São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

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BENJAMIN STEINBRUCH

Por que não?


A mobilização para a guerra contra a pobreza é tão possível quanto a de 1940 para a guerra contra o Eixo

MUITOS ANALISTAS têm recorrido às lições das décadas de 30 e 40 do século passado, especialmente ao período de mais de 12 anos em que Franklin Delano Roosevelt foi presidente dos EUA, em busca de receitas para combater a atual crise econômica.
Uma das obras indispensáveis para entender aquela época é o livro "Tempos Muito Estranhos", de Doris Kearns Goodwin (editora Nova Fronteira), que narra com riqueza de detalhes o que se passou nos bastidores da Casa Branca durante a 2ª Guerra Mundial.
Está claro que, mais do que o New Deal, foi a mobilização coletiva para vencer a guerra contra o Eixo que levou os EUA e o mundo a superarem a Grande Depressão econômica. Entre 1940 e 1945, a indústria americana, sob a forte demanda da guerra, revigorou-se e atingiu níveis de produção impressionantes até para os dias de hoje.
Nesse período de seis anos, mediante injeções bilionárias de recursos públicos, foram fabricados 340 mil aviões de combate, 87 mil navios de guerra, 2 milhões de caminhões, 107 mil tanques, 20 milhões de fuzis e 44 bilhões de projéteis de todos os tipos. O PIB americano saltou de US$ 100 bilhões para US$ 215 bilhões.
Não é difícil imaginar o impacto dessa produção no nível de emprego da época -17 milhões de vagas foram criadas. Pela primeira vez, as mulheres foram chamadas ao mercado de trabalho, uma tendência sem volta e de grande importância na formação da sociedade familiar moderna, com as mulheres em pé de igualdade com os homens. Ainda que tenham ocorrido demissões em massa com o fim da guerra, principalmente de mulheres, milhões delas permaneceram em seus postos e as admissões voltaram a crescer a partir de 1946, em razão da reconstrução do pós-guerra.
Hoje, apesar dos conflitos em várias partes do mundo, felizmente não há demandas de equipamentos bélicos para justificar investimentos como nos anos 40. Mas temos uma demanda muito maior não atendida, de bilhões de pessoas desprovidas, que justificaria uma mobilização de guerra contra a pobreza mundial.
É irônico que a economia global caminhe para a recessão por falta de demanda quando essa demanda existe, não só em países subdesenvolvidos mas nas camadas muito pobres de emergentes e até de nações ricas. Essas populações, que certamente serão as mais prejudicadas pela atual crise, precisam de tudo para viver com dignidade: comida, roupas, moradias, medicamentos, estradas, transporte e toda a sorte de bens de consumo essenciais.
Sem dúvida, parece utópica a ideia de eliminar a pobreza mundial. Seguramente, porém, não se enquadra nessa categoria a proposta de uma mobilização solidária de guerra contra a pobreza. No momento em que os governos de países ricos e emergentes injetam trilhões de dólares para reanimar a economia, uma parte desses recursos poderia ser utilizada, a fundo perdido, para produzir e financiar bens que possam atender à demanda de 2,7 bilhões de pessoas que dispõem de menos de US$ 2 por dia para satisfazer suas necessidades. Com apenas mais US$ 1 por dia, seria criada uma demanda anual de quase US$ 1 trilhão.
A mobilização para a guerra contra a pobreza é tão possível quanto a de 1940 para a guerra contra o Eixo. Com uma diferença fundamental: essa seria para salvar 20 milhões de pessoas que morrem anualmente por razões relacionadas à pobreza. Serviria também para incorporar bilhões de novos consumidores ao mercado. O mundo poderia sair desta crise menos desigual. Por que não?


BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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