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GESNER OLIVEIRA
Apagão no ar e em terra
Preocupa a lentidão do governo em compreender a gravidade da crise e formular estratégia para gerenciá-la
PLANEJAVA escrever hoje sobre
as diferentes visões de como
retomar o crescimento econômico sustentado. Queria comentar
visões apresentadas no encontro
anual de economia organizado pela
Anpec e que terminou ontem em
Salvador. Mas passei 24 horas tentando embarcar para o local do
evento, sem sucesso. E outras tantas
tentando resgatar minha bagagem,
que seguiu, desacompanhada, para
algum canto do país.
Se a economia estivesse crescendo
mais de 6% ao ano como na Índia, a
crise de oferta no setor de transporte aéreo seria um problema do sucesso. O drama no Brasil é que os
gargalos da oferta aparecem mesmo
com o país crescendo a um ritmo
anual de 2%, algo equivalente à semi-estagnação do PIB (Produto Interno Bruto) por habitante.
O apagão aéreo não constitui problema localizado. É apenas mais visível do que a precariedade da infra-estrutura em outros segmentos.
Embora ainda restrito, o transporte
aéreo constitui meio em país de dimensões continentais e com péssimas estradas e praticamente sem
ferrovias. As taxas assustadoras de
acidentes nas rodovias brasileiras,
os roubos freqüentes de carga e a interminável espera para desembaraçar mercadorias nos portos são corriqueiros demais para ganhar a mesma atenção.
O problema do setor aéreo reflete
crise maior enfrentada pela política
pública. Em primeiro lugar, pela
descoordenação entre os diferentes
órgãos da administração: Ministério
da Defesa, Infraero, Anac (Agência
Nacional de Aviação Civil) e Comando da Aeronáutica. Mas a descoordenação é a regra no governo federal. Ninguém faz questão de ligar o
transponder.
O Ministério das Comunicações
está batendo cabeça com a Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações). O Ministério de Minas e
Energia está brigando com a Aneel
(Agência Nacional de Energia Elétrica), e assim por diante. Os efeitos
não são imediatos, mas, mais cedo
ou mais tarde, os apagões ocorrem.
Em segundo lugar, a crise aérea
ilustra a falta de planejamento setorial. O Brasil avançou na transição
para uma economia de mercado nas
últimas duas décadas. Mas o planejamento estatal do passado não foi
substituído por mecanismos modernos de planejamento indicativo.
As metas raramente são consistentes e quase sempre ignoradas.
Parece sensata a descentralização
do controle do tráfego aéreo contida
no pacote de emergência anunciado
na quinta-feira pela Aeronáutica.
Mas é preciso ter uma estratégia de
longo prazo para o próprio tráfego
aéreo.
Tome-se, por exemplo, a sugestão
de Alessandro Oliveira, coordenador do Núcleo de Estudos em Competição e Regulação do Transporte
Aéreo, vinculado ao ITA (Instituto
Tecnológico de Aeronáutica), no
sentido de desconcentrar a operação aérea nos grandes centros, investir em aeroportos secundários e
fomentar a aviação regional. O governo não parece ser contra ou a favor de idéia desse tipo. A impressão
que se tem é que tal debate nunca foi
realizado.
Em terceiro lugar, preocupa a lentidão das autoridades em compreender a gravidade da crise e formular uma estratégia para seu gerenciamento. A primeira coisa a fazer é transmitir à população uma
noção precisa da situação. Isso não
se faz ocultando e/ou manipulando
os números.
De acordo com o Escritório de Estatísticas de Transporte dos Estados
Unidos, em outubro deste ano 73%
dos vôos não registraram atraso. Este último é definido de forma inequívoca: desvio de mais de 15 minutos da hora prevista. Aqui, em meio à
crise, o conceito foi redefinido para
algo que pode chegar a uma hora!
As próprias empresas que são as
grandes perdedoras em termos de
imagem, receitas e valor no mercado
de capitais parecem hesitantes. Isso
em um momento em que o envolvimento direto das direções no esforço de informação e atendimento aos
consumidores seria essencial.
Por fim, o apagão aéreo reflete crise mais profunda de autoridade. As
regras não são cumpridas. As determinações dos chefes são olimpicamente ignoradas e fica tudo por isso
mesmo. Exemplo análogo ocorre
com as invasões de terras na cidade
e no campo. O país precisa mudar.
Ou a própria discussão sobre a retomada do crescimento sustentado
perde sua razão de ser.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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