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VISÃO DE FORA
A globalização e os legumes africanos
JOHN HUMPHREY
Nos últimos 20 anos, uma revolução na provisão de legumes
frescos alterou substancialmente
os hábitos alimentares no Reino
Unido. Houve um tempo em que
a disponibilidade de comida era
governada pelas estações do ano.
Agora, muitos legumes frescos
estão disponíveis o ano inteiro;
fora de estação na Europa, chegam de avião ao continente, vindos do resto do mundo. Em 7 de
dezembro (inverno), meu supermercado estava vendendo legumes frescos do Egito, do Quênia,
do Zimbábue, do Peru e da Tailândia.
Esse comércio tem importantes
consequências para os produtores na África e na América Latina. Também traz lições em termos de estratégias de desenvolvimento para uma economia cada
vez mais globalizada.
O varejo de legumes frescos no
Reino Unido está agora sob controle de grandes supermercados.
Seis grandes cadeias de supermercados vendem, sozinhas,
mais de 70% das frutas e legumes
frescos no país. O setor de supermercados é altamente competitivo, e legumes frescos são uma das
armas vitais na atração de novos
clientes de alto consumo.
Clientes de classe média, que
gastam bastante, querem comer
alimentos saudáveis, mas também desejam comida que possa
ser preparada rapidamente. Os
supermercados respondem oferecendo uma gama cada vez
maior de legumes frescos e de alta qualidade. Muitos deles vêm
preparados para cozinhar, descascados e cortados; em alguns
casos, embrulhados juntos na
forma pela qual serão usados em
receitas específicas. Cartões de
receitas são também oferecidos
pelo supermercado. Comida fresca e saudável, mas com a conveniência de comida enlatada ou
semipronta.
Os supermercados ganharam o
domínio do mercado por meio de
sua organização da cadeia de suprimentos. Suas divisões de legumes frescos são organizadas como as demais partes de seu sistema. Dois dos elementos básicos
da moderna sabedoria empresarial -o desenvolvimento da cadeia de suprimentos e a concentração na competência básica-
são aplicados aqui da mesma
forma que em outros setores.
Os supermercados transformaram a cadeia de suprimentos. Há
30 anos, 90% de todos os legumes
frescos vendidos no Reino Unido
eram canalizados pelos mercados atacadistas e, depois, vendidos por um setor de varejo fragmentado e de pequena escala. Os
supermercados contornaram os
mercados de atacado tradicionais e estabeleceram contato direto com os fazendeiros.
No Reino Unido, os supermercados compram diretamente dos
grandes produtores rurais, que
cultivam, empacotam e entregam os legumes de acordo com as
especificações do comprador. Suprimentos de batatas são administrados da mesma maneira
que os de refrigerantes. Para os
legumes importados, os mesmos
princípios se aplicam. Importadores especializados administram fornecedores especializados, trabalhando para atender
aos requerimentos detalhados
dos supermercados.
Os supermercados entendem o
varejo como sua competência
central. Especificam exatamente
o que querem vender, mas minimizam seu envolvimento na produção, no processamento e na
administração cotidiana de sua
cadeia de suprimentos. Essas
funções são repassadas de volta
aos importadores e, cada vez
mais, aos exportadores e produtores. Isso permite que os fornecedores desenvolvam novas capacidades.
Diversos países africanos se envolveram nesse comércio. O impacto sobre a agricultura local
foi dramático e positivo. A demanda por produtos de alta qualidade disparou, e sistemas sofisticados de embalagem e transporte foram criados. Os hortifrutigranjeiros de exportação (como flores) são, agora, a parte
mais dinâmica da agricultura
africana. Empregos vêm sendo
criados não só na produção agrícola, mas também em processamento, embalagem e logística.
Os produtos saem das estações de
embalagem na África exatamente na forma com que chegam às
prateleiras dos supermercados,
de 24 a 48 horas mais tarde.
As companhias sediadas na
África precisam adquirir habilidade em cultivo, colheita, processamento, embalagem, transporte e organização a fim de
atender às demandas desse comércio. Em muitos aspectos, as
capacitações requeridas são
mais sofisticadas que as exigidas
para processos industriais simples. Adiciona-se valor aos produtos agrícolas não pelo processo
de industrialização dos produtos
(enlatamento, destilação etc.),
mas por meio dos serviços necessários para transferir legumes
frescos dos campos da África às
prateleiras da Europa.
A horticultura de exportação
africana goza tanto de vantagens naturais de clima e sazonalidade quanto de acesso privilegiado aos mercados da União
Européia. No entanto, importantes benefícios às economias locais derivam das atividades de
acréscimo de valor pós-colheita.
Mas, se os supermercados britânicos compram do Peru e da Tailândia, além de Egito, Quênia e
Zimbábue, o que impede os produtores africanos de serem tirados do jogo, à medida que novos
países adentrem os mercados
globalizados? Esse é assunto para um próximo artigo.
²
Tradução de
Paulo Migliacci
²
Quem é
JOHN HUMPHREY
economista inglês, 48 anos, pesquisador-adjunto do Instituto de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Sussex
(Reino Unido).
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