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OPINIÃO ECONÔMICA
Concorrência interessa aos pobres
GESNER OLIVEIRA
A defesa da concorrência
constava no pacote de liberalização dos mercados vendido
aos países em desenvolvimento
nos anos 90. Mesmo aqueles que
desejam mudar a receita deveriam manter e estimular as ações
antitruste nos planos nacional e
internacional.
O papel da defesa da concorrência em países em desenvolvimento é tema de encontro que termina hoje, promovido pela organização não-governamental Cuts
(Consumer Unity & Trust International), em Jaipur, na Índia.
A defesa da concorrência constitui um dos novos temas da OMC
(Organização Mundial do Comércio). A sua inclusão ou não na
nova rodada de negociação a
partir da 4ª Reunião Ministerial
de Doha de 2001 será decidida na
próxima reunião ministerial da
OMC, em 2003.
Muitos países em desenvolvimento relutam em adotar legislações de defesa da concorrência.
Argumentam que concorrência é
coisa de país rico. Para que dispersar esforços e recursos escassos
correndo atrás de cartéis se tarefas prioritárias como o combate à
fome e à miséria merecem prioridade indiscutível? Mais ainda,
argumentam alguns analistas da
Índia, Paquistão e de outros países, as fusões entre grandes empresas nacionais deveriam ser estimuladas, e não inibidas, de forma a fortalecer as empresas nacionais relativamente ao capital
estrangeiro.
Trata-se de uma posição equivocada. Há pelo menos duas boas
razões para que países em desenvolvimento adotem legislações de
defesa da concorrência, independentemente de estar ou não de
acordo com o figurino dos organismos internacionais.
Em primeiro lugar, países que
não controlam fusões e aquisições
estão sujeitos à formação de quase monopólios por força de operações realizadas fora de suas fronteiras. Duas subsidiárias de empresas internacionais que concorrem entre si em um país qualquer
podem, pela fusão das matrizes,
se transformar em uma única
empresa, diminuindo ou mesmo
eliminando a competição no país
em desenvolvimento. Quando a
operação entre a General Electric
e a Honeywell foi anunciada,
muitas empresas que consomem
equipamentos das duas unidades
ficaram preocupadas. A operação
acabou sendo proibida pela Comissão Européia.
Em segundo lugar, a formação
de cartéis ocorre frequentemente
no plano internacional, afetando
diretamente o comércio. Chama
a atenção a esse respeito um dos
primeiros estudos empíricos acerca dos impactos dos cartéis nos
países em desenvolvimento, de
Margaret Levenstein e Valerie
Suslow, preparado como texto de
apoio ao Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial de
2001.
Segundo as autoras, os países
mais pobres gastam quase 10%
em compras de um grupo selecionado de produtos para o qual as
autoridades dos EUA e da União
Européia estão investigando prática de cartel. Se a análise for estendida para uma gama maior
de bens e serviços, é provável que
se verifique que as regiões em desenvolvimento são as maiores vítimas dos cartéis. Lembre-se de
que combinar preço dá cadeia
nos EUA, entre outras sanções, e
que o combate aos cartéis nos países emergentes está engatinhando.
Mas os críticos da adoção de leis
de defesa da concorrência têm razão em um ponto. Normalmente
as leis são exigidas pelos organismos internacionais sem nenhuma atenção às características locais. Há alguns anos, uma competente economista me contou que
estava preparando a lei de defesa
da concorrência de um pequeno
país africano. Perguntei a ela se
havia consultado advogados e
profissionais do país. Disse que esses detalhes seriam tratados posteriormente. Nem carecia de tradução, porque esse tipo de transplante de legislação é só para inglês ver.
Além da tradição legal e da história do país, há peculiaridades
dos países em desenvolvimento
que precisam ser consideradas.
Por exemplo, grande parte dos
problemas de concorrência desleal e preços excessivos está associada à enorme informalidade, isto é, à grande parcela de negócios
que não pagam impostos nem
respeitam a legislação em geral.
Assim, é o próprio Estado, mediante o excesso de burocracia e
de carga tributária sobre uma base estreita de contribuintes, que
estimula as distorções do mercado.
Outras vezes, o mal funcionamento do mercado, ou sua própria inexistência, está associado à
ausência de instituições adequadas. Afora os juros elevados, a escassez de crédito de longo prazo
no Brasil decorre da falta de segurança por parte do credor de que
será capaz de executar as garantias oferecidas pelo tomador do
empréstimo.
Nesse caso, o problema não se limita apenas à falta de concorrência, que restringe a oferta. Uma
melhor legislação de falências e a
possibilidade de retomada de
imóveis de devedores inadimplentes induziriam um maior volume de crédito tanto para empresas quanto para famílias que
desejam adquirir casa própria.
Assim, na maioria dos países
em desenvolvimento não se trata
apenas de fiscalizar se os agentes
privados estão cumprindo as regras do mercado. Muitas vezes o
vilão da história é o próprio Estado. Em outros casos, o próprio
mercado precisa ser criado mediante adequada construção institucional.
Se tais peculiaridades, entre outras, forem devidamente consideradas, os países em desenvolvimento só têm a ganhar com a
adoção de regras nacionais e de
um acordo de defesa da concorrência no âmbito da OMC. Isso,
por si só, não assegura que o abismo entre ricos e pobres vá diminuir no mundo. Será preciso um
esforço sistemático para assegurar regras multilaterais adequadas nessa matéria. Porém a ausência de regras, como na atualidade, com certeza prejudica os
países mais pobres.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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