São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

É o que diz a história


Os países ricos protegeram suas indústrias no passado e hoje impõem regras radicais de livre comércio aos pobres

VALE A PENA resumir a abertura do longo artigo "Protecting the global poor", escrito pelo economista Ha-Joon Chang, professor sul-coreano da Universidade de Cambridge.
Era uma vez, conta Chang, um fabricante de automóveis líder de mercado em um país em desenvolvimento que resolveu exportar seu primeiro veículo para os Estados Unidos. Tratava-se de um subcompacto barato, de péssima qualidade (quatro rodas e um cinzeiro). A experiência foi um fracasso. Os americanos não queriam gastar dinheiro comprando um carro que vinha de um lugar onde só eram fabricados produtos de segunda classe.
O desastre criou um enorme debate no país em desenvolvimento e muitos sugeriram que a empresa deveria se concentrar no seu negócio original -a produção de máquinas têxteis. Afinal, o principal produto de exportação do país sempre havia sido a seda. A empresa havia ganhado todas as benesses do governo.
Dez anos antes, recebera dinheiro público para não quebrar. Vinte anos antes, os concorrentes estrangeiros haviam sido chutados do país e as tarifas de importação de carros, elevadas. Se não havia conseguido produzir veículos decentes nesse tempo todo, não tinha futuro. Alguns discordaram, sob o argumento de que nenhum país poderia chegar a lugar nenhum sem desenvolver sua indústria automobilística.
O ano era 1958, explica Chang. O país era o Japão, a empresa era a Toyota e o carro rejeitado era o Toyopet. A Toyota surgira como fabricante de máquinas têxteis e passara a produzir carros em 1933. O governo japonês expulsou do país a GM e a Ford em 1939 e presenteou a Toyota com dinheiro do BC em 1949.
Passado meio século desde essa discussão, carros japoneses são tão naturais e têm tanta qualidade quanto o salmão escocês ou o vinho francês. A Toyota superou a GM em vendas mundiais de automóveis e sua marca de luxo -Lexus- tornou-se um ícone da globalização.
Chang chega à conclusão de que não haveria o Lexus se o governo japonês tivesse seguido, no início dos anos 1960, as políticas neoliberais que hoje se pregam para os países em desenvolvimento. Abandonadas à própria sorte, as fábricas japonesas seriam hoje figurantes na indústria automobilística mundial, no nível que tinham 50 anos atrás, comparáveis aos de Chile, Argentina ou África do Sul. O caso do Japão não é uma exceção. A história do desenvolvimento das nações mostra que praticamente todos os países industrializados, incluindo Reino Unido, EUA e França, chegaram a essa condição pelo mesmo caminho japonês.
Os ricos de hoje, diz Chang, alcançaram a riqueza protegendo suas indústrias nascentes e controlando os investimentos estrangeiros. Mas, agora, impõem regras radicais de livre comércio e negam aos países pobres atuais oportunidades iguais às que tiveram no passado. Ninguém pode ser contra os mercados, o comércio internacional, a integração global nem ignorar os organismos reguladores mundiais, como a OMC. Tudo isso é verdade. Mas o anseio por desenvolvimento, riqueza e bem-estar da população continua sendo o objetivo fundamental e natural das nações pobres.
Não existe crescimento econômico automático, pela simples via do mercado, como as teorias neoliberais -dos "maus samaritanos", na expressão de Chang- tentam fazer crer. Um país alcança a riqueza com políticas industriais sérias, câmbio adequado, proteções temporárias para setores estratégicos, subsídios localizados e estímulo à formação de grandes grupos nacionais competitivos. É o que diz a história.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br


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