São Paulo, sexta-feira, 09 de dezembro de 2005

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LUÍS NASSIF

Um relatório "fake"

O relatório da CPI dos Correios sobre os fundos de pensão -divulgado pelo deputado federal ACM Neto (PFL-BA)- é mais um "fake" nessa longa lista de manipulações que vem corroendo a Comissão Parlamentar de Inquérito e a cobertura. É como os dólares de Cuba, episódio do qual o único elemento cubano foi uma garrafa de bebida recebida pelo emérito "mula" Vladimir Poleto.
Se há um terreno propício a falcatruas, é o da negociação de títulos e valores mobiliários em mercados futuros. São enormes quantias, nas quais a diferença de centavos pode significar milhões. Além disso, há a prática disseminada de operações de balcão (feitas entre duas instituições, sem passar pelos sistemas informatizados), que comportam toda sorte de manipulação.
Mesmo assim, o relatório divulgado pelo deputado Neto é vergonhoso como rascunho, mais ainda como documento oficial -ainda que travestido nessa falsa capa de sigiloso. Há limites para a manipulação.
Nem se pretenda estar tratando com vestais. Com todos os avanços ocorridos nos últimos anos, esse terreno ainda é pantanoso. Mas o relatório exorbita. Primeiro, por escolher as instituições beneficiárias que tiveram seus nomes divulgados. Há uma folha sobre as "perdas incorridas pelas EPPCs em operações na BM&F [Bolsa de Mercadorias & Futuros]". É a tal planilha que chega aos prejuízos globais de R$ 729 milhões. Nas três operações de maior vulto, não aparecem nomes de instituições, apenas números. Mas se selecionam oito, que são contempladas com a divulgação dos nomes. Qual o critério? Quem é que negociou a divulgação dos nomes? Se é algo que afeta a imagem e se a imagem tem valor, o que tiveram que fazer as instituições para não ter seu nome relevado?
Outro ponto básico é que simplesmente não se revela a metodologia adotada para estimar os prejuízos. Pior: há informações de que o trabalho utilizou apenas uma das pernas de operações de hedge.
O que são essas operações? Suponha um fundo que tenha uma carteira de ações, julgue que o mercado está em um patamar elevado, não quer se desfazer de suas ações, mas quer se proteger contra eventuais quedas. Essas operações são articuladas de tal maneira que, ocorra o que ocorrer, ele ganhará a taxa CDI do período.
Ele vai à BM&F, que tem um mercado de índice futuro de Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) e vende uma quantidade de contratos, correspondente à sua carteira. Suponha que a Bolsa suba 10%. No mercado futuro, ele registrará uma perda de 10%; mas, na sua carteira de ações, registrará um ganho de 10% mais o CDI do período.
Se se for analisar cada operação individualmente, em uma haverá prejuízo; na outra, ganho. Se a Bolsa de Valores cair, vai ocorrer o inverso, mas seguindo a mesma lógica: em uma mão ele registra ganho, na outra, ele registra prejuízo. O que o relatório fez provavelmente foi somar todas as colunas de prejuízo e não computar os ganhos.
Repito: há todo um universo de operações a serem investigadas com os fundos, especialmente as de balcão. Mas o relatório do emérito deputado ACM Neto é mais uma peça falsa nesse jogo.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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