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São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2003

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Para FMI, coesão social e vigência da lei são necessárias

Brasil não cumpre requisitos de economia "bem-sucedida"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

A análise é teórica, não se refere a nenhum país em especial, mas o "World Economic Outlook" ("Perspectivas para a Economia Mundial") divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional deixa claro que o Brasil fracassa em pelo menos quatro dos cinco requisitos para ser "uma economia de mercado bem-sucedida".
Diz o relatório: "Todas as economias de mercado bem-sucedidas necessitam de instituições que protejam os direitos de propriedade, mantenham a vigência da lei, consigam estabilidade macroeconômica e regulatória e promovam a coesão social".
O Brasil tem, de fato, instituições que protegem o direito de propriedade -ainda que, em certos setores, haja sempre a dúvida sobre a possibilidade de confiscos (de terras, de ativos).
Mas, nos outros quesitos, o país é precário. A vigência da lei tem sido sistematicamente desafiada pelo crime organizado. A estabilidade macroeconômica é frequentemente abalada, tanto que o país recorreu três vezes ao suporte do FMI nos quatro últimos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso.
O próprio governo Lula acaba de pôr em dúvida o papel das agências reguladoras.
E coesão social é tudo o que o Brasil nunca teve. Está bem mais próximo do apartheid social.
O Fundo dá tal importância ao papel das instituições no crescimento econômico que o "Perspectivas" deste ano tem por título exatamente "Crescimento e Instituições".
Trata-se de uma tentativa de medir o quanto a qualidade das instituições poderia aumentar o crescimento. Por qualidade, entenda-se "percepções sobre grau de corrupção, direitos políticos, eficiência do setor público, peso regulatório e vigência da lei".
Exemplo dado no relatório: se os países sub-saarianos da África (os mais pobres tanto econômica como institucionalmente) atingissem a qualidade institucional dos países da Ásia em desenvolvimento, a renda per capita aumentaria 80% e saltaria dos atuais US$ 800 para US$ 1.400 anuais.
Um segundo capítulo, mais conjuntural, em que o Brasil terá problemas é apontado no relatório, igualmente sem especificar países:
"Historicamente, elevado endividamento corporativo tem tido inegável e forte efeito negativo sobre investimentos".
O comentário refere-se às dívidas das grandes corporações dos países ricos, mas é óbvio que vale para o Brasil, no momento em que as empresas estão atoladas em dívidas e ainda pagam juros muito superiores aos cobrados na Europa, nos Estados Unidos e no Japão.

Apetite pelo risco
O FMI aponta também problemas mais conjunturais para a economia brasileira, por mais que elogie o desempenho até agora do governo Lula.
Exemplo, citado por Kenneth Rogoff, o chefe do Departamento de Pesquisa do Fundo: o aumento do "apetite pelo risco", responsável pelo maior fluxo de capitais para mercados emergentes, entre eles Brasil, se deve não apenas às políticas do governo mas também ao fato de que o retorno nos países desenvolvidos é baixo.
Por isso mesmo, "é possível que o recente aumento do apetite pelo risco prove não ser durável", diz o "Perspectivas".
Consequência: "Significativas vulnerabilidades permanecem em muitos países [da América Latina", incluindo Argentina, Brasil e Uruguai".
O relatório volta, por fim, à questão do débito, ao afirmar que "o tamanho e a estrutura da dívida pública são fontes significativas de vulnerabilidade macroeconômica na América Latina".
Mas, nesse ponto, PT e FMI se encontram plenamente: um e outro justificam o volumoso superávit fiscal primário (receitas menos despesas, excetuados os juros) como uma necessidade inescapável para reduzir a relação dívida/PIB.


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