São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Desnacionalização

BENJAMIN STEINBRUCH

Durante a longa crise argentina, muitas empresas fecharam, outras encolheram e outras ainda foram vendidas ao capital estrangeiro.
Nada de novo. Elas foram vítimas do mesmo fenômeno que atingiu empresas brasileiras nos anos de crise econômica. Fragilizadas pela retração do mercado, em conseqüência da recessão, pela falta absoluta de capital, pelos juros elevados e pela desatualização tecnológica, muitas não resistiram à difícil competição e viraram presas fáceis para as multinacionais.
Nas últimas semanas, por conta de problemas no relacionamento comercial e diplomático com a Argentina, o Brasil foi alvo de críticas pelo que os vizinhos chamam de "invasão brasileira". Essa "invasão" nada mais é do que um fenômeno natural, uma espécie de lei da selva da economia globalizada. As empresas brasileiras, mais bem posicionadas no mercado regional, começaram a comprar companhias argentinas, entre elas algumas tradicionais no país.
A Petrobras, por exemplo, comprou em 2002 a Perez Companc, o principal grupo petrolífero argentino, por cerca de US$ 1 bilhão. A Belgo Mineira, que é da Arcelor, adquiriu a siderúrgica Acindar, e, recentemente, o grupo Camargo Corrêa anunciou a negociação para a compra do grupo cimenteiro Loma Negra.
Visto do lado brasileiro, esse fenômeno é positivo. Defendo há muito tempo a necessidade de internacionalização dos grandes grupos brasileiros. A instalação de unidades industriais no exterior ajuda a estimular exportações de matérias-primas e componentes, abre mercados para produtos nacionais e proporciona lucros que podem ser remetidos para a matriz.
Mas, para quem observa o fenômeno do lado argentino, trata-se de um problema. Rejeito, qualquer que seja o argumento, a desnacionalização de setores estratégicos, como os de siderurgia, petróleo e petroquímica, logística, mineração, geração de energia e outros. Não tenho nenhuma procuração para dar palpites sobre a estratégia dos vizinhos do Mercosul, mas considero que a desnacionalização desses setores não é boa nem para o Brasil, nem para a Argentina, nem para nenhum outro país.
Também não cabem críticas a empresários que venderam suas empresas, aqui ou na Argentina. Eles o fizeram, em geral, premidos por dificuldades financeiras. Mas podemos entender perfeitamente a gritaria argentina contra a presença cada vez maior de capitais brasileiros no país.
O papel da empresa nacional é fundamental para o desenvolvimento dos países. A experiência do apagão de 2001, por exemplo, ainda está fresca na memória dos brasileiros para mostrar que não passa de uma ilusão a idéia de que se pode entregar unicamente a empresas estrangeiras a tarefa de expandir a oferta de energia. Na hora da crise, algumas cancelaram investimentos e ameaçaram deixar o país.
Uma ampla pesquisa feita recentemente pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelou que também constitui uma ilusão a idéia de que as filiais de companhias estrangeiras investem mais em tecnologia do que as nacionais.
O trabalho analisou dados de 72 mil indústrias registradas no Brasil, de todos os tamanhos. E a conclusão foi surpreendente: as nacionais investem 45% mais que as filiais das estrangeiras em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, essas indústrias que apostam na inovação tecnológica lucram e exportam mais, pagam melhores salários, proporcionam empregos mais estáveis e investem mais recursos na formação de mão-de-obra.
Não há, portanto, como recriminar os argentinos por conta da gritaria contra a desnacionalização de suas empresas. Eles estão manifestando apenas um nacionalismo sadio, aquele que visa a proteger do assédio estrangeiro setores estratégicos de sua economia. Um exemplo para nós, brasileiros.


Benjamin Steinbruch, 51, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Ministro defende combate a fraude
Próximo Texto: Tendências internacionais - Mercado: BC inglês mantém juros em 4,75%
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.