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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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Europeus quebram rigidez fiscal

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES

Depois de anunciar um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil se prepara para cumprir mais um período de regras inflexíveis na área fiscal, com meta de superávit primário. Na Europa, predomina a percepção de que é tempo de quebrar a rigidez de certos limites, como o teto máximo de 3% do PIB para o déficit público.
A conclusão da maioria é que regras rigorosas como essa estão prejudicando a recuperação das duas maiores economias da zona do euro, a França e a Alemanha. Criadas pelo Tratado de Maastricht, em 1991, por iniciativa da própria Alemanha, as regras visavam impor limites para acabar com o risco de falta de prudência e má administração macroeconômica dos países que iriam adotar a moeda única. Doze anos depois, o euro alcançou a estabilidade esperada e França e Alemanha estão em dificuldades para crescer.
Os governos dos dois países estão adotando políticas de estímulo ao crescimento e caminham para desrespeitar uma das regras mais rigorosas: pelo terceiro ano consecutivo, vão estourar o limite dos 3% do PIB para o déficit. Por isso, estão em uma disputa com a Comissão Européia (o braço executivo da União Européia) por uma interpretação mais flexível das regras para evitar punições.
"As duas economias estão em dificuldades e é sensato do ponto de vista econômico que os governos injetem algum dinheiro na economia para fazer um tipo de administração keynesiana, até uma certa medida", diz o professor Peter Howlett, da London School of Economics. "E eles estão se dando conta de que as regras que eles mesmos se impuseram talvez sejam muito rigorosas", acrescenta.
A idéia básica da teoria keynesiana -do economista britânico John Maynard Keynes-, desenvolvida para combater a depressão dos anos 1930, é que o Estado tem um papel no manejo da economia, estimulando a demanda em momentos de retração.
A discussão na zona do euro já é coisa do passado no Reino Unido. Desde que assumiu, em 1997, o ministro do Tesouro, Gordon Brown, adota política mais flexível. Brown instituiu uma regra de ouro para as contas públicas, em que o governo faz dívida em períodos de recessão e paga as contas em períodos de crescimento.
"Brown adotou essa regra em uma situação em que as finanças do país estavam equilibradas e os investidores acreditam que ele realmente vai pagar a dívida", diz o professor Gavin Cameron, da Universidade de Oxford.
A prudência e a boa administração macroeconômica permanecem. Mas a idéia que começa a crescer é a flexibilização para que o Estado possa fazer políticas anticíclicas -estimular a demanda quando em recessão e equilibrar as contas quando há expansão.
Brown também adotou o sistema de metas de inflação, com autonomia administrativa do Banco da Inglaterra. As metas deram flexibilidade à política monetária.
Cameron defende o sistema de metas de inflação e a "regra de ouro" de Brown para os países emergentes. Ele observa que muitas dessas economias foram duramente atingidas, exatamente por seguirem regras muito rígidas, como a paridade cambial na Argentina. Mas, para a administração dos ciclos de altos e baixos da economia, Cameron argumenta que muita coisa ainda depende da "reputação" dos responsáveis pelas políticas econômicas.
"Os países emergentes deveriam ter a oportunidade de tentar equilibrar seus orçamentos em relação aos ciclos econômicos, mas muitos podem ter esse problema de má reputação e os mercados financeiros podem achar difícil de acreditar", diz.
A flexibilidade é parte de uma busca de alternativas a políticas que levam à estabilidade, mas não ao crescimento, especialmente em países de renda média ou pobres, segundo Ricardo Gottschalk, da Universidade de Sussex. Ele diz que a procura de alternativas começou no início deste século, a partir da observação do que aconteceu com os países latino-americanos, que fizeram reformas, mas não estão crescendo.
"No caso do Brasil, espera-se uma recuperação, agora que a estabilidade foi alcançada, mas pode não ser suficiente e criar problemas políticos", diz Gottschalk.



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