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MARCOS CINTRA
Está péssimo, mas qual a proposta?
É importante que a sociedade
tome conhecimento de
que já passou da hora de
fazer a reforma tributária
É DIGNA de louvor a mobilização que algumas entidades
promovem apontando as disfunções da atual estrutura tributária
e fiscal no Brasil. O movimento denominado "Quero Mais Brasil" enfatiza a necessidade de maior eficiência nos gastos públicos, e entidades empresariais criaram o "impostômetro", um painel instalado
no centro de São Paulo que mostra,
ainda que simbolicamente, a evolução da arrecadação de impostos. Há
ainda os que clamam pela discriminação nas notas fiscais dos tributos
embutidos nos preços dos produtos.
Cabe destacar também a campanha da rádio Jovem Pan intitulada
"Brasil, o país dos impostos". Nela, a
emissora mostra o elevado ônus tributário que o brasileiro suporta na
sua rotina diária e que a carga global
por aqui é maior que a de muitas
economias ricas.
Esses movimentos acertam em
mostrar a elevada carga tributária e
o desperdício dos gastos governamentais. Porém os efeitos práticos
desses atos estão esgotados.
A sociedade brasileira tem consciência de que o peso dos impostos é
exagerado, de que a sonegação é um
fenômeno arraigado na cultura do
país, de que o custo para cumprir a
legislação é elevado e de que o retorno social dos tributos pagos é reduzido. Ademais, o consumidor já sabe, de longa data, que impostos representam de 30% a 70% do preço
das mercadorias que ele adquire.
Em vez de bater repetidamente na
mesma tecla, os movimentos organizados deveriam evoluir para a
apresentação, com seus diagnósticos, dos projetos que defendem para
mudar a caótica estrutura tributária.
De pouco vale bombardear a população a todo instante com informações conhecidas.
Em junho, por
exemplo, o "impostômetro" revelou
um fato lamentável, que a arrecadação de tributos em 2006 bateu em
R$ 400 bilhões, 25 dias antes que o
registrado em 2005. Mas o que a sociedade deseja realmente é saber como evitar tais abusos e anomalias.
Até 1990, quando a Folha publicou o artigo "Por uma revolução
tributária", em que apresentei o
projeto do Imposto Único sobre
Transações para lastrear uma proposta de reforma do sistema de tributos no Brasil, pouco se falava em
reforma tributária. Após a divulgação dessa proposta, a questão dos
impostos passou a ser debatida intensamente, a ponto de o governo
constituir uma Comissão de Reforma Tributária, coordenada pelo
tributarista Ary Osvaldo Mattos
Filho, que foi incumbida de estudar o assunto.
Cabe salientar que o polêmico
Imposto Único impactou o pensamento ortodoxo ao demonstrar os
benefícios de um sistema não-declaratório. Foi capaz de converter
até alguns artífices da estrutura
tributária em uso no país, como
Roberto Campos, que publicou artigos em prol desse novo modelo. A
partir de então, várias entidades
públicas e privadas passaram a
produzir estudos sobre a questão,
mas com pouco proveito prático.
A crescente divulgação das anomalias contidas na estrutura tributária brasileira e a conscientização
acerca da ineficácia das propostas
de reforma baseadas em idéias ortodoxas, típicas de livros-texto de
finanças públicas, tornaram o Imposto Único uma alternativa viável, e a população passou a assimilar a idéia, como apurado em duas
pesquisas de opinião pública.
Em 2002, o Datafolha mostrou
que 63% das pessoas que conheciam o Imposto Único eram a favor
da proposta, e em 2004 o CNT/
Sensus concluiu que 64% dos entrevistados eram favoráveis ao projeto. Mas, infelizmente, a estrutura
pública aproveitou-se da proposta
apenas para criar o IPMF/ CPMF,
mais um imposto no já gongórico
sistema tributário brasileiro.
Por uma série de fatores, a sociedade mostrou-se incapaz de promover uma reforma tributária ao
longo dos últimos 20 anos de debates e de pressão dos contribuintes.
Também não foi capaz de promover uma reforma baseada na predominância da tributação sobre
movimentação financeira. Lobbies
e interesses contrariados atuaram
no sentido de manter a estrutura
declaratória do atual sistema.
É importante que a sociedade tome conhecimento de que já passou
da hora de fazer a reforma tributária. O povo está exausto de saber
que a estrutura tributária é ruim,
pois a vive diuturnamente. A sociedade clama por projetos que mudem essa realidade. Esse é o desafio que se apresenta aos movimentos organizados.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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