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OPINIÃO ECONÔMICA
PT: do imaginário das eleições ao dia-a-dia do governo
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Passadas duas semanas da
posse de Lula, a dura realidade de governar um país complicado como o nosso querido Brasil
começa a impor-se ao novo governo. Mesmo a melhora substancial
havida nos mercados financeiros
nesse período não consegue esconder as preocupações dos analistas mais isentos com nosso futuro próximo. Vou dividir algumas das minhas ansiedades em
relação a isso com o leitor da Folha.
Acompanhei com atenção o excelente "Roda Viva", programa
semanal de debates da televisão
Cultura de São Paulo, da última
segunda-feira com o ministro da
Fazenda. Com um grupo de jornalistas de grande experiência e
densidade, sempre sob o comando
doce e eficiente de Paulo Markun,
Antonio Palocci Filho pôde mostrar por que em pouco tempo
transformou-se na grande estrela
do novo governo. Nesse ambiente
de profissionais competentes e
sem a paixão que tem marcado a
relação do jornalismo brasileiro
com o presidente Lula, o novo
czar da economia brasileira esbanjou sabedoria política, coragem e clareza. Ele respondeu de
forma adequada a quase todas as
perguntas inteligentes feitas por
seus algozes disfarçados de cordeiros. Em nenhum momento
mostrou a arrogância de dono da
verdade e da moral pública que
caracteriza as declarações das
maiores estrelas do PT.
Lutando contra o sono -sou
um desses caipiras que dormem
cedo-, procurei usar toda a minha capacidade analítica para
perceber em seu depoimento momentos de fragilidade, principalmente quando eram tratadas
questões econômicas e financeiras. Afinal ele é um médico sanitarista, sem nenhuma formação
teórica e com pouca experiência
nessas difíceis áreas do conhecimento humano. Procurei também ler o que lhe passava pela alma, principalmente nos momentos em que procurava mostrar que
o novo governo não será apenas
um clone vermelho de FHC. Ler
almas é um dom dos deuses reservado apenas a alguns mortais -e
eu tenho a pretensão de ser um
deles. Vou resumir para meus
amigos leitores o que consegui ver
e sentir nas palavras de Palocci.
Em poucos momentos de seu depoimento, fica clara a falta de
uma formação econômica mais
profunda do ministro. Seu grande
engasgo aconteceu quando meu
amigo Luís Nassif perguntou qual
seria a reação do governo no caso
de uma valorização mais intensa
do real provocada pela entrada de
capitais especulativos de curto
prazo. Essa situação é hoje uma
possibilidade concreta em razão
da lua-de-mel que estamos vivendo e das elevadíssimas taxas de
juros que o Banco Central está
mantendo no mercado brasileiro.
Por breves instantes, o ministro,
ou melhor, sua alma mostrou-nos
que ele havia caído no precipício
profundo da ignorância que a falta de uma formação mais sólida
provoca em qualquer pessoa. Em
seu resgate veio a intuição do homem político, que não se abalou
com a armadilha e soprou a frase
vazia, mas salvadora: "Nosso
mercado é de câmbio flutuante e a
cotação do real em relação à moeda americana é fixada livremente
pelo mercado".
Nassif perdeu então a oportunidade de mandar o entrevistado à
lona -para usar uma linguagem
do boxe- ao não retrucar que o
novo governo iria repetir assim a
desastrosa política de Gustavo
Franco, ex-presidente do Banco
Central de FHC, quando em 1995
permitiu a valorização de nossa
moeda. Poderia, para incomodar
ainda mais a nova estrela do PT,
lembrar que ele estava, com essa
afirmação, subscrevendo a terrível expressão do mesmo Gustavo
Franco e que tanto mal causou a
todos nós: "Bananas e dólares devem ter o mesmo processo de formação de preços em uma economia de livre mercado".
Um segundo momento em que a
alma do ministro revelou coisas
importantes sobre o novo governo
veio quando os entrevistadores
afirmaram que não viam, em razão das posições do ministro, uma
diferença clara entre o governo de
FHC e o de Lula. Palocci, que confirmou então a inflexão na linha
do pensamento econômico decidido pela liderança petista em junho passado, disse que a diferença
estava na visão estratégica da
ação do governo de que ele participa. Mas não conseguiu explicar
o que isso quer dizer na prática.
Mesmo que seus lábios, comandados pelo homem político, balbuciassem algumas explicações, sua
alma nos revelou que o PT não
tem nenhuma idéia concreta do
que isso quer dizer. Trata-se ainda de uma frase de efeito midiático, mas que retrata um corpo oco
que ainda precisa ser preenchido.
Essa impressão foi confirmada na
posse do novo ministro do Planejamento de Lula, quando essas
palavras vazias sobre o que é essa
nova visão estratégica do Brasil
vieram novamente à tona. Seria
bom para todos nós que nos próximos dias o PT esclareça, de maneira detalhada, esse novo caminho estratégico que iremos seguir.
Mas minha impressão final, depois de quase duas horas de "Roda Viva", é que temos um ministro da Fazenda competente e que
já entendeu sua função principal
no governo: o guardião da estabilidade de preços e da responsabilidade fiscal. Principalmente neste
momento de pressões inflacionárias importantes e de ataques populistas de vários governadores
contra os cofres da República. Falta a Palocci entender que também
será dele a responsabilidade de
detalhar a mudança que deve
ocorrer na política econômica,
para lidar com constrangimentos
mais estruturais de nossa economia, principalmente a ainda perigosa fragilidade externa. Em relação a isso, suas declarações foram
ambíguas. Se de um lado afirmou
que é preciso estabilizar a taxa de
câmbio para dar um horizonte de
prazo mais longo para os agentes
econômicos, por outro voltou a
confundir dólares com bananas.
Aconselho ao ministro que mande alguns de seus auxiliares
acompanharem os passos atuais
do Banco Central da Argentina
no momento em que pode estar
começando a viver uma fase de
valorização do peso, em razão de
uma possível lua-de-mel do mercado e o país de Gardel.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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