, impõem regras radicais de livre comércio e negam aos países pobres atuais oportunidades iguais às
que tiveram no passado. Ninguém
pode ser contra os mercados, o comércio internacional, a integração
global nem ignorar os organismos
reguladores mundiais, como a
OMC. Tudo isso é verdade. Mas o
anseio por desenvolvimento, riqueza e bem-estar da população continua sendo o objetivo fundamental e
natural das nações pobres.
Não existe crescimento econômico automático, pela simples via do
mercado, como as teorias neoliberais -dos "maus samaritanos", na
expressão de Chang- tentam fazer
crer. Um país alcança a riqueza com
políticas industriais sérias, câmbio
adequado, proteções temporárias
para setores estratégicos, subsídios
localizados e estímulo à formação de
grandes grupos nacionais competitivos. É o que diz a história.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.
bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Ministros fecham proposta para criação do Banco do Sul Próximo Texto: Redes do varejo criticam pontos da reforma tributária Índice
|