São Paulo, domingo, 10 de junho de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Lula 2 e a anestesia geral


Maré baixa nos juros deixa à mostra aberrações e entulhos econômicos, mas país parece dopado pela euforia financeira


O FATO DE O Brasil ainda apresentar taxas de juros aberrantes no contexto mundial continua a ser inegável, mas precisa ser qualificado. As taxas básicas no mercado e a do Banco Central chegaram a níveis historicamente baixos, em perspectiva de queda e, ainda mais novo, investidores fazem negócios com papéis de longo prazo.
Ainda não temos um amplo mercado de títulos de dívida pública de longo prazo tal como o de países estáveis e ricos, mas existe agora uma perspectiva para juros longos, e eles caem também. Um título de 10 anos daria hoje rendimento real de uns 6% (contra 9% faz um ano). A taxa de referência do mercado para daqui a um ano está à beira de 7% reais. Taxa ainda alta, festa para investidores de país rico, mas que de paralelepípedo tornou-se uma pedra apenas no caminho do investimento.
Sim, há horrores escamoteados. Um aspecto negligenciado pelo economista padrão, o impacto fiscal da política monetária, tido como dado da natureza, continua a pesar muito.
Isto é, política monetária tem custo, os juros da dívida pública, pagos com os mesmos impostos que bancam polícia, estradas, vacinas, gaze, giz ou livros. Tal conta permanece, de modo exasperante, entre 6% e 8% do PIB (em termos nominais) faz três anos. Em termos reais, deve cair do último pico, 7% em 2006, para algo em torno de 4% do PIB em 2007, se o BC não tiver achaques.
Rigorismos tolos e vários erros de política monetária desde 1995 lançaram nas contas públicas e nas costas do público uma conta pesada, inútil e que teve sua parte na míngua do investimento público e na deterioração da infra-estrutura do país. Baixar a meta da inflação é dar chance ao azar de que tais custos voltem a crescer. Não há problemas com a inflação, mas sim com gastos públicos.
O outro fator da conta pesada de juros é o tamanho da dívida pública, que, agora se diz até em bancos, teria deixado de ser preocupante. De fato, a dívida cai como proporção do PIB, mas cai enquanto ainda aumenta a arrecadação de impostos, sem que porém aumente significativamente a despesa com investimentos públicos. O país torra a bonança.
Sim, trata-se da crítica de sempre, por ora abafada pela euforia de Lula 2. Afora extremistas de esquerda e direita, de costume tolos, a distensão de ânimos é ampla, geral e bem próxima da burrice e do oportunismo irrestritos. O país dopou-se.
Considere. Juros básicos menores deixam ainda mais visíveis as distorções em regulação e impostos. A excrescência da CPMF encarece financiamentos como "nunca antes". A discrepância entre juros bancários e taxas básicas fica mais evidente, mas se arrastam as medidas sobre concorrência bancária. Poupanças forçadas (tipo FGTS), direcionamentos de crédito, indexações restantes e outros entulhos parecem ainda mais aberrantes em um ambiente financeiro mais normal.
Nem se liberam os mercados onde é necessário (finanças, concessões de serviços), nem o Estado assume tarefas que a tibieza da iniciativa privada nacional deixa ao léu (tecnologia, incorporação de novos setores à economia, investimento em pobres), nem se aproveita a bonança para colocar as finanças públicas em ordem. A euforia financeira anestesiou crítica e políticas públicas.

vinit@uol.com.br


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