São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

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VISÃO DE FORA
A globalização e os legumes africanos

JOHN HUMPHREY

Nos últimos 20 anos, uma revolução na provisão de legumes frescos alterou substancialmente os hábitos alimentares no Reino Unido. Houve um tempo em que a disponibilidade de comida era governada pelas estações do ano. Agora, muitos legumes frescos estão disponíveis o ano inteiro; fora de estação na Europa, chegam de avião ao continente, vindos do resto do mundo. Em 7 de dezembro (inverno), meu supermercado estava vendendo legumes frescos do Egito, do Quênia, do Zimbábue, do Peru e da Tailândia.
Esse comércio tem importantes consequências para os produtores na África e na América Latina. Também traz lições em termos de estratégias de desenvolvimento para uma economia cada vez mais globalizada.
O varejo de legumes frescos no Reino Unido está agora sob controle de grandes supermercados. Seis grandes cadeias de supermercados vendem, sozinhas, mais de 70% das frutas e legumes frescos no país. O setor de supermercados é altamente competitivo, e legumes frescos são uma das armas vitais na atração de novos clientes de alto consumo.
Clientes de classe média, que gastam bastante, querem comer alimentos saudáveis, mas também desejam comida que possa ser preparada rapidamente. Os supermercados respondem oferecendo uma gama cada vez maior de legumes frescos e de alta qualidade. Muitos deles vêm preparados para cozinhar, descascados e cortados; em alguns casos, embrulhados juntos na forma pela qual serão usados em receitas específicas. Cartões de receitas são também oferecidos pelo supermercado. Comida fresca e saudável, mas com a conveniência de comida enlatada ou semipronta.
Os supermercados ganharam o domínio do mercado por meio de sua organização da cadeia de suprimentos. Suas divisões de legumes frescos são organizadas como as demais partes de seu sistema. Dois dos elementos básicos da moderna sabedoria empresarial -o desenvolvimento da cadeia de suprimentos e a concentração na competência básica- são aplicados aqui da mesma forma que em outros setores.
Os supermercados transformaram a cadeia de suprimentos. Há 30 anos, 90% de todos os legumes frescos vendidos no Reino Unido eram canalizados pelos mercados atacadistas e, depois, vendidos por um setor de varejo fragmentado e de pequena escala. Os supermercados contornaram os mercados de atacado tradicionais e estabeleceram contato direto com os fazendeiros.
No Reino Unido, os supermercados compram diretamente dos grandes produtores rurais, que cultivam, empacotam e entregam os legumes de acordo com as especificações do comprador. Suprimentos de batatas são administrados da mesma maneira que os de refrigerantes. Para os legumes importados, os mesmos princípios se aplicam. Importadores especializados administram fornecedores especializados, trabalhando para atender aos requerimentos detalhados dos supermercados.
Os supermercados entendem o varejo como sua competência central. Especificam exatamente o que querem vender, mas minimizam seu envolvimento na produção, no processamento e na administração cotidiana de sua cadeia de suprimentos. Essas funções são repassadas de volta aos importadores e, cada vez mais, aos exportadores e produtores. Isso permite que os fornecedores desenvolvam novas capacidades.
Diversos países africanos se envolveram nesse comércio. O impacto sobre a agricultura local foi dramático e positivo. A demanda por produtos de alta qualidade disparou, e sistemas sofisticados de embalagem e transporte foram criados. Os hortifrutigranjeiros de exportação (como flores) são, agora, a parte mais dinâmica da agricultura africana. Empregos vêm sendo criados não só na produção agrícola, mas também em processamento, embalagem e logística. Os produtos saem das estações de embalagem na África exatamente na forma com que chegam às prateleiras dos supermercados, de 24 a 48 horas mais tarde.
As companhias sediadas na África precisam adquirir habilidade em cultivo, colheita, processamento, embalagem, transporte e organização a fim de atender às demandas desse comércio. Em muitos aspectos, as capacitações requeridas são mais sofisticadas que as exigidas para processos industriais simples. Adiciona-se valor aos produtos agrícolas não pelo processo de industrialização dos produtos (enlatamento, destilação etc.), mas por meio dos serviços necessários para transferir legumes frescos dos campos da África às prateleiras da Europa.
A horticultura de exportação africana goza tanto de vantagens naturais de clima e sazonalidade quanto de acesso privilegiado aos mercados da União Européia. No entanto, importantes benefícios às economias locais derivam das atividades de acréscimo de valor pós-colheita. Mas, se os supermercados britânicos compram do Peru e da Tailândia, além de Egito, Quênia e Zimbábue, o que impede os produtores africanos de serem tirados do jogo, à medida que novos países adentrem os mercados globalizados? Esse é assunto para um próximo artigo.
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Tradução de Paulo Migliacci
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Quem é JOHN HUMPHREY economista inglês, 48 anos, pesquisador-adjunto do Instituto de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Reino Unido).





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